22 de jul. de 2025

auroras boreais

 



que não se estranhe o penumbrismo de meus versos

a culpa de visões desagradáveis

[na verdade realidades desagradáveis]

está no mundo em que vivo

no mundo em que vivemos todos



violência – esse o paradigma do ser humano

violência que se normatiza

desde o beco escuro da maldade pessoal

[assassínios, feminicídios, latrocínios e um imenso etc.]

até a ponta do míssil teleguiado que erra a trajetória

e mata com gélida indiferença – de quem o lançou –

o presente de adultos e velhos

o futuro de crianças e jovens



não há sol

não há luz

não há dó

ou lástima

ou comiseração

ou que outra coisa queiramos chamar

nos olhos dos que se sentam nos tronos do poder



o céu negro da ganância

recobre – grossa e invisível camada de fuligem –

os tapetes macios dos escritórios envidraçados

onde os tronos são giratórias poltronas de executivos

como giratórias são as armas que eles comandam



o presidente

o primeiro-ministro

o ditador de plantão

o chefete tribal

o líder religioso

todos eles se solidarizam

com o penumbrismo da dor

todos eles olham o mundo

e veem auroras boreais

apenas auroras boreais

coloridas e belas auroras boreais

formadas com as fagulhas multicores

das bombas que lhes dão poder



jogam todos eles entre si

[bebericando uísque e vinhos finos]

com corpos destroçados

o xadrez da mais valia

e cada morto conta

conta muitos dólares

na sua conta bancária



se há penumbrismo nos meus versos

que se calem os monstros

que se antolhem os generais

que se acorrentem os senhores da guerra

que se fechem atrás das grades

todos os assassinos

todos os violentadores

todos os torturadores

todos os poluidores

todos os desmatadores

todos os lambedores de ouro

todos os bebedores de petróleo

todos os pregadores do apocalipse

todos os negacionistas do clima

todos os patrocinadores da violência



e então – da penumbra de meus versos

[agora só a penumbra do final de uma tarde de verão]

hão de brotar os arco-íris

hão de dançar sobre a terra

as verdadeiras auroras boreais

e eu – eu poeta perdido entre as cores boreais

não mais como o corvo em seus umbrais –

eu calarei os meus versos penumbristas

eu os calarei para nunca mais





16.3.2025

(Ilustração; Kirt Harmon - Northen Lights)









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