(Paul Bond)
quando menino
gostava mesmo de subir em árvores e ficar lá em cima olhando a vida
a mangueira de frutos redondos e casca fina e cor de rosa
tão difícil seu tronco enorme seus galhos frondosos
a última fronteira
a última árvore do quintal a ser conquistada
a mais desejada
um dia a perna alcançou os galhos acima dos troncos
e os braços finos tiveram força para suspender o corpo franzino
e lá fui eu menino
a subir e subir a montanha verde até chegar ao acolhimento
alta
enorme
pujante
de seus galhos mais altos podia-se ver o mundo o meu mundo
acolhia meu corpo suas bifurcações caprichosas onde me sentava
e lá ficava por horas e horas contemplando o nada
foi no alto dessa mangueira de proporções tão grandes
que pendurei meus sonhos e meus anseios
no lugar de cada manga que colhia com minhas mãos
disputando com sabiás e bem-te-vis o privilégio
de colher os frutos mais tenros
meus sonhos e anseios ficaram lá
nem sabiás nem bem-te-vis ousaram bicá-los
no respeito mútuo do menino que um dia jurou
nunca mais usar o estilingue para matar passarinho
se os passarinhos não bicassem meus sonhos e anseios
pendurados na mangueira e apenas os levassem pelas estradas de minas
espalhando-os quem sabe por aí para nascerem e crescerem e frutificarem
como mangueiras à beira dos caminhos
os passarinhos tanto cumpriram o que prometeram
que meus sonhos e anseios
levados por seu canto e suas asas
espalharam-se pelas estradas do mundo como sementes ao vento
e foi por causa do vento e mais que o vento as tempestades
com que o menino não contava que havia no mundo
que esses sonhos tanto se espalharam que ficaram todos
pelos caminhos do mundo ao sol à chuva aos ventos aos raios
e os sonhos e anseios que deviam ter frutificado
pelas minhas estradas e pelos meus caminhos escolhidos
mal brotaram e logo se estiolaram cobertos todos pela erva daninha
sobrevivente crestada ao longo dos caminhos de meninos
que um dia penduraram sonhos em seus galhos a mangueira
não o podia imaginar o menino tão forte e tão pujante
não sobreviveria à sanha de machados de lâminas de ouro
30.10.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário