30 de dez. de 2024

subvida

 


não sei se vivo

ou sobrevivo

na dúvida

dessa subvida

dividida

em poucas subidas

e muitas descidas

só sei que divido

a minha vida

em antes da dívida

e depois da dívida

quando sem dúvida

há muito mais tempo de vida

e de subvida

que antes da vida sem dívida

dessa minha sobrevida

mais do que dividida

e agora sem subida

só descida



24.11.2023

(Ilustração: Salvador Dalí - "The Epitome Of Human Sadness")




27 de dez. de 2024

sonho do poeta

 







tempo

vento

vida / morte

desdita / sorte

memória

história

caminhos

tudo quanto faz parte da minha poesia

muitos mais enredos que tempo e vento

que vida e morte

que história e memória



- os caminhos percorridos

os caminhos desejados

os passos nas nuvens

as nuvens na cabeça

e a cabeça nas nuvens

o poeta é isso e tudo mais



o poeta finge que mente o que deveras sente

[ou mais ou menos isso]

já o disse o Poeta – esse sim o bardo das palavras em liberdade



padece sempre o poeta – eu – talvez

da velha sentença perdida no tempo

e sonha que vai um dia despejar seus versos

em vasos de ouro de salões iluminados



que sonhe o poeta – eu – com os talvezes que não o empolgam

com a música que nunca ouviu

com os livros que nunca leu

com os caminhos que nunca percorreu



sábio será se um dia

mais uma vez

talvez

eu – o poeta? – partir para o sonho absoluto

e deixar no rabo do cometa

um dístico sem sentido

uma palavra torta

um verso mal escandido

para desespero de outro poeta – eu? você quem sabe? – num futuro remoto

sentado à beira do abismo

lendo e relendo até lhe arderem as pupilas

os versos e reversos de um poeta caolho

navegante

errante

de barcaças lentas sóbolos rios secos

da desesperança



17.10.2023

(Ilustração: Carl Spitzweg - O Pobre Poeta, 1839)



24 de dez. de 2024

som de vida





busco um som perdido

na minha memória

em cafundós de sonhos

e invenções de história



um som de estranhos estalidos

de leves pisadas em tecidos

das teias entre galhos enegrecidos



um som que pode ser um grito

um som que pode ser um apito

ou apenas o leve ondular do vento

que não me traz nenhum alento

talvez apenas um pequeno agito

da flor no tronco do mandacaru

quando brilha no céu de agosto

a estrela maior do cinturão do guerreiro

e a cobra d’água se esconde no buraco do tatu



esse som que me traz desgosto

esse som que me angustia

no meu mergulho no passado

não está na noite nem no dia

está no peito entalado

como um quarteto de cordas desafinadas

a tocar sonatas num teatro vazio

no mesmo palco de luzes apagadas

onde minha mente tece melodramas

de angústias escondidas

em saudades atreladas

ao vento da noite que não dorme



sonho na madrugada insone

que esse som que me consome

não seja apenas uma quimera

em minha mente surgida

como uma teia mágica urdida

para que durem aqui na terra

os meus tão poucos dias de vida





16.6.2024

(Ilustração: Vincent van Gogh - Le Jardin de Daubigny, 1890)

21 de dez. de 2024

Sobre a solidão

 



Drummond fala da solidão do boi no campo.

Eu falo da solidão do gato no telhado.

Eu falo também da solidão do poeta na madrugada.

E lembro tantas outras solidões

que um poema seria pouco para todas elas desfiar.



Mas há uma solidão maior:

a solidão de um ser humano perdido na multidão.



O poço profundo a seus pés,

o horizonte perdido no fundo de suas retinas,

o desespero inaudito no esgar de seus lábios,

a lágrima que escorre pelo peito e pelas pernas

até chegar ao chão de estrelas mortas das ruas podres,

o espanto esburacando o fundo do peito.



E a seu redor o silêncio – o silêncio de milhões de vozes

– aos gritos e gemidos.





29.11.2023

(Ilustração: Adam-Frans Van der Meulen: Marche du Roy 
accompagné de ses gardes passant sur le Pont Neuf et allant au Palais)





18 de dez. de 2024

saudade amarga

 




do jeito que andam minhas emoções

– todas – absolutamente todas –

à flor da pele

que se assistir a um show do roberto carlos

acabarei chorando

[e olhe que não gosto nem pouco dele]

mas o meloso de qualquer melodia

ou uma cena romântica na televisão

me trazem lágrimas aos olhos

e não sei se isso é fruto da idade

– que me apavora –

ou da saudade amarga

que a meu peito a todo instante aflora



9.12.2024

(Ilustração: Claude Monet)

16 de dez. de 2024

NOTAS EM TORNO DE UM POEMA

 




Um artista a explicar sua obra é algo absolutamente esdrúxulo. O artista é o último ser da terra a tentar dizer aos outros o que significa aquilo que ele criou. A obra, depois de terminada, pertence ao mundo, aos apreciadores, aos que dela se aproximam. O artista tem a responsabilidade da criação, jamais de sua explicação. Que cada um entenda o que quiser diante de um quadro, de uma escultura, de uma peça de dramaturgia, de um livro, de um poema ou seja lá o que tenha tirado de sua mente o criador da obra. Bem, acho que já me expliquei o suficiente, para o texto que não pretende explicar nada. E como poeta, sei tudo isso e creio que o leitor aqui dessas linhas sabe também.

Mas... como tudo na vida pode ter um “mas”, vou me dar o prazer, ou melhor, a ousadia não de explicar um poema que escrevi, mas de acrescentar algumas notas esclarecedoras sobre as referências que incluí nesse poema, como notas explicativas no rodapé de um livro, rodeando o poema de informações que julgo pertinentes, principalmente para quem não conhece – e não tem obrigação de conhecer – os fatos, as fontes, as referências e, principalmente, minha biografia e minhas lembranças. Porque é de lembranças da minha infância que trata o poema.



O POEMA



relembranças



na televisão a orquestra toca Jan Sibelius [1]

eu penso em couve refogada

no almoço de amanhã

[o fogão a lenha de minha mãe]

são sinapses da minha mente

a ouvir o que eu cheiro

a sonhar o que imagino

arrepia-me a pele

a fritura do alho na frigideira a couve

e violinos – o naipe todo – violinos

a reverberar em sons

que catapultam meu pensamento

para planuras de montanhas

– o menino descalço que sobe a rua [2]

o mendigo que reclama do banho [3]

que a polícia lhe deu

das roupas limpas com que a polícia o vestiu

[quer de volta as roupas velhas

quer de volta o velho fedor]

por que nos apegamos? por quê?

o grupo escolar – a tabuada que não entra [4]

na cabeça do menino que sonha – que sonha

pés de gabiroba no meio do mato

a trilha da falsa cobra coral

o colégio onde os padres confabulam [5]

uma revolução que virou golpe

a marcha fúnebre dos pés

dos soldadinhos de chumbo

do oitavo batalhão de infantaria [6]

batendo forte nos paralelepípedos

no desfile de setedesetembro

a banda de pretos no coreto da praça [7]

um dobrado pela democracia morta

só a tipuana está em festa [8]

aos olhos do menino

uma dupla de mendigos cantadores [9]

visita a cidade

viola e violino em punho

[ah! se fossem jan e sibelius!]

– essa mulher há muito tempo me provoca

dá nela – dá nela –

eles desafinam na música

o menino desafina na vida

a procissão do cristo morto – catracas [10]

que ressoam pela noite que também morreu

pelas ruas tortas à luz da lua cheia

a árvore da forca no alto do morro

onde há também uma cruz fincada

[dizem que nos anos trinta do século dezenove

ali enforcaram um negro] – por quê?

por que enforcaram o negro? [11]

por quê?

eram tempos de chibata

que se repetiram

que se repetem de tempos em tempos?

responde o sino da matriz em dobre de domingo [12]

– missa – missa – missa pelas almas

não merecem flores os mortos?

o longo muro do colégio dos ricos é de pedra [13]

[há muita pedra nas construções dos ricos

há muita pedra no coração dos ricos]

o muro de pedra do colégio dos ricos

conduz o menino pela longa descida

a longa descida para a praça da estação

onde a maria-fumaça apita

apita

e não sai do lugar

a cidade também não sai do lugar

os habitantes da cidade também não saem

para lugar algum

as almas penadas do velho cemitério [8]

pedem orações e benzeduras

não há flores para los muertos

no hay flores para os mortos [9]

e o sino da matriz dobra seu lamento

– missa – missa – missa pelas almas

a missa cantada de todo domingo

talvez seja para o menino a melhor solução

que o pulo na água fria do poço [10]

– aprender a nadar – aprender a nadar

ou afogar nos mares da vida

– porque nos mares da vida

eu me afoguei!

nos mares da vida

afogamo-nos todos

sempre nos afogamos

com pedras amarradas ao corpo

com os versos de desespero

amarrados ao corpo

por que foi assim sempre

e foi assim que se afogou a poeta [11]

[talvez a música

talvez a música de Jan Sibelius

nos salve... talvez...]





9.12.2024



NOTAS



[1] Jan Sibelius, compositor finlandês de música erudita que viveu entre 1865 e 1957.

[2] A cidade é Lavras, no sul de Minas, caracterizada, na época de minha infância, nos anos sessenta do século passado, por ruas de longas e tortuosas subidas.

[3] Em Lavras, nessa época (anos 60), havia um mendigo chamado Zé Marmita, que percorria as ruas em vestes molambentas e, de vez em quando, os soldados ou da polícia ou do Tiro de Guerra o pegavam, davam-lhe um bom banho e roupas novas. Ele fica muito bravo, e reclamava com todo mundo da maneira como o deixaram – limpo e mais apresentável. Figura folclórica.

[4] O grupo escolar que está na minha memória é o Grupo Escolar Álvaro Botelho, situado na Praça Dr. Jorge. Fiz o primário nesse grupo e ele existe até hoje.

[5] O colégio referido é o Colégio Nossa Senhora Aparecida, onde estudei. Era administrado por uma Congregação da Igreja Católica bastante conservadora, daí a referência aos padres confabuladores, o que é uma liberdade poética, já que, embora tenham apoiado o golpe de 64, não tiveram nenhuma influência sobre ele. Mas tiveram influência sobre mim... O colégio não existe mais.

[6] Oitavo Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais, que está instalado em Lavras há mais de 80 anos.

[7] Banda Euterpe Operária, tradicional corporação musical criada pelo ilustre cidadão negro, professor José Luiz de Mesquita (1887-1967), em 24 de setembro de 1910.

[8] A tipuana, árvore de origem africana, foi plantada nos primeiros anos do século passado na praça Augusto Silva, e tornou-se praticamente um símbolo da cidade.

[9] Nunca soube a origem dessa dupla de cantadores que apareciam em Lavras, de vez em quando. Como cantavam sempre a música de Ary Barroso, que ganhou o concurso de carnaval de 1930, na voz de Francisco Alves, nós, os moleques da época, apelidamos a dupla de “Os dá nela”.

[10] Em Minas, na semana santa, as procissões são sempre impressionantes. A do Cristo morto (ou procissão do enterro), realizada sempre numa sexta-feira de lua cheia, talvez seja a expressão máxima dessa religiosidade: o bater das matracas (instrumento constituído de madeira onde existe um pedaço de ferro que produz som, ao ser sacudido) – e não CATRACAS, como está no poema (um ato falho do autor) – e o canto da Verônica são impactantes.

[11] A árvore da forca no Morro do Cruzeiro é lenda, (embora existisse, na época, uma árvore ao lado de uma grande cruz), mas o enforcamento do negro na década de 30 do século XIX é um triste fato histórico da cidade.

[12] Igreja Matriz de Santana, cuja torre prevalecia na paisagem da cidade, na época. Ainda existe, meio eclipsada pelos prédios que a rodeiam.

[13] Referência Instituto Gammon, localizado na Praça Doutor Jorge, mas cujo muro de pedra se estendia (ainda se estende) ao longo de muitos metros da descida da Avenida Pedro Salles, que termina na Praça da Estação, onde hoje está estacionada uma velha máquina maria-fumaça, dos tempos da Rede Mineira de Viação.

[8] Cemitério de São Miguel, o mais antigo da cidade.

[9] Referência à peça de Tennessee Williams, A Streetcar Named Desire (no Brasil, “Uma rua chamada pecado”), onde uma vendedora de flores passa pela rua gritando em espanhol: “Flores, flores para los muertos”.

[10] Havia, na época lembrada, nos arredores da cidade, numa fazenda, um pequeno riacho com um poço, onde os meninos íamos nadar escondidos.

[11] Referência à poeta inglesa Virgina Woolf, que se suicidou aos 59 anos, em 1941, enchendo os bolsos de seu casaco com pedras e atirando-se no rio Ouse.



São Paulo, 15.12.2024


(Ilustração: Lavras, Praça Dr. Augusto Silva - tipuana)


Você pode ouvir o poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, nestes endereços:

- no You Tube:

https://www.youtube.com/watch?v=6cwXa67FwQo

- no podcast do Spotfy:

https://open.spotify.com/episode/7L2U0TjAM76cPkSj3lLHoH?si=BiGAoeOxT8WFZI2mIWBA2g






15 de dez. de 2024

relembranças

 

 

na televisão a orquestra toca Jan Sibelius

eu penso em couve refogada

no almoço de amanhã

[o fogão a lenha de minha mãe]

são sinapses da minha mente

a ouvir o que eu cheiro

a sonhar o que imagino

arrepia-me a pele

a fritura do alho na frigideira a couve

e violinos – o naipe todo – violinos

a reverberar em sons

que catapultam meu pensamento

para planuras de montanhas

– o menino descalço que sobe a rua

o mendigo que reclama do banho

que a polícia lhe deu

das roupas limpas com que a polícia o vestiu

[quer de volta as roupas velhas

quer de volta o velho fedor]

por que nos apegamos? por quê?

o grupo escolar – a tabuada que não entra

na cabeça do menino que sonha – que sonha

pés de gabiroba no meio do mato

a trilha da falsa cobra coral

o colégio onde os padres confabulam

uma revolução que virou golpe

a marcha fúnebre dos pés

dos soldadinhos de chumbo

do oitavo batalhão de infantaria

batendo forte nos paralelepípedos

no desfile de setedesetembro

a banda de pretos no coreto da praça

um dobrado pela democracia morta

só a tipuana está em festa

aos olhos do menino

uma dupla de mendigos cantadores

visita a cidade

viola e violino em punho

[ah! se fossem jan e sibelius!]

– essa mulher há muito tempo me provoca

dá nela – dá nela –

eles desafinam na música

o menino desafina na vida

a procissão do cristo morto – matracas [*]

que ressoam pela noite que também morreu

pelas ruas tortas à luz da lua cheia

a árvore da forca no alto do morro

onde há também uma cruz fincada

[dizem que nos anos trinta do século dezenove

ali enforcaram um negro] – por  quê?

por que enforcaram o negro?

por quê?

eram tempos de chibata

que se repetiram

que se repetem de tempos em tempos?

responde o sino da matriz em dobre de domingo

– missa – missa – missa pelas almas

não merecem flores os mortos?

o longo muro do colégio dos ricos é de pedra

[há muita pedra nas construções dos ricos

há muita pedra no coração dos ricos]

o muro de pedra do colégio dos ricos

conduz o menino pela longa descida

a longa descida para a praça da estação

onde a maria-fumaça apita

apita

e não sai do lugar

a cidade também não sai do lugar

os habitantes da cidade também não saem

para lugar algum

as almas penadas do velho cemitério

pedem orações e benzeduras

não há flores para los muertos

no hay flores para os mortos

e o sino da matriz dobra seu lamento

– missa – missa – missa pelas almas

a missa cantada de todo domingo

talvez seja para o menino a melhor solução

que o pulo na água fria do poço

– aprender a nadar – aprender a nadar

ou afogar nos mares da vida

– porque nos mares da vida

eu me afoguei!

nos mares da vida

afogamo-nos todos

sempre nos afogamos

com pedras amarradas ao corpo

com os versos de desespero

amarrados ao corpo

por que foi assim sempre

e foi assim que se afogou a poeta

[talvez a música

talvez a música de Jan Sibelius

nos salve... talvez...]


[*] Correção: originalmente, o poeta escrevera (e está no texto lido) "catracas": um ato falho, pelo qual pede desculpas.

 

 

9.12.2024

(Lavras: Avenida Pedro Salles - à direita o muro de pedra do colégio dos ricos)


Você pode ouvir esse poema na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, nestes endereços:

- no You Tube:

https://www.youtube.com/watch?v=6cwXa67FwQo

- no podcast do Spotfy:

https://open.spotify.com/episode/7L2U0TjAM76cPkSj3lLHoH?si=BiGAoeOxT8WFZI2mIWBA2g




-

12 de dez. de 2024

sensação

  




o dia passa

e mesmo que alguma coisa eu faça

parece que não fiz nada

pois tudo quanto faço

segue no meu lento passo

que não é nem caminhada

nem o espreguiçar de preguiça



e nesse vazio sem fim

a vida se esgarça corrediça

do meu peito – enfim



29.11.2023


(Ilustração: Javier Arizabalo García)

9 de dez. de 2024

saudade de você

 






não há tempo perdido

todo tempo é tempo vivido



quando parece que se perde tempo

é o tempo da sobrevivência

e tudo quanto experimento

traz um pouco de ciência



ainda que chova ou faça sol

os encantos de cada momento

são esplendores de arrebol



somos movidos pelo tempo

e sobrevivemos só um tanto

que sopre mais forte o vento

não apaga a felicidade

nem os momentos de pranto



seja a noite gelada ou escaldante

não me acompanha a solidão

pois tenho por companhia constante

o sono calmo do gato da casa

sempre no mesmo lugar deitado

em sonhos de caçadas enroscado

ronrona e deixa em mim um quê

de gotas de saudade de você




3.1.2024

(Ilustração: Franz Marc, 1880-1915: Le chat blanc, 1912) 

6 de dez. de 2024

revolta

 





caminho pelas ruas nauseabundas de São Paulo

revolta-me o cheiro de urina e merda

entristece-me a quantidade de mendigos em tendas

ou deitados sobre papelões

à chuva

ao sol

ao desespero de não saber o dia de amanhã



a cidade fede

a cidade fede não só com o cheiro de urina e merda

a cidade fede

com a indiferença de quem passa e finge não ver

a pobreza absoluta de crianças e mulheres e indivíduos

as calçadas tomadas por pedintes

a miséria que assume as cores negras de nossa indiferença

sujeira

fedor

o cheiro de urina e merda



revolto-me com a sujeira

revolto-me com o mau cheiro

revolto-me com o lixo



mas não

não me revoltam os que chafurdam ali naquela miséria

não são eles os culpados de toda essa situação

crianças

adultos

mulheres

gente que sofre

gente sem teto

gente sem comida

gente sem futuro

gente que é fruto da indiferença dos poderosos

consequência de políticos que não se preocupam com o povo

ladrões do dinheiro público

governantes sem nenhuma sensibilidade

são essa gente que causa a miséria

são essa gente que fede mais que o mau cheiro das ruas



por isso quando caminho

pelas ruas do centro da cidade

e vejo essa gente toda

sem roupa decente

sem comida decente

sem lugar decente para dormir

sem qualquer futuro

vivendo como bichos

pelos cantos e buracos dos viadutos da cidade grande

eu só penso que deviam ir todos os políticos responsáveis

para o raio que os parta – para o quinto dos infernos

em prisão perpétua na cadeia mais nauseabunda





2.1.2024

20.5.2024

(Ilustração:pessoa em situação de rua na Avenida Paulista

 - SaoPaulo, foto de Leonardo Almeida) 

3 de dez. de 2024

reprise

 





quando um pé de vento

levanta de repente

o pó da memória

em minha mente

sei que a história

agora revivida

que devia permanecer

para sempre esquecida

me fará de novo sofrer



15.1.2024

(Ilustração: Lenkiewicz - obsession)