7 de nov. de 2017

o hospital é sylvia plath



(Valquíria Cavalcanti)







traduzo sylvia e piro

quero escrever assim quando crescer

mas não quero sofrer assim quando viver



salto no tempo da memória

para achar que deus é hospital

tão louca a vida e era ela a louca

maura lopes cançado



salto no tempo de outrora

para buscar meus encantamentos

e encontro apenas acasos

a flor murcha do mandacaru depois da chuva



por que lembrar o que não quero?

por que escrever apenas o que dita a razão?

por que seguir fantasmas e almas mortas?

por que fazer perguntas que já têm respostas?



lá em washington obama adoça seu café

com duas colheres de açúcar de cuba

acende um charuto presente de fidel

e diz que o mundo ficou melhor



142 crianças - talvez mais, muitas mais -

que estudavam numa escola do afeganistão

são recebidas pelas virgens do alcorão

no céu encomendado pelo talibã



agora ouço que uma criança acabou de morrer

em belo horizonte trancada ao sol dentro do carro

e o papa afirmou que cachorro tem alma e vai para o céu

as crianças do talibã ficaram ainda mais felizes



o mundo gira e meu cérebro repuxa de dor

não quero encontrar a sylvia nem a maura

quero gritar o meu quase desespero

sem precisar derramar lágrimas



salto de novo no tempo da história

e olho meus companheiros de outrora

os que sobreviveram e o outros tantos que morreram

e não há o que fazer quanto a isso



se ainda tenho estrada à frente

tomo consciência de que o caminho está mais lento

e em breve acaba - preciso calcular cada passo

e devo evitar as pedras e os espinhos



fugiram-se-me os encantos do recomeço

ficaram os encargos das pílulas e dos colírios

se abraço à noite meu travesseiro

é para evitar pesadelos e mau despertar



traduzo poetas que arrostaram o medo

e reviraram as vísceras

tenho deles apenas o estranhamento

de tentar viver o tempo que ainda me pertence


s.p./20 de dezembro de 2014.



(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no podcast cujo link é:

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