1 de jun. de 2025

viagem ao tempo adolescente

 





acompanho minha memória

que voa por sobre montanhas

e segue o vento que espalha perfumes

pelas terras férteis de cafeeiros



o espanto de lembrar é meu guia

nessa viagem ao tempo adolescente

quando as águas que ainda correm

molhava os pés rachados que pisavam

as pedras brancas dos riachos

e marcava a areia dos caminhos solitários



talvez naquele tempo houvesse

apenas um leve sentimento de felicidade

marcada – a felicidade – pela folha caída

da mangueira ainda sem frutos



a esperança nascia no galho da jabuticabeira

e o bico do bem-te-vi pousava-a gentilmente

no ninho dos meus olhos

ao cair da luz de um dia sem sustos



assim ainda sonha minha memória

levada pelo vento para um tempo sem consciência

de que o mundo – esse triste e velho mundo –

mastiga sem dó cada sonho

que nasce nas águas do riacho que desce

do alto da montanha e rola as pedras brancas

até fiquem redondas



e então o jovem que sonhava descobre

que os sonhos não se arredondam nunca

e deixam na carne o sinal de suas arestas

– e agora quando enfim desperto

sinto apenas as escaras das cicatrizes indeléveis



26.2.2025

(Ilustração: Yoran Cazac)



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