3 de dez. de 2017

tempo sujo








era um tempo tão sujo

de dias tão cheios de lixo

de bueiros tão entupidos

de cheiros tão nauseabundos

que restos de sujeira permaneceram no ar muito tempo depois

ainda estão por aí a sujar nossos passos quando andamos pelas ruas

a ferir nossos narizes quando tentamos aspirar um ar mais puro



era um tempo tão sujo

de ações tão monstruosas

de ratos saindo dos esgotos

de águas fétidas e paradas

que ainda hoje há quem sinta no ar aquele mesmo cheiro pútrido

que ainda há quem pense que pisamos em calçadas enlameadas

o vento que sopra dos mares ainda tem o mesmo cheiro de peixe podre



sim foi um tempo muito sujo

de botas de merda na garganta

de cabrestos e arreios e esporas

quando o calar-se era tudo

e esse tempo deixou marcas em alimárias que alimentam o medo

e esse tempo arrancou peles que ficaram pelos caminhos desnudos

e esse tempo o tempo de tempestades não amainou as lembranças



se quero portanto um outro tempo

se queres construir uma nova estrada

se queremos enfim a esperança

deixem que as águas dos rios transbordem mais uma vez

fazei que as marés invadam as praias e tomem as escadas dos palácios

protestemos contra o peixe podre que querem fazer que engulamos





se quereis enfim dias de sol

estenderemos os lençóis manchados de sangue nas sacadas e quintais

arrancarei com os dentes as ervas daninhas que crescem nos jardins

carpireis as dores e as gramíneas para medrar do solo os girassóis



do tempo dos dias sujos

pretendamos o registro

de que fiquem no passado

mas não saiam da lembrança

para que a chuva da primavera

faça crescer a força da luta

e que todo sangue daquele tempo derramado esteja em nossas veias

e renasçam no campo as raízes de mangueiras onde cantariam os sabiás





12.6.2017

(Ilustração: Kris Kuski)

Você pode ouvir este texto na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, num dos seguintes endereços:

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