27 de ago. de 2025

cheiros da infância

 



sinto falta do cheiro de mato

sinto falta do cheiro do grupo escolar



sinto falta do cheiro de terra

quando cai de repente a chuva de verão



sinto falta do cheiro de café

quando escorre pelo coador de pano a água fervente



sinto falta do cheiro de fumaça

do fogão a lenha de minha mãe



sinto falta do cheiro do colchão de palha

que envolvia meus sonhos nas frias noites de lua nova



sinto falta do cheiro da manga-rosa

que o sabiá bicava e derrubava



sinto falta do cheiro das flores do manacá

que plantou um dia a minha avó no quintal lá de casa



[a avó de alvo rosto severo que não conheci]



sinto falta do cheiro do cigarro de palha de meu avô

o fumo negro em suas mãos negras cuidadosamente picado e enrolado



[o avô que uma tosse renitente obrigou a deixar de fumar aos 70 anos]



sinto cheiro do milho verde cozido em panela de ferro

- o milho que virou fubá no moinho do tempo



mas de tantos cheiros da infância

que povoam minhas lembranças

há um cheiro que me abala

há um cheiro que entontece meus sentidos

muito mais que todos os demais

- o cheiro dos braços e abraços de minha mãe





27.5.2025

(Ilustração: Amedeo Modigliani - maternité)

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