19 de jul. de 2025
caos de esperança
o caos que acaso exista em ti
comungue com o caos que existe em mim
para que construamos mundos novos
para que imaginemos outras soluções
o mundo em que hoje vivemos queima
nos fornos da inconsciência dos capitalistas
é preciso um novo caos
um caos sem nenhum pecado original
replantado numa floresta virgem
de mentes que não mais queiram os velhos paradigmas
não há conserto na panela velha
em que cozinharam nossos sonhos
temos que construir do barro que brotar dos dilúvios
os vasos encantados de novas ilusões
nesses vasos de caos e encantos
a flor vermelha de nossos novos sonhos
guiará os passos da nova humanidade
para a estrela do amanhecer de um mundo sem guerras
nossa bandeira terá o branco do olho de todos os pássaros
nossas armas serão apenas as pás dos moinhos de vento
com o trigo da terra sem sangue assaremos nosso pão
com a luz do caos enfim surgida iluminaremos nossas palhoças
e viveremos do que nos dá a força de nossos braços
como seres humanos que respeitam toda forma de vida
como seres humanos que respeitam a terra e tudo o que há sobre ela
como seres humanos que respeitam a si mesmos
sem mordaças de leis
sem mordaças de reis
sem mordaças de deuses
livres no caos de cada um e irmanados no caos nosso de cada dia
10.9.2024
(Ilustração: Zygmunt Zaradkiewicz)
Você pode ouvir esse texto na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, nestes endereços:
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13 de jul. de 2025
assim componho meus poemas
porque não sei música componho poemas
mas não escrevo poemas como quem compõe sinfonias ou qualquer outro gênero musical
apenas disponho palavras umas ao lado das outras
e às vezes elas soam aos meus ouvidos como poemas
e às vezes elas soam aos meus ouvidos como canções ou sinfonias
embora possam não fazer muito sentido quando lidas assim sem qualquer cuidado
meus poemas também não podem ser chamados de biscoitos finos
que nem no forno de meu cérebro ficam por muito tempo
para terem duplo cozimento
aliás nem os cozo – apenas os coso
tendo por linha um fio de memória
e por agulha as palavras que furam o branco da tela de computador
que nem sempre é branca e nem sempre uso o computador
não importa
o que importa é que eles – os poemas – muitas vezes trazem em suas entrelinhas
aquilo que está preso na minha garganta
o grito de angústia de meu tempo e o grito de angústia de todos os poetas
não há sofrimento nesse grito
apenas a constatação de que é preciso gritar
porque mais que canções ou palavras dispostas numa página qualquer
o grito do poeta precisa sair pelos ares poluídos
ainda que não seja ouvido
ainda que não seja seguido
acredito que a humanidade não consegue viver sem esse grito rouco
sem esse grito louco
que salta pelos muros e rompe as cercas para dizer
que somos nós os seres humanos que fazemos nosso destino
que construímos nossos caminhos somente quando caminhamos
e gritamos
e o grito sempre precede nossos passos
para avisar aos canalhas todos do mundo que não nos entregamos
que estamos vivos e de olhos bem abertos
para gritar e caminhar sobre as sombras de suas canalhices
e para isso é que compomos poemas nas páginas brancas
e muitos outros compõem protestos tortos nas linhas retas dos pentagramas
que não ouçam ou que não leiam
nossos poemas e nossas canções
não importa
eles sabem que existimos e isso só já é suficiente para nosso grito
1.10.2021
(Ilustração: Henri Félix Philippoteaux - Lamartine in front of the Town Hall of Paris rejects the red flag; 25.2.1848)
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poema - assim componho meus poemas
11 de jul. de 2025
as velhas
depois dos oitenta as velhas
quando gozam
soltam de entre as pernas
maritacas gritadeiras
que não se calam
no meio das nuvens
no meio da tarde
não recordam as velhas
depois dos oitenta
os gritos de zombarias
nem estrondos de curtos-circuitos
sabem muito bem
que houve rosários de lágrimas
e sermões
enviesados de senões
provindos dos púlpitos podres
a recortar em pétalas
de rosas vermelhas
cada gozo
que um dia não se mascarara
seus espantos se espalham
agora
pelas nuvens de lençóis rompidos
e mal cerzidos
mundo afora
na espera do que nunca virá
mas são doces os olhos
das velhas de mais de oitenta
olhos que se esbugalham
quando gozam
sessenta e tantos anos depois
de leitos desfeitos
por machos imperfeitos
navegaram por demais
pelas ondas falsas
de falsas seitas
sofrendo como virgens desfeitas
na barra de velhos altares
e as velhas que eram direitas
assumem de vez seus direitos
lançam aos ares
contra todos os lares
até mesmo pelos bares
por todos os leitos
gozos não mais contrafeitos
gozos agora libertos
gritos de maritacas
pelos ares despertos
não mais de bruacas
[esse apelido tão chulo]
na tarde que arde
saíram do casulo
e encaram toda as tretas
- são as novas borboletas
a voar
sem medo de gozar
13.2.2025
(Ilustração: Ada Breedveld)
7 de jul. de 2025
aniversário (inevitável)
permaneço apenas
enquanto a vida percorre serena
o coração dos jovens
já fui jovem e sei o que a vida devia ser
de futuro e de sonhos mal esboçados na ânsia de viver
de viver apenas sem olhar para trás
hoje que apenas permaneço
o olhar para frente embaça num muro de pedras feias
e o olhar para trás não traz mais do que o rijo desejo
de não ter vivido tanto para contar o incontável
assim – já que o aniversário é inevitável
prescrevo para mim mesmo o silêncio
e o olhar sem brilho dos que nada mais devem à vida
e espero apenas que ela – a vida – seja daqui para a
frente
um dia depois de uma noite de cada vez
(o resto é silêncio – mas isso já o disse Shakespeare)
4.1.2022
(Ilustração de autoria não identificada)
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poema - aniversário (inevitável)
4 de jul. de 2025
amores vítreos
esplende a lua cheia
senhora dos sonhos dos amantes
inspiram os seus raios hialinos
beijos de paixão e votos de amor eterno
em cada toca em cada leito
onde se enlaçam os braços em abraços
onde se encaixam as bocas com bocas
dos amantes apaixonados
nada sabe a lua cheia
com seus raios hialinos
de desertos e desertores
promove apenas os suspiros
dessas paixões esfogueadas
nada sabe a lua cheia
e seus raios hialinos
de adeuses ou dissabores
não sabe a lua cheia
que entre os braços e abraços dos amantes
aninham-se cansaços desertores
esplende a lua cheia
cheia de si e de seus amores
mas seus raios hialinos
logo em lua nova se transformam
não sabe a lua cheia
agora em lua nova transformada
que assim como seus raios
que eram vidro e se quebraram
e na noite negra se dissiparam
também pelo negrume da noite nova
desertaram todos os amantes
que sonhavam à luz da lua cheia
quando a paixão foi posta à prova
3.4.2025
(Ilustração: escultura de Bernini- Prosérpina)
1 de jul. de 2025
amores redivivos
os amores do passado
não ficam no passado
quando parece que deles não nos lembramos mais
esquecemos – oh! ingênuos – que os enterramos em covas rasas
julgando que fossem – esses amores – defuntos normais
mas eles lá ficaram como adormecidas brasas
brasas que a qualquer sopro vão de novo nos queimar
brasas que vão subir em labaredas a qualquer vento
e tirar de novo do nosso peito todo o ar
não importa quanto tenha passado de tempo
não importa quanto deles nos tenhamos esquecido
– há sempre uma pontinha de não esquecimento
num gesto que nos afronta ou num beijo prometido
e lá se vão pensamentos e imaginação com novas asas
a fazer-nos sofrer de novo aquilo que foi tão sofrido
ah! os amores do passado
não queríamos tê-los lembrado
mas são agulhas no nosso peito enterradas
de novo remexidas e de novo cutucadas
um só ensejo de alegria nos trazem esses amores redivivos
– se doem – e doem muito – provam no entanto que estamos vivos
1.5.2025
(Ilustração: Leonid Afremov - Kiss on the Bench)
28 de jun. de 2025
abraço fatal
para o passo
à beira do abismo
espera uma asa
redentora
- não há espanto
desprezível
apenas o verso
no final do soneto
- não há desejo
na pele nua
apenas o sangue
respingado
no muro caiado
- não há lágrima
nos olhos acesos
apenas o grito
que não ecoa
o passo suspenso
na véspera do abismo
espera a palavra final
espera o pedido
que não vem
suspenso o passo
antes do salto
e se não há asas
que voejem
o abismo abre os braços
para o abraço fatal
16.8.2024
(Ilustração: Zdzisław Beksiński)
25 de jun. de 2025
a mortalha
que se recolham os trapos
de todas as bandeiras
que nos campos de batalha
se estraçalharam
ao longo dos tempos
com esses trapos nauseabundos
construa-se uma imensa mortalha
que envolva os sonhos perdidos
na insensatez das guerras
mas há tantas vidas perdidas
a serem cobertas
por essa mortalha
que nunca os trapos juntados
cobrirão essas vidas todas
– ainda que seja um pedaço de cada corpo –
– ainda que seja um pequeno sonho destruído -
então que os milhares e milhares de artesãos
que a esse insano trabalho se lancem
fechem narizes
esqueçam pudores
e tenham a suprema coragem
de unir aos panos sujos de sangue
a pele – ainda que esturricada –
dos milhões que morreram
pela vontade estúpida
de reis e governantes
guiados apenas pela busca
de vitórias tão falsas e absurdas
quanto todas as batalhas
que promoveram
ao longo dos séculos
assim completando a mortalha
essa imensa mortalha
de angústia e dor
e agora o desejo supremo
– que o sangue derramado ao longo da história
não consagre jamais nenhuma vitória
testemunhe apenas a derrota da racionalidade
que devia orientar as ações da humanidade
7.6.2024
(Ilustração: Hiroshima Peace Memorial Museum - Onogi Akira)
22 de jun. de 2025
A arte
Os ditadores morrem
- a arte fica.
Os imbecis viram pó
- a arte fica.
Tolos e ignorantes pisoteiam a pintura.
Estúpidos donos do mundo rasgam a poesia.
Parvos e surdos aos pássaros prendem os compositores.
Os de mentes de muletas atropelam os dançarinos.
Os que vomitam bile e sangue fecham os teatros.
Por quê? Porque os artistas dizem o que eles
- os ignorantes, os ditadores, os donos da consciência humana –
não querem ver, não querem ouvir, não querem saber.
Inútil: os artistas sobem às nuvens e beijam os pássaros.
Os poetas gargalham e seus versos flutuam
por mares nunca dantes navegados
enquanto os estúpidos se afogam no oceano da própria merda.
Aos pés das pirâmides ou sob os arcos dos desmandos,
atores e atrizes rasgam as roupas de palhaços
e sua nudez acende os sóis de todas as galáxias.
O pintor pinta a origem do mundo no ventre da amada
e expõe ao escárnio o grito dos conservadores.
Flautas, flautins, pianos, violinos e violas, violoncelos
e toda a orquestra geme e se ergue ao gesto do maestro
para se imiscuir nos ouvidos dos surdos aos pássaros.
Liberdade é o grito da arte, de todas as artes.
Onde haja um olho que ainda enxerga,
um ouvido que ainda ouça,
um braço que se erga e resista,
uns pés que pisoteiem o chão duro,
uma voz que encarne um poema
e mãos que aplaudam e toquem as nuvens,
aí estará o artista,
para jogar a última pá de terra
no túmulo dos ditadores;
aí estará a arte,
para irritar os tolos conservadores
que odeiam a arte, todas as artes,
porque – meus amigos e amigas –
a arte, ah arte!
A arte liberta!
27.3.2024
(Ilustração: Sandro Botticelli: retrato de Dante)
16 de jun. de 2025
voo noturno
espero o sono vir
espero e vou dormir
mas o sono não vem
e o tédio me retém
rolo na cama
a cama é chama
então estremeço
enfim adormeço
no meu sonho
vou tristonho
pela madrugada
em busca do nada
será mesmo sonho?
ou só desencanto
ou só esse espanto
de poder voar?
(mal posso esperar)
26.1.2024
(Ilustração: Cícero Dias, 1933)
10 de jun. de 2025
volta ao tempo
onde ficou o meu passado
é o que às vezes me pergunto
ah! ficou lá atrás dependurado
no galho de uma jabuticabeira
como está o meu presente
é o que às vezes me pergunto
ah! não estou nada contente
neste lugar chamado pindaíba
como será o meu futuro
é o que às vezes me pergunto
ah! não, nesta canoa tem um furo
nela entra a maré que me afoga
com isso volto ao tempo que me maltrata
e tento dar um pé na bunda desta vida ingrata
16.10.2024
(Ilustração: Simona Mereu - in my mind)
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