5 de nov. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 11





(são paulo antiga - palacete prates)


busca o olho
enxergar o todo
busca o olho
enxergar um olho que olhe para dentro de si

4 de nov. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 10





(são paulo antigo - igreja da sé)


para que pregar o fim do mundo
por que não pregar o fim do mundo
para quem pregar o fim do mundo
quando não pregar o fim do mundo
onde pregar o fim do mundo

basta olhar que o fim do mundo está ali no bueiro imundo

3 de nov. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 9





(são paulo antiga - estação da luz)




o sol atrás do prédio
a chuva em cima do lombo
a poça na rua reflete
um estranho anoitecer

2 de nov. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 8


(são paulo antiga - praça da sé)



no chão espalhados
sobre sujo pano rubro
os olhos pretos de espera
e tudo se fecha de repente
quando chega o soldado amarelo

1 de nov. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 7


(são paulo antiga - largo da sé)



no centro o povo
no povo a vida
na vida o sonho
no sonho a rosa
a olhar espantada
cada perna que passa
e não volta

31 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 6




(são paulo antiga - ladeira porto geral)



quebra o ângulo da rua
em avenida tornada
descendo a ladeira lotada
o salto trêfego que leva
a bela executiva
a deixar atrás de si
pedaços de olhos e mentes

29 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 5


(são paulo antiga - viaduto santa ifigênia e 
edifício martinelli - foto de guazzelli)



sobe o olho ao topo
do arranha-céu
e morre no azul escuro do céu

28 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 4




entre tantas caras
um olho
entre tantos olhos
uma cara
e o olho sai
da letra do jornal
para a letra morta
de um olho no olho
raio apenas
que some ao apito da porta do metrô

27 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 3


(tarsila do amaral)


na rua
a pressa
na rua
o passo
na rua
a moça
na rua
a poça
na rua
a lua




26 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 2





na escada rolante do metrô
pernas pernas pernas
grossas finas tortas de meia sem meia
nuas negras brancas sem cor
na escada rolante do metrô
uma bolsa amarela roça uma perna
e a escada negra do metrô
rola uma perna amarela
para o sol

25 de out. de 2009

COTIDIANO CENTRAL PAULISTANO - 1


(são paulo - mesa de bar)






tem dias que a gente devia
poder acordar bem tarde

tem dias que a gente
devia poder não fazer a barba

tem dias que
a gente devia não precisar tomar banho

tem dias
que a gente devia poder colocar apenas uma velha calça jeans

tem
dias que gente devia poder apenas sentar num bar
daqueles bem sujos
e beber
beber cerveja até ficar
tão
bêbado
de ver o
mundo como ele devia ser





24 de out. de 2009

cu de papa




quem papa o cu do papa:

é papador de cu de papa

ou papacu?


e quando o papa prega?

prega com a prega do cu

ou pega a prega do cu para pregar?


quem papa o cu do papa

papa a papinha do poder

e pode foder com o papa e o povo?


ah! papadores papais:

não papeis todo o papado

pois pelo cu do papa

passa pecado e passa o passado:

o pecado pede perdão,

mas passado só pede mesmo

pesada pena e um pau poderoso

posto bem lá no fundo

no fundo do cu do papa!

23 de out. de 2009

TENGO PALOMAS NEGRAS EM MI CORAZÓN


(Lucien Freud)


Tengo palomas negras en mi corazón
Já não choro por ti, minha triste sombra,
Renego ao mundo o quanto vivi
Vou pelo caminho em busca de ti
Mas não creio em vidas que perdi
Sei apenas que há penas que valem
Não palavras de inúteis canções.

Já não choro por ti, minha triste sombra,
Porque guardo palomas negras en mi corazón.

Mentiste quanto pudeste
E deixaste em meu peito o canto derradeiro
Embora matando-me não quiseste
Que fosse eu teu companheiro
Aquele que te daria mel e veneno
A cada curva do caminho.

Ah, teu carinho, não o quero mais,
Sigo sereno levando comigo
Palomas negras em mi corazón.


7 de set. de 2009

poemas da guerra - 8


8. 

uma cidade



dos longes idos de minha infância em transe recordo

um maço vazio de cigarros num canto de rua:

minaretes e torres traziam oásis de sonho

de uma cidade encantada,

ah! ali onde

aladim e o mágico da lâmpada se estranham

em escuras cavernas escondidas na rocha,

bem ali, onde,

contra as nuvens um tapete arremete,

e esquece sherazade sua última história,

sim, ali, cidade encantada, onde,

no ar, sibila uma adaga,

no templo, um canto se alonga,

na feira, entre gritos e véus o espanto

de dois olhos de safira refletem

outra safira a brilhar,

na esquina furtiva, um beijo deixa-se roubar,

no palácio encantado, entrega-se uma virgem a chorar,

eunucos felizes no harém a vigiar,

e do canto da rua inocente

um maço de cigarros de marca

Bagdá,

um maço vazio de cigarros de marca

Bagdá,

enchem de sonhos os meus olhos

de Bagdá,

e chora mansinho meu coração

de Bagdá,

quando em silêncio da televisão

de Bagdá

o primeiro míssil detona atrás do minarete

do maço vazio de cigarros da marca

Bagdá.






6 de set. de 2009

poemas da guerra - 7

7. 

nem sempre vencer é ganhar



cristão-novo sob o sol de Maomé,

chora de joelhos o teu inimigo,

oh! america de todas as armas!


desenha na areia a tez de teu inimigo

angústias e ranhuras de balas,

oh! america de todas as certezas!


dobra o orgulho no aço retorcido

de suas casas e palácios o inimigo teu,

oh! america de todos os trovões!


de joelhos na areia ou dobrado em meio aos escombros,

o corpo verga e concorda,

os olhos choram e temem,

as mãos tremem e pedem,

os pés estacam e enrijecem,

diante de ti, oh! america de todos os pavores!


mas (e há sempre essa dobra no ar pesado!)

não se ajoelham,

não se vergam,

não temem nem tremem,

não pedem nem estacam,

diante de ti, oh! america de todas as esutpidezes,

apenas enrijecem

as livres mentes de teus prisioneiros.



(Delacroix)

5 de set. de 2009

poemas da guerra - 6

6. 

mísseis



quanto custa um míssil,

mister Bush?

quando vale o seu míssil,

mister Bush?

qual o poder de seu míssil,

mister Bush?

quantos mísseis você tem,

mister Bush?


você pode, sim, mister Bush,

dizer a todos

quanto custa o seu míssil, mister Bush,

você pode, sim,

dizer a todos

qual o poder de seu míssil, mister Bush,

você pode dizer, sim,

quanto vale o seu míssil de estimação, mister Bush,

e você pode gritar a cada canto

quantos mísseis você tem, mister Bush...


você pode tudo, mister Bush,

só não pode me dizer e não pode dizer a ninguém

quantas viúvas,

quantos órfãos,

quantos desesperados

pode fazer um só,

só um,

um único de seus mísseis,

mister Bush!



(Picasso - Guernica)

4 de set. de 2009

poemas da guerra - 5


5. 

quando



quando a américa recebe

os sacos negros com os corpos

de seus heróis...


quando a américa chora

por sobre os sacos negros com os corpos

de seus heróis...


quando a américa desespera

a morte negra em casulos despejados

de container de navios...


quando, ah! quando a américa chora,

turvam-se seus olhos

para a viúva que ficou além-mar,

para a mãe que não tem mais o que chorar,

para o irmão sem rumo em busca de outro irmão,

para o pai que enterra mais um filho...


enquanto a américa chora,

quantas vidas por viver

traz consigo

cada casulo negro que chega?

(Van Gogh)

3 de set. de 2009

poemas da guerra - 4

4. 

garis


onde estão os garis para limpar a sujeira do mundo?


onde estão os garis e seus uniformes impecáveis

para limpar a sujeira do mundo?


onde estão os garis para juntarem num só monturo

os pequenos cadáveres do futuro interrompido?




(Jahan Ara Rafi)


2 de set. de 2009

poemas da guerra - 3

3. 

não adianta



não adianta o protesto rude na porta da casa:

há somente a loucura de um homem consigo mesmo


não adianta o grito das massas na rua do centro:

há somente a alienação de um homem com seus pesadelos


não adianta a bandeira queimada na esquina do mundo:

há somente o silêncio dos corpos empilhados




(Goya - três de maio)

1 de set. de 2009

poemas da guerra - 2

2. 

mais nada a dizer




ah! o silêncio das bombas em casas distantes

ah! o longo silêncio dos mísseis perdidos

ah! o estranho silêncio dos loucos que habitam casas brancas

ah! o silêncio daqueles que não têm mais nada a dizer





(Munch)