Voltam às aulas em revoadas as crianças, no quente fevereiro. A um pedido dos pais, afogados em compromissos, recolho em casa o Lucas e comprometo-me a levá-lo à escola, no primeiro dia de aulas. Tem cinco anos os Lucas. Mais alguns meses. E lá vamos nós, mãos dadas, trocando ideias pertinentes à sua idade, a seus gostos e brincadeiras. Rimos e caminhamos. Numa camaradagem comum entre avó e neto. Caminhamos. Mas o papo, de repente, esmorece. Seguimos por alguns instantes em silêncio, coisa rara em se tratando do Lucas, que papagueia sempre, língua solta, incomum para um garoto de sua idade. Fala sempre o tempo todo o Lucas. Mas, àquele sol de fevereiro, a caminho da escola, no primeiro dia de aula, Lucas se cala por instantes. Fica pensativo. Também me calo, respeitando seu silêncio meditativo e incomum. Mas não dura muito o silêncio do Lucas e ele o quebra dizendo para mim, nestes exatos termos, com esta ordem de palavras, um tanto inusitadas, mas é assim o meu neto palrador e correto nas suas palavras, tanto quanto pode ser correto um garoto de cinco anos. E Lucas me diz esta frase, saída sei lá de que profundas reflexões depois daqueles instantes de silêncio:
- Passou rápido o tempo, não é, vovô?
O tempo. Olho para ele. Num átimo, penso: que sabe tanto de tempo um garoto de cinco anos? Que sabe tanto da passagem do tempo o meu neto? Mas, sim. Ele sabe. Ele sabe e sente e percebe que, entre o final do ano letivo passado e o início deste, muito ele viveu, muitas coisas aconteceram. Idas e vindas à casa dos avós. Idas e vindas à casa das tias. Noites dormidas numa e noutra casa. Festas. Natal. Ano novo. Aniversários. Bolos. Brincadeiras. Passeios. Muito ele viveu. E o tempo, ah, o tempo: passou rápido, na sua engrenagem misteriosa. A clepsidra precisa ser virada, mas ele ainda não conhece essa metáfora do tempo. Só sabe de sua passagem. Só percebe sua fluidez e como deixa no seu caminho um longo e saudoso roteiro de vida, mesmo para um menino de cinco anos. Então, apenas olho para ele e concordo, sim, Lucas, o tempo passou. E seguimos os dois, de mãos dadas, rumo à escola, de novo rindo e conversando sobre as nossas banalidades, as banalidades normais entre um avô e um neto. Ah, o tempo! Deixemo-lo, deixemo-lo ir, passar, rápido como sempre, já que o não podemos segurar.
(Ilustração: Salvador Dali)
15.2.2017
(Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)
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