era um tempo tão sujo
de dias tão cheios de lixo
de bueiros tão entupidos
de cheiros tão nauseabundos
que restos de sujeira permaneceram no ar muito tempo depois
ainda estão por aí a sujar nossos passos quando andamos pelas ruas
a ferir nossos narizes quando tentamos aspirar um ar mais puro
era um tempo tão sujo
de ações tão monstruosas
de ratos saindo dos esgotos
de águas fétidas e paradas
que ainda hoje há quem sinta no ar aquele mesmo cheiro pútrido
que ainda há quem pense que pisamos em calçadas enlameadas
o vento que sopra dos mares ainda tem o mesmo cheiro de peixe podre
sim foi um tempo muito sujo
de botas de merda na garganta
de cabrestos e arreios e esporas
quando o calar-se era tudo
e esse tempo deixou marcas em alimárias que alimentam o medo
e esse tempo arrancou peles que ficaram pelos caminhos desnudos
e esse tempo o tempo de tempestades não amainou as lembranças
se quero portanto um outro tempo
se queres construir uma nova estrada
se queremos enfim a esperança
deixem que as águas dos rios transbordem mais uma vez
fazei que as marés invadam as praias e tomem as escadas dos palácios
protestemos contra o peixe podre que querem fazer que engulamos
se quereis enfim dias de sol
estenderemos os lençóis manchados de sangue nas sacadas e quintais
arrancarei com os dentes as ervas daninhas que crescem nos jardins
carpireis as dores e as gramíneas para medrar do solo os girassóis
do tempo dos dias sujos
pretendamos o registro
de que fiquem no passado
mas não saiam da lembrança
para que a chuva da primavera
faça crescer a força da luta
e que todo sangue daquele tempo derramado esteja em nossas veias
e renasçam no campo as raízes de mangueiras onde cantariam os sabiás
12.6.2017
(Ilustração: Kris Kuski)
Você pode ouvir este texto na voz do autor, ISAIAS EDSON SIDNEY, num dos seguintes endereços:
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