um dia de garoa sem garoa
desprendeu-se de um espigão na avenida paulista
um big bloco concreto
bem no meio do caminho
bem no meio da passagem das pessoas
lá ficou o blocão desprendido
que foi medido
e conferido
observado
e fotografado
chutado
e xingado
comentado
e elogiado
cuspido
e escarnecido
por bancários e banqueiros
por funcionários públicos e escriturários
gente pobre e gente rica
jogador de futebol e padre de batina preta
até o cãozinho da madame não se furtou
a um xixi rápido de perninha levantada
tudo inútil
no meio da passagem das pessoas o blocão concreto
o bloco concretão
até que alguém
talvez um prefeito
um alcaide cioso de sua cidade
um vereador querendo publicidade
um dono de banco preocupado com a passagem obstruída
impedindo o livre tráfico do seu dinheiro
sei lá quem
alguém
foi lá e empurrou não sem muito esforço e com a ajuda
de um trator
o danado do blocão concreto
para um canto da avenida
que não estorvasse o dia a dia da cidade
na avenida dos paulistas da garoa
a garoa sumiu
o corinthians ganhou o campeonato
o padre jogou fora a batina preta
os casarões foram demolidos
mais espigões foram erguidos
o povão empobreceu e depois enriqueceu
e tornou a empobrecer
e até mesmo se acostumou
ou mesmo nem viu ou nem mais percebeu
que lá ficara o blocão concreto
o bloco concretão
ao vento
à chuva
à poeira dos carros
à poluição dos fumantes
servindo de vez em quando de púlpito
para o pregador de bíblia na mão
e lá o blocão concreto
em seu canto todo quieto
sem nada nem ninguém
que o cobrisse ou cobrisse
suas vergonhas
de vez em quando alguém
chega até ele
limpa um pouco o seu limo
tira umas fotos
publica no jornal
reclama no facebook
que paulista não tem memória
e fica tudo por isso mesmo
o blocão
não sai do lugar
não fala
não tuge nem muge
ou se tuge e muge
ninguém vê
ninguém ouve
fica lá
mudo e surdo
cego e tonto
como um blocão concreto deve ser
para sempre
sempre
sempr
semp
sem
se
s
.
.
.
sem saída
24.10.2017
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