22 de nov. de 2024

quando solto meus poemas

 


os poemas que existem presos dentro de mim

não os solto senão depois de verificar muito bem suas intenções

que não tenham a doce malícia de traficantes

que não tenham a vergonha escarnecedora de melífluas virgens

sejam principalmente sinceros em seus poéticos fingimentos

sejam pouco arrogantes em propagar suas verdades

saibam tocar as teclas de minha sensibilidade

com mãos de mulher que nos acolhe com tesão

 

solto-os - aos meus poemas - como aves

em busca de ninhos entocados dentro de nuvens de chuva

que suas penas voem com o vento

que seu canto se perca nos mares

não importa

que sejam eles o meu guia no nevoeiro da vida

ainda que suas metáforas desafiem meu gosto

 

posso entendê-los como filhos que correm o mundo

e mandam de vez em quando uma mensagem numa garrafa

uma mensagem que talvez nunca chegue a seu destino

porque anseia por marés de plenilúnio em portos ignotos

 

aves de canto breve ou de longos trinados

meus poemas marcam como pegadas de suçuarana

a minha caminhada sobre as areias movediças desse mundo

se os solto sem que tenham bem claras suas intenções

pesarão sobre mim suas asas malformadas

e como Orfeu na barca de Creonte

não poderei jamais ouvir de novo o canto de minha Eurídice

nem sonhar com desencontros inusitados nos jardins de outrora


 

11.7.2023

(Ilustração: Claude Monet)



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