31 de out. de 2017

TULIPS / TULIPAS, de Sylvia Plath







TULIPS


The tulips are too excitable, it is winter here.

Look how white everything is, how quiet, how snowed-in.

I am learning peacefulness, lying by myself quietly

As the light lies on these white walls, this bed, these hands.

I am nobody; I have nothing to do with explosions.

I have given my name and my day-clothes up to the nurses

And my history to the anesthetist and my body to surgeons.




They have propped my head between the pillow and the sheet-cuff

Like an eye between two white lids that will not shut.

Stupid pupil, it has to take everything in.

The nurses pass and pass, they are no trouble,

They pass the way gulls pass inland in their white caps,

Doing things with their hands, one just the same as another,

So it is impossible to tell how many there are.




My body is a pebble to them, they tend it as water

Tends to the pebbles it must run over, smoothing them gently.

They bring me numbness in their bright needles, they bring me sleep.

Now I have lost myself I am sick of baggage——

My patent leather overnight case like a black pillbox,

My husband and child smiling out of the family photo;

Their smiles catch onto my skin, little smiling hooks.




I have let things slip, a thirty-year-old cargo boat

stubbornly hanging on to my name and address.

They have swabbed me clear of my loving associations.

Scared and bare on the green plastic-pillowed trolley

I watched my teaset, my bureaus of linen, my books

Sink out of sight, and the water went over my head.

I am a nun now, I have never been so pure.




I didn’t want any flowers, I only wanted

To lie with my hands turned up and be utterly empty.

How free it is, you have no idea how free——

The peacefulness is so big it dazes you,

And it asks nothing, a name tag, a few trinkets.

It is what the dead close on, finally; I imagine them

Shutting their mouths on it, like a Communion tablet.




The tulips are too red in the first place, they hurt me.

Even through the gift paper I could hear them breathe

Lightly, through their white swaddlings, like an awful baby.

Their redness talks to my wound, it corresponds.

They are subtle : they seem to float, though they weigh me down,

Upsetting me with their sudden tongues and their color,

A dozen red lead sinkers round my neck.




Nobody watched me before, now I am watched.

The tulips turn to me, and the window behind me

Where once a day the light slowly widens and slowly thins,

And I see myself, flat, ridiculous, a cut-paper shadow

Between the eye of the sun and the eyes of the tulips,

And I have no face, I have wanted to efface myself.

The vivid tulips eat my oxygen.




Before they came the air was calm enough,

Coming and going, breath by breath, without any fuss.

Then the tulips filled it up like a loud noise.

Now the air snags and eddies round them the way a river

Snags and eddies round a sunken rust-red engine.

They concentrate my attention, that was happy

Playing and resting without committing itself.




The walls, also, seem to be warming themselves.

The tulips should be behind bars like dangerous animals;

They are opening like the mouth of some great African cat,

And I am aware of my heart: it opens and closes

Its bowl of red blooms out of sheer love of me.

The water I taste is warm and salt, like the sea,

And comes from a country far away as health.









TULIPAS



São muito excitáveis as tulipas, é inverno aqui.

Veja como tudo é tão branco, tão quieto, tão gelado.

Aprendo a paz, dentro de mim, em silêncio

Sob a luz que ilumina essas paredes brancas, esta cama, estas mãos.

Não sou ninguém; nada tenho a ver com arrebatamentos.

Junto com meu nome, entreguei minhas roupas às enfermeiras

E minha história aos anestesistas e meu corpo aos cirugiões.



Aconchegaram minha cabeça ao travesseiro sob o lençol:

Um olho entre pálpebras brancas que não se fecham.

Pupila idiota, que tudo observa.

Não me incomodam as efermeiras que passam e passam,

Como passam as gaivotas para o interior, elas passam com suas toucas brancas,

Manuseando coisas, são sempre tão iguais,

Que não dá para saber quantas elas são.



Como pedra alisada pelas águas que correm,

Assim elas tratam com cuidado o meu corpo.

Entorpecem-me com suas agulhas, fazem-me dormir.

Estou agora perdida de mim mesma, cansada de tudo -

Minha caixa de couro preto de pílulas para dormir,

Meu marido e o bebê escancaram o riso na foto de família;

Seus risos repuxam minha pele, pequenos anzóis ridentes.



Deixei coisas para trás, um cargueiro de trinta anos

Teimosamente atrelado a meu nome e a meu endereço.

Desinfetaram-me de todas as lembranças afetivas.

Assustada e nua sobre a maca de plástico verde

Assisti meu jogo de chá, minha cômoda de roupas, meus livros

Afundar até perder de vista, e a água cobrir minha cabeça.

Sou agora uma freira, nunca me senti tão pura.



Eu não queria flores, queria apenas

Repousar com as mãos entrelaçadas sob a cabeça e sentir-me inteiramente vazia.

Isso é ser livre, você não imagina como isso é ser livre -

A paz é tão imensa, que você flutua,

E ela nada lhe pede, nem um nome, nada.

É aquilo pelo qual anseiam os mortos; imagino-os

Fechando suas bocas sobre ela, como se fosse uma hóstia consagrada.



As tulipas são, principalmente, tão vermelhas, que me ferem.

Até mesmo através do papel de presente, posso ouvi-las respirar

De leve, através de suas mantas brancas, como um bebê monstruoso.

Essa vermelhidão conversa com minha ferida, e ela corresponde.

Elas são sutis: parecem flutuar, embora me puxem para baixo,

Irritando-me com suas súbitas línguas e sua cor,

Uma dúzia de plúmbeas correntes rubras ao redor de meu pescoço.



Ninguém me vigiava antes, agora sou vigiada.

As tulipas voltam-se para mim, e a janela atrás de mim

Por onde, uma vez ao dia a luz lentamente aumenta e diminui,

E eu vejo a mim mesma, estendida, ridícula, uma sombra recortada numa folha de papel

Entre o olho do sol e os olhos das tulipas,

E eu não tenho rosto, eu tenho tentado apagar a mim mesma.

As vívidas tulipas sugam meu ar.



Antes que elas chegassem, o ar estava suficientemente calmo,

Entrando e saindo, a cada respiração, sem problema.

Então, como um barulho louco, as tulipas preencheram-no.

Agora o ar se enrosca e turbilhona ao redor delas, como um rio

Se enrosca e turbilhona ao redor de um motor vermelho-ferrugem naufragado.

Elas atraíram minha atenção, era tão bom

Passear e descansar sem me comprometer.



Também as paredes parecem estar fervendo.

As tulipas deviam estar atrás das grades, como animais perigosos;

Elas estão se abrindo como a boca de um felino africano,

E eu tomo consciência de meu coração: ele abre e fecha

Seu vaso de flores vermelhas cheio de amor por mim.

A água que provo é quente e salobra, como o mar,

E vem de um país distante como a saúde.




(Ilustração: Purple And White Tulips by Sharon Freeman)



Tradução de Isaias Edson Sidney; São Paulo, 18 de dezembro de 2014.


(Você pode ouvir este poema na voz do tradutor, no pod cast indicado em cima à direita da página)













30 de out. de 2017

POEM / POEMA, de Thomas Campion






POEM



Will I now so timely depart

And not return again?

Your life lends such light to my heart

That so depart is pain.



Fear yields no delay,

Secureness helpeth pleasure.

Then, till time give greater stay,

Farewell, my life’s treasure!



Follow thy fair sun, unhappy shadow,

Though thou be dark as night

And she made all of light,

Yet follow thy fair sun, unhappy shadow.



Thomas Campion

16th century






POEMA


Fugiu-se-me o tempo e devo deixar-te.

Não mais voltarei?

É tanta a luz que me fez amar-te

Quanta é a dor que sentirei.



Seguro de estar contigo,

Prolonga o medo ao prazer.

Dou-te adeus, ó meu tesouro, e prossigo

A sonhar um tempo de permanecer!



Vai-te em dourada luz, ó sombra triste,

Ainda que cubras o sol em negra treva.

Deixas-me luz na luz que te leva

E segue o teu sol, ó sombra que em mim persiste.






(Ilustração: Balthus - tristesse de la lune)


Tradução de Isaias Edson Sidney

séc. XX

29 de out. de 2017

POUR TOI MON AMOUR / PARA TI, MEU AMOR, de Jacques Prévert





POUR TOI MON AMOUR



Je suis allé aux marché aux oiseaux

Et j’ai acheté des oiseaux

Pour toi 

Mon amour





Je suis allé au marché aux fleurs

Et j’ai acheté des fleurs

Pour toi 

Mon amour




Je suis allé au marché à la ferraille

Et j’ai acheté des chaînes

Des lourdes chaînes

Pour toi 

Mon amour




Et puis je suis allé au marché aux esclaves

Et je t’ai cherchée

Mais je ne t’ai pas trouvée

Mon amour








PARA TI, MEU AMOR



De um velho passarinheiro 

Comprei para ti,

Meu amor,

Um lindo bem-te-vi.



Da florista mais vaidosa,

A mais bela rosa

Comprei para ti,

Meu amor.



A um robusto ferreiro,

Do aço mais duradouro,

Banhadas em ouro,

Algemas pedi,

Só para ti,

Meu amor.



Por fim, louco de amor,

Em meio às escravas

Por ti procurei.

Mas tu não estavas,

Meu amor.




(Ilustração: Jean Leon Gerome -The Slave For Sale)



Tradção de Isaias Edson Sidney; 27.8.92



28 de out. de 2017

arte




(Elise Dodeles - Origin of the world reaction to Currin after Courbet)





gosto da arte – qualquer arte – desde cro-magnon

até o garoto que rabisca no caderno suas primeiras experiências

mas sobretudo gosto da arte que me provoca

que me tira da minha zona de conforto para os píncaros do incômodo

que brinca com deus e deuses dentro de vidros de urina e fezes

ou de nudezes impolutas em poses arregaçadas

não me importa que se exponham os artistas à chacota

ou à detração pública dos conservadores

será deles – desses loucos e inconsequentes – o mundo que se cria

e que se quer totalmente livre dos tapa-olhos de piratas travestidos

em defensores do cu alheio ou da boceta que não lhe pertence

que se esmerdeiem os altares ou que se punhetem os onanistas

mas o momento de criar seja o extremo do prazer de cada um

e se não gosta é simples meu caro pirata da perna de pau

não olhe não veja não compre não chegue perto não cheire e não chute



13.10.2017









um buraco na minha sombra






 (Albert Gyorgy)




caminho contra o sol

e minha sombra se projeta para trás



volto-me para olhar o caminho

e vejo a sombra alongada



volto-me para olhar e vejo

no meio da sombra um buraco



há um buraco na minha sombra

um buraco, um buraco na minha sombra



um buraco onde houve um dia um coração





22.5.2013


27 de out. de 2017

ninguém ouvirá o teu canto





(Yves Tanguy)






ninguém ouvirá o teu canto

gestado e grunhido em madrugadas frias

desesperado adeus de sonhos acalentados

grito outonal de uma mente enfim liberta

pronta para o salto da ponte sobre o rio da vida e da morte

encachoeirado rio agora depois de tanto tempo represado

preterido o tempo jogado ao fogo

que nem águas claras o podem apagar

ninguém ouvirá o teu canto

solene como o canto da graúna

sobranceira estátua sobre a montanha

inútil destino de todos os desencantados

rarefeito canto à margem do oceano

no qual o rio se desfaz em sal

desespere-se o cantor inutilmente levado pela correnteza

náufrago sem destino a bater nas pedras e a debater-se na espuma

no sonho o grito enfim da floresta

o desenho frágil e sutil da esperança

três vezes o canto do bem-te-vi

três vezes o coração bate mais forte

atroz o destino do teu canto

ó náufrago inútil a desafiar a morte

sabe-o de cor a população inteira

que não se importa mais com teu desvario

pretérito mais que passado o teu gemido implora por ser ouvido

enquanto mugem nas orquestras o desalento de trompas desafinadas

passaste e não viste o tempo correr

secaste e não viste o sol crestar tuas pétalas

sem asas e sem alento correste inutilmente

pelos campos de espinhos e sarças em fogo

o beijo da aragem a medrar teu fogo

o canto das águas a fugir do teu logro

pensa e canta ainda se tiveres voz

que o teu canto de vida a morte exsuda

nos campos férteis de margaridas e espinhos

o espaço entre cada nota de teu roufenho canto será todavia preenchido

pelos dedos ágeis de tua mais ferrenha e feroz inimiga e terás enfim morrido

sem pejo

sem nojos

sem arrepios

longe

muito longe de todos os teus anseios e ensejos


4.4.2017




26 de out. de 2017

rio e vida



(Foto de Fátima Alves)





lá em baixo, no vale, corre o rio

cavando com calma seu caminho

no tempo da seca

e alargando seus domínios

no tempo da chuva



lá em baixo, no vale, serpenteia o rio

contornando montanhas

despecando-se em cachoeiras

indo sempre para a frente

em busca do mar



lá em baixo, no vale, vejo o rio



daqui de cima, espelho de calmaria

daqui do alto, serpente sem dente



assim também minha vida vista lá do alto

parece calma em seu caminho no tempo sem guerra

parece larga em seu serpentear no tempo sem abismo



assim também minha vida lá em baixo

no vale das minhas angústias

busca um sentido ao despencar em incertezas

e parece sempre caminhar para o inevitável



vida e rio

rio e vida

não há pacto entre eles

apenas o caminhar




17.5.2013

25 de out. de 2017

O sabiá e a pitangueira



(O sabiá, no alto e a namorada, no chão)



Ele vinha todas as manhãs e, de tal forma, se acostumara conosco, que nem voava quando nos aproximávamos. Chegava, mesmo, a entrar na sala, pousar no sofá e passear pelo tapete. Comia seu mamão, sempre colocado no mesmo lugar, ao lado de uma vasilha com água, na qual tomava seu banho e, às vezes, ficava por ali por algum tempo. Depois, voava em busca de aventuras que só os sabiás sabem quais são. Era ele – e é ainda, o verbo no passado, aqui, tem apenas o sentido das coisas que mudam e não das coisas que perecem – o nosso sabiá.


Um dia, apareceu acompanhado. Uma sabiá ressabiada, que comia apressada do mamão oferecido e voava assustada a qualquer tentativa de aproximação. Mas também se acostumou e, embora, não se tornasse nossa sabiá, como o namorado, deixou aos poucos de ser assustadiça. Só não admitia intimidades, ou seja, mantinha uma distância de nós, humanos, no seu orgulho de apenas uma amiga do amigo e nada mais. Então, percebemos que um ninho aos poucos crescia no fundo do quintal, num tronco alto da caramboleira, bem próximo da pitangueira. E, com o passar dos dias, ninho pronto, logo a alternância na busca pelo mamão de todas as manhãs: ora um, ora outro é que aparecia na nossa garagem. Sabíamos quem era quem, claro, pela tranquilidade do macho e pelo ar arisco da fêmea. 


O inverno chegava ao fim e a primavera se anunciava. E o sabiá, no fundo do quintal, despertava ainda bem de madrugada, para cantar. Nosso neto, de seis anos, num dos finais de semana em que aqui veio passar, acordou às quatro horas da manhã e não mais conseguiu dormir, por causa do canto do sabiá, logo ele que gostava tanto do passarinho, o qual deixava que ele quase o tocasse com os dedos, quando vinha comer o mamão na garagem da nossa casa. Mas também ele se acostumou com o canto madrugador do sabiá, o canto que marcava território e espantava das árvores próximas quaisquer outras aves que ali costumavam aparecer. Era ele o dono do quintal. Sabíamos bem o que isso queria dizer: ovos e choco. 


Setembro se foi e veio outubro e o sabiá a cantar no fundo do quintal, desde a madrugada e os passarinhos – que eram sempre muitos e variados – desaparecidos da pitangueira que, nesse ínterim, floresceu e transformou em frutos as flores e coloriu-se aos poucos de pequenos tons abóbora em contraste com o verde da folhagem. A pitangueira é sempre uma festa para sanhaços, bem-te-vis e muitos pássaros, que a frequentam no baile quase esquizofrênico de uma comilança sem fim, quando ela frutifica e os belos frutos amadurecem. Dessa vez, no entanto, nada de passarinhos. Um ou outro – observei – ousava aparecer, de vez em quando, para roubar uma pitanga e voar, arisco, para longe. E o sabiá a cantar forte, marcando o território, respeitado por todos. 



Preocupado, pensei: quantos frutos serão desperdiçados e tantos passarinhos por aí, querendo comê-los! Mas, o sabiá, não: ele continuava fazendo suas incursões matinais à nossa garagem, em busca de seu mamão e, notamos, felizes, que tanto ele quanto ela levavam no bico um bom naco da fruta. E então, já nesse quase final de outubro, com os frutos da pitangueira amadurecendo celeremente, observamos que arrefeceu o canto do sabiá e, de dia para o outro, assim, de repente, como uma festa de primavera, os pássaros repovoam a pitangueira, ávidos e famintos sanhaços, bicos-de-lacre, bem-te-vis, todos os convivas do banquete anual a competir entre si pelos melhores frutos. 


O que aconteceu? - perguntamo-nos todos, mais uma vez curiosos da vida alada e, principalmente, da vida dos nossos hóspedes.


Logo descobrimos: vimos, de relance, no meio da folhagem, o casal de sabiás, com seus dois filhos já devidamente emplumados. É que eles – os filhotes - não precisam mais de um território tão patrulhado e tão livre de intrusos; é que os “garotos” já podem voar e fugir de possíveis predadores. Então, relaxada a vigilância, a festa na pitangueira está liberada. E a passarada, feliz, agradece, para a alegria de nossos olhos e nossos ouvidos, que agora temos outros cantos de tantos passarinhos que sempre frequentaram a nossa pitangueira.


Só estamos, agora, aguardando que o “nosso” sabiá traga os filhotes para nos serem devidamente apresentados e eles – os filhotes – sejam também apresentados à boquinha matinal e sem estresse de um bom naco de mamão na nossa garagem. O nosso pequeno paraíso, no Jabaquara, São Paulo, tem dessas pequenas alegrias. Graças a algumas árvores frutíferas que desagradam alguns vizinhos, mas agradam aos passarinhos.

24.10.2017





24 de out. de 2017

pequena morte 3



(Satyre faune et nymphe par Namgreb ou Bergman)



morro a cada orgasmo que me dás

aquela morte suspensa e vaga

angústia e prazer de quem chega e parte

mistério de passagens secretas

o tempo expandido num segundo de extremos

o espasmo final a trazer-te elétrons



o vento da noite a soprar-me luxúrias

morro e renasço em ti os amores

dos tempos de que não vivi eternos

e dolentes nos trilhos de vidas perdidas

o tom de flores e o enterro das cigarras

o outono de canções que sobem pelos morros



sabe a perfumes de orientes a tua pele tensa

sou o teu crucificado e o teu assassino

vibrante a vida à morte do esquecimento

e então subimos a escada eterna do fim

para os braços lassos do encontro fatal

morro assim a cada orgasmo que me dás


2.9.2017 

23 de out. de 2017

pequena morte 2





 Bernard Buffet





pequena morte encontro em tuas águas

ao navegá-las como marinheiro sem norte

desdenhei temores arrostei velhos amores

escapei antes de naufrágios de gregos navegantes

em negros mares de monstros ciclopes e avatares

para descer a teus esconsos e então morrer




29.7.2017

22 de out. de 2017

pequena morte 1



 

 John Collier - Lilith






uns cabelos louros

alongados ao dorso

mal cobrindo as curvas

da redonda bunda

uns seios pequenos

para o infinito voltados

a dura curva das coxas

o monte louro a cobrir

os lábios molhados

de onde pingam gotas

que caem como flores

na minha língua 

a chuva fina enfim

em jorros escorre

e o prazer nas papilas

dança o tango nu 

o gozo espuma

o ventre freme

a morte vem

breve como convém

à porta do paraíso



22.7.2017




21 de out. de 2017

libidinagem



(Jeff Faerber (American) figure study)





ouvi no rádio

vi na televisão

veio mensagem no computador

hugh hefner o homem que inventou as coelhinhas

morrera

parei a punheta que batia e fiquei um minuto em silêncio

depois

continuei pensando em marilyn monroe



você meu amor pensa que trepamos e fazemos amor

só naquele quarto de hotel no centro da cidade

engana-se

trepo e faço amor com você todos os dias

no meu quarto

no meu banheiro

quando derramo o sêmen que era seu

que é seu

na cascata de uma descarga impoluta



vejo a moça nua no computador

e faço amor com ela de vez em quando

pensando coisas que jamais faria com qualquer outra

porque naquele momento ela é inteiramente minha

e não tem qualquer outra vontade senão a de dar

de dar para mim do jeito que eu quiser



dispo a menina que vejo na rua passando distraída

sem saber que naquele momento é comida

não só pelo meu olhar matreiro e sem vergonha

mas pela minha libido acesa ao pensá-la nua

o seu triângulo liso ou peludo que minha língua

desvendaria sem pejo e a despeito de peias morais



a maja vestida se desnuda logo ao meu anseio

e torna-se ventre em que se saciam esperanças

ao meu prazer entregue como qualquer mulher

puta ou virgem

casada ou solteira

amiga ou namorada

amantes todas de todas as horas de libidinagem

fogo que se apaga apenas em desertos lúgubres

das interdições dos ventos e dos espinhos

sou o macho que não se enquadra em seus sonhos

sou o íncubo de seus pesadelos

quando sucumbem todas as mulheres ao chamado

da lua cheia

sou o vampiro a queimar seu pelo e a furar seus olhos

nas noites frias de espanto e desespero





escutem o troar das cachoeiras e afoguem seu pranto

que as flechas de veneno enfim acharam seu alvo

pintem de negro as portas de seus quartos

aquartelem seus machos em tumbas perdidas

joguem fora as chaves de seus tesouros recolhidos

e espalhem cinzas ao redor de gatos arrepiados

inúteis os sortilégios quando soa a hora maldita

entreguem-se aos apelos da carne lanceada

deixem que os sucos de seus corpos se espalhem

pelas estradas cheias de perigos enquanto a lua

descamba para o leito vazio de esperas inúteis

saberei

eu o vampiro dos seus temores recônditos

eu o íncubo de seus desejos mais profundos

incitar o vento através das pétalas de suas carnes

e preencher o vazio do seu encantamento

a libido enfim satisfeita fará do seu estremecimento

o encanto de vida e paz que você nunca encontrará



um seio cortado a navalha

um riso sem motivo no meio da madrugada

um escárnio no gozo provocado por mãos inábeis

e hugh hefner visita o paraíso no meio do inferno

entre coelhos e couves de bruxelas

e eu continuo a fazer amor com você

meu intransponível amor de tardes emolduradas

por gozos e risos e encovadas recriações de sexo

até que meu gozo seque e meus colhões adoeçam



imagens ainda povoam o tempo de minha expectativa

a negra que um dia me abriu seu quarto-e-sala e as pernas

enquanto o marido gozava o ronco de algum motor

o gozo assustado e o prazer redobrado

a garota que aparecia e desaparecia de minha vida

como sombra ao sol de manhãs e de tardes quentes

amei-a um dia e não sei por quantos meses

uma japonesa que disse querer mais e ficou na vontade

a loirinha que pensei haver deflorado

e que também amei e ela desapareceu

são tantas que nem vale a pena lembrar uma a uma

sei apenas que meu gozo não vem se não me concentro

em sua bunda a encostar-se em meu pau

nas safadezas de nossas tardes de taras incontidas

de beijos longos e tremores de terremotos curtos

desesperança apenas o teu nome me surge

o quanto dura o desejo de libidinagens

povoa-se a mente a minha mente de seus sorrisos safados

escuto os movimentos das profundezas da terra

e sei que você está presente em leitos que desconheço

paixão em líquidos e estranhos jasmins de jardins etéreos

mexem-se nos túmulos todos os lúbricos da terra

aguardam o sepultamento do último sátiro

sou eu a pensar de novo em lábios que se abrem

ao toque de minha boca o seu gozo tremido

enfim eu sou o que escorre de mim e quando morro

morro no instante de prazer do nosso gozo


29.9.2017





20 de out. de 2017

lei da convivência número 4









artigo primeiro



fique banida para todo o sempre de todas as mentes

a ideia de que a humanidade se divide em raças



artigo segundo



misturem-se ou não se misturem as cores

de todas as peles e todos os olhos

que se olhe com o olhar de qualquer cor

apenas o ser que está dentro da pele



parágrafo único



o direito de se ter uma cor de pele é inalienável




25.9.2017

(Ilustração: Bernard Buffet - 1928-1999) 



19 de out. de 2017

não importa




(Dylan Thomas by David Griffiths) 




não importa se leio ou não dylan thomas

ou qualquer outro poeta do non-sense

o que rola nas veias da morte nem sempre

requer da vida o que a poesia revela

são talvez loucos ou insanos ou apenas desgostosos

os que caminham por veredas inconcebidas

na busca do conhecimento ou do entendimento da vida

sábios mascarados já dançaram e se queimaram

em fogueiras mais ardentes do que as da inquisição

souberam através do espinho de fagulhas amargas

explorar em si mesmos os abismos da sensibilidade

e morreram em seus leitos de rosa exarando enxofre

de infernos em que se não acreditavam por serem 

como todos os infames desse mundo mendigos

para sempre esfoliados de seus direitos

cavaram com suas mãos em forma de garras

as galerias eternas por onde escoa o sangue grosso

e pútrido de sementes de vingança e desespero

não importam portanto os versos de dylan thomas

nem as diatribes de poetas malditos e enfermos

que a vida de novo reflui em gotas de pólen

trazidas pelo bico do beija-flor e depositadas

como um último alerta sobre a pedra tumular

do último poeta a cantar a liberdade e morrer por ela





18.3.2017