que não se estranhe o penumbrismo de meus versos
a culpa de visões desagradáveis
[na verdade realidades desagradáveis]
está no mundo em que vivo
no mundo em que vivemos todos
violência – esse o paradigma do ser humano
violência que se normatiza
desde o beco escuro da maldade pessoal
[assassínios, feminicídios, latrocínios e um imenso etc.]
até a ponta do míssil teleguiado que erra a trajetória
e mata com gélida indiferença – de quem o lançou –
o presente de adultos e velhos
o futuro de crianças e jovens
não há sol
não há luz
não há dó
ou lástima
ou comiseração
ou que outra coisa queiramos chamar
nos olhos dos que se sentam nos tronos do poder
o céu negro da ganância
recobre – grossa e invisível camada de fuligem –
os tapetes macios dos escritórios envidraçados
onde os tronos são giratórias poltronas de executivos
como giratórias são as armas que eles comandam
o presidente
o primeiro-ministro
o ditador de plantão
o chefete tribal
o líder religioso
todos eles se solidarizam
com o penumbrismo da dor
todos eles olham o mundo
e veem auroras boreais
apenas auroras boreais
coloridas e belas auroras boreais
formadas com as fagulhas multicores
das bombas que lhes dão poder
jogam todos eles entre si
[bebericando uísque e vinhos finos]
com corpos destroçados
o xadrez da mais valia
e cada morto conta
conta muitos dólares
na sua conta bancária
se há penumbrismo nos meus versos
que se calem os monstros
que se antolhem os generais
que se acorrentem os senhores da guerra
que se fechem atrás das grades
todos os assassinos
todos os violentadores
todos os torturadores
todos os poluidores
todos os desmatadores
todos os lambedores de ouro
todos os bebedores de petróleo
todos os pregadores do apocalipse
todos os negacionistas do clima
todos os patrocinadores da violência
e então – da penumbra de meus versos
[agora só a penumbra do final de uma tarde de verão]
hão de brotar os arco-íris
hão de dançar sobre a terra
as verdadeiras auroras boreais
e eu – eu poeta perdido entre as cores boreais
não mais como o corvo em seus umbrais –
eu calarei os meus versos penumbristas
eu os calarei para nunca mais
16.3.2025
(Ilustração; Kirt Harmon - Northen Lights)
Nenhum comentário:
Postar um comentário