15 de out. de 2025

MAIS E MELHORES LIVROS E UMAS POUCAS DECEPÇÕES


Ler é a mais fantástica experiência do ser humano. Mesmo que se tenha ido à Lua ou alcançado as estrelas, somente a leitura pode transportar-nos ao infinito e fazer-nos viver incontáveis vidas e suas aventuras. Se a natureza dotou o cérebro humano para algo essencial, esse algo é a imaginação. E ler é levar a imaginação a potências inimagináveis.

Com uma arma na mão, o homem é uma besta. Com um livro, torna-se verdadeiramente humano.

O primeiro livro que li espontâneamente (não contam os livros de alfabetização ou lidos na escola) foi uma biografia de Dom Bosco. Nunca mais o esqueci. Despertou em mim a paixão pela verdade, através de tantas mentiras que contaram sobre a vida desse padre. Seus poderes extra-sensoriais me levaram a estudar religiões. E a Biblia foi lida do Gênese ao Apocalipse, ainda muito jovem. E o estudo das religiões me levou ao caminho lógico de quem busca a verdade: o ateísmo.

Aos catorze, na formatura do antigo ginásio, ganhei de meu padrinho uma obra-prima e a primeira decepção com a censura: Os Lusíadas. A princípío estranhei a numeração das estrofes: havia uma lacuna. Mais tarde, já na Faculdade de Letras, descobri: os padres da editora católica haviam suprimido, simplesmente, todo o canto IX, o banquete das ninfas, o encontro com as deusas nuas do paraíso imaginado por Camões como recompensa aos navegadores pela grande aventura.

A partir dos estudos de literatura, o melhor livro quase sempre era o que havia acabado de ler. Assim, mergulhei nos poetas, nos contistas, nos romancistas. E quando a poesia parecia esgotar-se, Portugal abria o baú de Pessoa. E quando o romance parecia ter chegado ao ápice, surgia um Rosa. E quando o conto parecia estrebuchar-se, caía-me nas mãos um J. J. Veiga.

Ainda hoje é um pouco assim. Com o tempo, a diversificação trouxe-me os robôs de Asimov e os pesadelos marcianos de Bradbury. Durrel me fez mergulhar na Alexandria de um Quarteto que podia virar novela e não ter fim. Lawrence compensou as ninfas de Camões e a decepção da cena de entrega de Júlio Ribeiro. Miller desvendou o mistério e tornou normal o que era absurdo. Garcia Márquez abriu a cartola para os mágicos da América. E Galeano detonou o paraíso, para abrir veias que sangraram. E vieram tantos e tantos: Balzac le roi, Joyce the king, Cervantes el rey... Tantas eras, tantos momentos, tantas letras. Ah! os malditos, aqules que poucos leram e muitos comentaram! Também eles povoaram meus sonhos, minhas caminhadas, meus deslumbramentos.

Decepções? Poucas, na verdade. As maiores foram, sem dúvida, os chamados livros sagrados: a Bíblia e o Corão. Porque, mesmo os que tinham uma visão soturna da sociedade, mesmo os que se infiltravam na minha mente para tentar impor conservadorismos e quejandos, mesmos esses tiveram seu momento, abriram meus olhos. Para exemplificar uma decepção menor, o grande Saramago: fiquei pensando por que um ateu, como ele, se prestou a escrever uma bobagem como o Evangelho segundo Jesus Cristo? Queria o quê? Convencer-nos de que o Cristo é humano? Isso é dar lenha para a fogueira papista. Consegui, a duras penas, chegar à página cem. E aí empaquei. Joguei para o lado. Mas não dispenso outras tentativas com o português, não.

Enfim, ler de tudo, sempre. Porque ler é representar para nós mesmos todos os papéis que o imenso teatro da vida nos propõe. Não há, efetivamente, melhor função para nosso cérebro que viajar através dos mundos que povoam as páginas dos livros.



1.6.2007

(Ilustração: Adrien Jean Le Mayeur de Merprès - 1880 – 1958;  

Belgian painter who lived in Bali)


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