12 de jan. de 2018

insensibilidade







o mundo em pé de guerra e o poeta pensa na amada

faz versos de amor e paixão pelos seus olhos e seios

e pensam todos será o poeta assim tão desalmado e insensível

que não vê aquela mulher afegã destroçada pela bomba

que saiu do peito do menino islâmico faminto por virgens celestiais



no mundo a fome mata milhões de pessoas

e o poeta escreve poemas sobre o tempo e os instantes de vida

nefelibatismo regado a aliterações e metáforas

e todos acham que o poeta é isso mesmo um caminhante

das nuvens e dos sonhos apenas um pássaro canoro

e não sabem que no peito do poeta pulsa o peito murcho

daquela mulher africana que tenta aleitar o filho já morto

na foto que roda o mundo e tira do papa palavras duras

contra o capitalismo na sua fala ao povo e depois que ele

o papa fala ao povo sobre as dores do mundo

senta-se à mesa farta e come apenas uma tâmara madura

molha os lábios no vinho que lhe servem na taça dourada

pensando nos pobres e famintos do mundo



terremotos e vulcões e enchentes e secas e tantas outras tragédias

assolam o mundo e os seres humanos por aí a fora

e o poeta se encanta com a flor do mandacaru que nasceu

no quintal da sua casa e tece loas à lua lenta que ilumina a cidade

porque não pode o poeta cantar misérias do mundo

alienado se torna aos olhos de todos um poeta romântico

digno apenas das antologias dos estudantes mais jovens

um ser voltado apenas às belezas desse mundo

e assim o poeta que se entristece e morre aos poucos

em cada poema que sangra em seus dedos tem apenas o desejo

da louca escapada dos ventos que sopram pelo mundo

e não trazem nunca nenhum alento para a vida

porque são ventos movidos a dólares e máquinas

a alimentar a sede e a fome que não existem na mesa

dos verdadeiros donos desse mundo cheio de tudo

que não seja o derradeiro suspiro dos capitalistas



22.12.2017


(Ilustração:Almeida Júnior -leitura) 

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