o mundo em pé de guerra e o poeta pensa na amada
faz versos de amor e paixão pelos seus olhos e seios
e pensam todos será o poeta assim tão desalmado e insensível
que não vê aquela mulher afegã destroçada pela bomba
que saiu do peito do menino islâmico faminto por virgens celestiais
no mundo a fome mata milhões de pessoas
e o poeta escreve poemas sobre o tempo e os instantes de vida
nefelibatismo regado a aliterações e metáforas
e todos acham que o poeta é isso mesmo um caminhante
das nuvens e dos sonhos apenas um pássaro canoro
e não sabem que no peito do poeta pulsa o peito murcho
daquela mulher africana que tenta aleitar o filho já morto
na foto que roda o mundo e tira do papa palavras duras
contra o capitalismo na sua fala ao povo e depois que ele
o papa fala ao povo sobre as dores do mundo
senta-se à mesa farta e come apenas uma tâmara madura
molha os lábios no vinho que lhe servem na taça dourada
pensando nos pobres e famintos do mundo
terremotos e vulcões e enchentes e secas e tantas outras tragédias
assolam o mundo e os seres humanos por aí a fora
e o poeta se encanta com a flor do mandacaru que nasceu
no quintal da sua casa e tece loas à lua lenta que ilumina a cidade
porque não pode o poeta cantar misérias do mundo
alienado se torna aos olhos de todos um poeta romântico
digno apenas das antologias dos estudantes mais jovens
um ser voltado apenas às belezas desse mundo
e assim o poeta que se entristece e morre aos poucos
em cada poema que sangra em seus dedos tem apenas o desejo
da louca escapada dos ventos que sopram pelo mundo
e não trazem nunca nenhum alento para a vida
porque são ventos movidos a dólares e máquinas
a alimentar a sede e a fome que não existem na mesa
dos verdadeiros donos desse mundo cheio de tudo
que não seja o derradeiro suspiro dos capitalistas
22.12.2017
(Ilustração:Almeida Júnior -leitura)
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