13 de out. de 2011

BIBLIOTECA

(Balthus)




Sonho que estou numa imensa casa onde
nunca estive.
Passeio pelos salões ovais e subo escadas em espiral
que ligam andares sobre andares – todos vazios. Vazios e frios.
Corredores cambiantes conduzem meus passos
para a grande sala, a imensa e profunda sala
onde estariam todos os poetas,
onde estariam todos os escritores,
mas onde não estaria nenhum dos filósofos europeus.
Entrei com respeito e peito fremente,
um pé baixando lento após o outro, sem ruído, a respiração
suspensa, os olhos atentos, os ouvidos abertos, a boca seca, a pele eriçada.
E, lá dentro, admirando-me ainda de meu reflexo no chão de tábuas enceradas,
ouvi apenas o silêncio das longas estantes vazias.
Perplexo diante de mim, não posso voltar sobre meus passos:
não há rastros a seguir.
Dos antigos tomos e dos livros encardidos que lá devia haver
brotavam apenas ervas daninhas e as batidas ecoadas
de meu coração desavisado.
Sofridamente, despedi-me de mim naqueles velhos e inexistentes tomos
e caminhei ao longo dos labirintos de vazia inutilidade,
certo de que o mistério da vida ali estava, na voz
que jamais ouviria, dos desencavadores de cantos e contos
a que chamamos escritores. Subi a espiral de madeira e ferro,
alcancei a fria madrugada e olhei para o espaço estrelado:
um buraco negro refletia meus pensamentos. Então, eu soube,
naquele breve instante em que o universo se comprime,
que não devia nunca, nunca mais, descer de novo aquela escada,
que nunca, nunca mais ouviria a voz dos tomos que não havia,
dos livros que não havia na biblioteca,
naquela biblioteca do meu sonho de quando
eu era apenas e tão somente uma criança.








22.7.2011