19 de mar. de 2021

suplícios

 



jogar-se ao desamparo dos precipícios

apertar cada vez mais forte os cilícios



deixar que se queimem todas as pontes

assistir sem nada fazer ao secar das fontes



marcar o passo na areia quente do deserto

pensar que a vida pertence ao mais esperto



esconder-se do vento depois de beijar a lona

parir nos becos sujos como cadela sem dona



consertar as horas loucas com luvas de borracha

esperar o escarro e a palavra que te escracha



pensar no passado como o tempo da inocência

buscar no poema sem eira nem beira a coerência



atar o passo do pobre à marcha da nobreza

sonhar que os estúpidos criem alguma beleza



são todos esses e cada um o teu suplício e o teu precipício

que se renovam a cada segundo em um eterno reinício




28.12.2020

(Ilustração: Zdzisław Beksiński) 

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