havia um relógio de parede na casa da minha tia
seu pêndulo monótono marcava os dias rápidos
da minha meninice
mas eu não sabia disso
na sala de móveis antigos
a mesa e as cadeiras compunham um cenário
de decadência e velhice
mas eu não sabia disso
o relógio de pêndulo monotonamente marcava
as horas fugazes da minha juventude
como um profeta de Poe sobre as sombras da noite
mas eu ainda não conhecia o Poe
o relógio da sala de jantar da casa velha da minha tia
marcava no seu monótono tiquetaquear
as horas felizes e fugazes da minha vida ali
mas eu nem desconfiava dessa fugacidade
as horas monótonas que o relógio de parede da casa da minha tia
marcavam no seu lento vai e vem
eram horas que não sabia que
iriam se acabar assim tão depressa
na janela da casa vizinha a minha amada não acendia a luz
e eu esperava inutilmente que as horas passassem
e as horas passaram tão fugazes como as fases da lua
mas eu nunca consegui saber nada disso
aquelas noites em que o relógio de parede da casa da minha tia
marcaram finalmente a meia noite eu só acordei
sessenta e dois anos depois
e mesmo hoje eu ainda nada sei da fugacidade do tempo
e só sei que um relógio de pêndulo da sala de jantar
da casa da minha tia foi um dia o movimento perpétuo
de um tempo que voou nas asas do corvo
espantado pelo toque da meia noite do relógio da casa da minha tia
voou do meu peito
voou da minha vida
ela a minha namorada que foi embora
não voltou jamais
e o tempo daquele relógio não volta
não volta mais
nunca mais
nunca
não
14.2.2017
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