31 de ago. de 2017

falopoema




(Jeff Faerber - uber-alice)





projeta-se o poema um falo ereto a expressar-se

cavalo de trote certo na planície clara

contrai-se no entanto na página em branco

emasculado e flácido carne podre apenas

aos urubus servida entre o brilho e a pegada



20.6.2017


29 de ago. de 2017

estrela





(Marie Bazin - le printemps)




quando se olha para o lado

e o grito explode na retina cansada;

quando se olha para cima

e a desesperança risca em voo cego o céu de abril;

quando de olha para baixo

e o que se vê é só o homem a naufragar em seus tormentos

num infernal dilúvio de ódio e mortes;

quando tudo parece perdido

e o homem está definitivamente atolado

em campos de batalha e medo;

quando, enfim, não há mais esperança nenhuma

no horizonte de nosso desespero,

e o grito

que queima as cordas vocais

ameaça romper entranhas e corações,

ouça Piazzola ou Villa, mergulhe em Beethoven,

viaje com Brahms e Bach

que uma estrela aparecerá

tênue e bela como um sol de abril

e o homem

mesmo em seu covil

- acuado o ódio em suas presas rubras -

parecerá estar queimando o seu tacape

e romperá uma quimera

do outono que nos assola

para qualquer nova primavera.


22.12.2014



28 de ago. de 2017

estiagem





 (Enio Maccazzola -LA SECHERESSE)




na monotonia das tardes de sábado

componho poemas monocórdicos e monótonos

o tempo como o vento a uivar lá fora

ao sol que não aquece a tarde de inverno

monotonia a ser quebrada apenas quando

quebro o verso e anuncio em mim a esperança



não chove



o dia passa e passa e outro dia vem inútil

o vento venta e a nuvem leva para o mar

o anseio em mim de tempos que não ouso

a espera a angústia a monotonia a vida



não chove



a secura do ar nas folhas das árvores murchas

o estranho passar de horas que não passam

desejos apenas escandidos em versos inúteis

das tardes de sábado em monotonia tornadas



não chove



a boca deseja pelo menos o viço de lábios distantes

as águas profundas de desejos agora impossíveis

fontes de amianto e plástico gotejam venenos

e o ar abafado da tarde monótona esfria o sábado



não chove



seco em mim a fonte lacrimal em versos tortos

o amor que não vem na apagada e seca tarde fria

deserto o peito brotam cactos e flores de vento

enquanto espero que a tarde monótona vire noite



não chove


12.8.2017


24 de ago. de 2017

ESCREVAMOS TODOS POEMAS DE AMOR




(Robin Cheers -  Writing It All Down)







Poetas, meus amigos e amigas,

escrevam, sim, versos de amor,

mesmo que sejam bobinhos,

mesmo que não tenham nenhum valor;

descrevam as brigas,

os amores perdidos, os espinhos

desse sentimento meio besta, que é amar;

não tenham vergonha do beijo

que nunca nos seus lábios vai pousar,

nem do intenso desejo

de estar ao lado da pessoa amada;

sim, meus amigos e amigas poetas,

pontuem da vida a estrada

com versos de paixões secretas,

com versos de amores loucos,

com versos que rompam o desafio

da rima pobre e do pé quebrado,

e tenham sempre ouvidos moucos

para os críticos de plantão;

sim, meus amigos e amigas poetas:

fibra por fibra bata o coração

no elogio da pessoa amada,

na saudade mais desesperada,

na paixão mais desenfreada...



porque, meus amigos e amigas,

prefiro esses versos derramados,

que muitos acham cheios de tolices,

a sermos todos obrigados

a ler diariamente idiotices,

xingamentos, ódios, preconceitos

que desfilam por aí, como pragas,

em textos de maus sujeitos

em convulsões desbragadas,

de maus bofes e maus jeitos,

a dizer mal do mundo e da vida,

como se fossem avatares

da guerra mais fratricida,

a queimar em seus altares

a ilusão mas sentida



se são tolos todos os poemas de amor,

sejamos todos, meus amigos e amigas, também

uns tolos a rimar bestamente amor e dor,

sem ligar para os outros, sem ligar para ninguém,

e escrevamos com sinceridade,

a alma compungida de saudade,

esses nossos tolos, muito tolos, poemas de amor,

que loucos somos todos e se não o somos

que se foda o mundo e seu rancor.


13.3.2013

(Você pode ouvir este poema, na voz do autor, neste link de podcast:

23 de ago. de 2017

doce de figo



(Foto da internet, sem identificação de autoria)





você não tem um amor

com quem dividir a cama?

- doce de figo com queijo

não substitui, mas consola




17.6.2015

21 de ago. de 2017

deuses mortos



(Salvador Dalí)





tudo o que vem de deus e seus asseclas

tem cheiro de rato morto



no porão da consciência humana

deus tece pesadelos para escravizar seus seguidores



não há janelas nem claraboias

que iluminem a mente de um deísta



cegos e idiotas são todos aqueles

que leem livros sagrados

e acreditam em suas palavras



não no inferno queimam os infiéis

mas nas ventas do deus vingador

que ergue espadas estúpidas

para degolar seus opositores



na crença de paraísos perdidos

perde-se a humanidade transformada

em seres monstruosos



matam-se por hóstias ou por blasfêmias

e o cheiro de rato morto

sai da boca de deus misturado

às fezes dos pecadores enforcados



se existisse

deus seria um velho cagão

cego por glaucoma

a bradar de ódio contra todos os homens e todas as mulheres

impotente para destruir a humanidade que criou

a rugir como um leão sem juba

para o infinito de galáxias que se criam aos punhados

dentro do buraco negro de seu divino cu



mas deus não existe e eu posso dizer tudo isso

para a ira dos deístas que não se conformam

com a morte precoce de suas ilusões

não há infernos

não há paraísos

existe apenas o ódio mortal dos deístas

e sua furibunda e nauseabunda crença


3.11.2016





20 de ago. de 2017

DESOLAÇÃO



(Linda Keeley; Desolation)





Os mortos estão mortos,

não precisam de nós, de nossas homenagens.

Fazemo-las por nós mesmos

Fazemo-las pelos outros.

Para que nos sintamos tristes e chorosos

e possamos nos dizer isso

a nós mesmos e a todos os outros.

Fazemo-las para que todos digam

"vejam como ele sofre pelo morto".

Mas o morto não sofre por mim.

Os mortos nem sabem que morreram.

Então, amigos que insistem em morrer antes de mim,

não contem com minhas homenagens.

Ficarei aqui, no meu canto, e a lágrima

será apenas uma gota de chuva num país chamado Desolação.







4.1.2015

18 de ago. de 2017

obsolescência





(Salvador Dalí)



gosto de coisas duráveis

a obsolescência dá sobrevivência

a esse capitalismo que nos sufoca



gosto das coisas utilizáveis

à margem do tempo e do gasto



a obsolescência é a ferrugem do capitalismo

ferrugem que nos corrói por dentro

enquanto faz girar a roda dentada

que nos esmaga e transforma em rio vermelho

nossas possíveis esperanças de dias melhores



gosto das coisas duráveis

dos objetos que mantêm o brilho e a funcionalidade

além muito além das necessidades dos engravatados



odeio a ferrugem fabricada e inserida

em tudo quanto compramos e utilizamos

para a feliz opressão dos senhores das máquinas



gosto sim das coisas duráveis



das coisas feitas como os ossos que nos sustentam

brancos e puros após anos e anos na terra escura

coisas duráveis como as palavras dos poetas

válidas palavras que nos consolam pela vida

não o lixo fabricado por robôs

com data marcada para voltar ao lixo



gosto das coisas que duram como a vida

gosto das coisas que duram como os versos

gosto das coisas que duram como as palavras



17.7.2017



17 de ago. de 2017

desejo de vida




(Chagall - la vie)




às vezes a vida vem ao vento

nas pétalas de uma flor

na semente de um fruto



mas também vem a vida aos olhos

na epifania de mundos descobertos

no interior mesmo de nossa mente



a vida não tem pejos nem lhe faltam ensejos

de explodir em galáxias distantes

ou de fluir no fundo do riacho calmo



sabe-se apenas que é vida o que pulsa

em cada célula de seres invisíveis

sob o manto de magma de vulcões

por sobre o borbulhar de gêisers



nada impede nasça e renasça

em cores em lamentos de buracos negros

no fundo do meu quintal ou em palácios

de longos corredores cobertos de pó



que seja a vida a esperança a brilhar

no fundo dos olhos da mulher desejada

não seja porém a vida a despedida

que a sombra deixa ao brilho da luz



6.5.2017

15 de ago. de 2017

Amor e canivetes






 (Foto de a. não identificada)



Encontrei esta postagem no facebook, de minha amiga Érika Cardoso: “Quando vejo nomes de casais talhados em árvores, não acho ‘meigo’. Acho muito estranho que levem facas a um encontro amoroso!!!” 



O espanto de minha amiga, marcado pelos três pontos de exclamação... isso despertou em mim algumas lembranças e algumas considerações sobre o passado, o presente e o às vezes estranho mundo dos homens, esses seres que carregam consigo estigmas profundos de bondades e maldades em iguais proporções, a entrechocar-se sempre com o tal mundo das mulheres, também constituído igualmente de bondades e maldades, mas de teores completamente diversos. Talvez seja estranho, hoje, falar em diferenças entre esses dois mundos, quando o chamado “politicamente correto” pespega o rótulo de machismo a qualquer pensamento que saia um pouco de uma certa curva. E é dessa curva que eu vou sair um pouco, para tentar desvendar o “mistério das facas em encontros de casais”.



Uma breve história dos anos oitenta, quando lecionava em um grande cursinho de São Paulo: uma manhã, na sala dos professores, ao redor de uma grande mesa, no intervalo das aulas, batendo papo e tomando café, não me lembro por que motivo, saquei de minha bolsa de materiais escolares um canivete, daqueles canivetes suíços, de mil e uma utilidades, mas que não prestam para nada. Para minha surpresa, dos treze ou quatorze professores, todos homens, que ali estavam, quase todos fizeram o mesmo, para divertimento e risos gerais. 



Ninguém sabia explicar por que carregava seu canivete. Mas praticamente todos tinham um. Talvez herança de tempos em que portar um canivete era questão quase de sobrevivência: nos tempos antigos, lembro meu avô a picar fumo – com seu canivete, a descascar uma laranja – com seu canivete... Nem vou listar todas as utilidades do famigerado canivete, portado por praticamente todos os homens. O canivete podia até, em momentos de briga e ódio, servir como arma mortal, mas não era exatamente visto como arma, de defesa ou de ataque, era um instrumento de utilidade prática, de uso diário. E quando casais enamorados realmente se enamoravam, o namoro quase sempre escondido, pelo menos em seu início, quase sempre era marcado por encontros em jardins, em bosques, em parques, que os havia em grande quantidade por aí, talvez justamente para o idílio dos pares que se formavam às escondidas de pais furibundos e da moral rígida e hipócrita da época. Ocasião em que, entre juras de amor e beijos roubados – expressão apenas literária, já que ninguém acredita em sã consciência que se roubassem beijos, melhor seria dizer beijos trocados – o ritual amoroso praticamente estipulava que os casais marcassem na árvore mais próxima a data daquele amor e as juras que deveriam crescer ou permanecer enquanto durasse aquele tronco. Então, aí estava a maior e talvez a mais nobre prestação de serviço do canivete: nem se pensava em ataques ou crimes seriais, como hoje as crônicas policiais andam cheias, a justificar o receio de minha amiga Érika.



Não, não estou dizendo que os homens de antanho (sempre imaginei usar essa palavra estranha e fora de moda, numa crônica passadista) fossem mais gentis ou menos violentos, que crimes hediondos havia, sim, e muitos eram cometidos atrozmente contra indefesas mulheres – namoradas, noivas, esposas, filhas – pela sempre presente fúria de homens machistas e perversos, em muitos casos, no chamado sacrossanto recesso do lar. Mas o coração talhado na árvore – a canivete – não devia fazer parte desses temores, era apenas um momento em que essa fúria estava mitigada e transformada em símbolo de amor, de desejo, de promessas, mesmo que tudo isso se esfumaçasse depois, na metamorfose do romance e da paixão na atroz supremacia do marido macho senhor da vida e da morte de suas mulheres.



Hoje, que os canivetes estão fora de moda, que todos portam telefones celulares e outros badulaques, incluindo armas de fogo, realmente estranharia encontrar recém-talhado em algum tronco de parque o velho coração trespassado por uma flecha, com o nome dos enamorados e a data. As redes sociais, às vezes de forma cruel – quando fotos vazadas por pura maldade cumprem o papel de perpetuar uma vingança – estão aí, como árvores sem folhas, sem sombras, sem romantismo, para marcar de forma não tão indelével o encontro dos enamorados. Um canivete, ou uma faca, ou um punhal, seriam, sim, armas bastante suspeitas num encontro amoroso.



14.8.2017





14 de ago. de 2017

derradeiro suspiro






(Pablo Picasso - dos figuras y un gato)




desencantou-se ao pólen a rósea flor

desfeito o mistério na neblina da retina

uivaram os cães à lua no seu magistério

da verdade que flutua em ondas de prazer

a flor se abre encantada ao pêndulo e ascende

o grito ao infinito apegada à face o estertor

o lábio roxo brilha o corpo todo fervilha

o pólen à flor se desespera pedinte ousado

abrindo pétalas forçando a espera como se fosse

o último cavaleiro a buscar o cálice supremo

no derradeiro suspiro ao prazer supremo



29.7.2017


11 de ago. de 2017

confissão





(Brigitte Bardot - foto de a. não identificado)




quando criança sonhava em poder assistir

à diva nua no escurinho do cinema



quando o sonho enfim se quebrou

nas pedras de ruas tortas

e no asfalto de tantas estradas mortas

descobri o que sou

e de mim não tive pena



resta o sonho sempre

mesmo agora quando espero

que se recupere o meu juízo

e que sábio o velho de outrora

seja hoje o menino

que sonhava por pernas nuas



não tenho medo do que ainda me resta

desde que a vida me mostrou

que tudo o que me disseram não presta

se o sonho que ainda sonho se afogou



não importa o tempo de estrada

porque tudo o que ficou

resume-se a uma dor antiga

por uma pedrada que um dia

acertou um bem-te-vi

e tudo o que sou se resume a consertar

todas as dores que infligi

não só calando o pássaro da mangueira

mas principalmente calando em mim

a voz da vida sem eira nem beira

que - eu mesmo jurei para mim -

um dia eu teria



sei no entanto que tudo o que a vida dá

a estrada come

e tanto aqui como acolá

no mundo do sonho ou da razão

todos os homens querem que se tome

a vida pelo cabresto

como os bois no carro a gemer



e se o menino se encantava no cinema

com as pernas de uma loira qualquer

não vai ser esse novo jovem que teima

em tomar a voz da razão pela voz do voo

que irá reconstruir caminhos que não trilhei



porque ainda que o sonho venha em trapos rotos

tenho ainda e sempre por tudo o que do mundo arrastei

a força profana de uma floresta de brotos




2.2.2014



10 de ago. de 2017

coisas simples da vida





(Marie Magère, Thé ou café ?)




coisas simples da vida – um café

bem quentinho – um doce

tudo como se o destino fosse

um ato fortuito de amor e fé

de que a esperança renasce

em cada gota de orvalho

num ato às vezes tão falho

de trocar as cartas de um baralho

ou ansiar por que um beijo na face

seja o espanto de um momento

em que o café o doce enfim

tornem um simples contentamento

o ensejo de teu amor por mim




22.7.2017

(Você poderá ouvir esse poema, na voz do autor, no podcast indicado acima à direita da página)



9 de ago. de 2017

chega mais



(Gustav Klimt - the kiss)




chega mais ela disse aconcheguei-me em seus braços

foi assim que dormi feliz e acordei saudoso

uma memória feliz que refaz em mim a trajetória

de um tempo que passa num desabrochar de desejo

suave o tempo que para na memória dói no coração

tormentosos os dias em que a vida apenas transpira

sem nada mais que o movimento de ondas na monotonia da tarde

sob as eternas nuvens do tempo reconstruído num moinho de vento

sobrepõe-se o meu castelo a esse vento embrutecido

crestado pelo sol em arestas e reentrâncias de sombras e luzes

aconcheguei-me um dia ao colo lácteo que se arrepiava 

fechei meus caminhos por trilhas de peixes mortos

dormindo enfim na saudade de seus cabelos e de meus ensejos







15.4.2017

8 de ago. de 2017

beethoven



(René Vincent-Viry - Beethoven)




tudo quanto bethoven escreveu tinha a marca do gênio

não do gênio humano

do gênio de beethoven

dirão alguns no entanto de suas dificuldades conhecidas

de seus achaques

da surdez que o atormentou

da surdez que lhe trouxe tanto sofrimento

beethoven surdo deixou de ouvir os sons do mundo

deixou de ouvir os sons da orquestra que ele regia

não deixou de ouvir os sons que havia dentro dele

a música que percorria seu corpo

reverberava em seus ossos

corria em suas veias

enchia seus pulmões

fazia bater seu coração

a música que acelerava todas as sinapses de seu cérebro

o cérebro de beethoven

o mais complexo computador musical que a natureza criou

beethoven surdo ouvia mais músicas que pudesse sonhar toda a humanidade

em qualquer tempo

em qualquer lugar

enquanto nós simples mortais sem o seu gênio contemplamos o mundo

e vemos nuvens árvores rios animais cidades invenções coisas enfim

o gênio olhava o mundo

e via uma clave de sol

e ouvia os sons

que vêm das estrelas

no início dos tempos

das profundezas das galáxias que existiam metamorfoseadas em sons

dentro dele

beethoven não era surdo

apenas não ouvia o que pensamos que seja música



29.7.2017


 (Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)


7 de ago. de 2017

balada de la luna llena




(Foto de Flora Maria)




venho há muitos anos caminhando pela estrada da vida

nela encontrei tantos amigos quanto as pedras que ralaram meus pés

para eles só o que eu posso deixar é uma palavra tão pequena

que mal cabe nesta minha doce balada de la luna llena



vi morrerem tantos seres que amei quantos outros que odiei

mal cabe em meus sentimentos contar ou cantar a pena

ou a satisfação de deixar a todos minha balada da la luna llena



tortas as palavras tantas derramadas em versos tantos

pelas noites insones da solidão mais plena

quando baixava em mim a balada de la luna llena



de desencantos vivi pelas ruas tortas de cidades mortas

na esperança sonhei dias que não couberam na minha pena

mesmo quando compunha essa triste balada de la luna llena



faço de cada lágrima misturada à chuva que segue meus passos

a necessidade de mil abraços que tornassem mais serena

a busca inglória do ensejo de encontrar minha balada de luna llena



não sou triste no entanto nesse infausto mundo em que a paz

talvez esteja dentro de mim numa planície que se estenda serena

ao canto ardente que sai do meu peito como uma balada de la luna llena

também não sou alegre como parece cantar ao sol do meio dia

a risada estrondosa que espanta do meu peito a dor serena

quando desejava que todos ouvissem apenas minha balada de la luna llena



representam minha vida e meu canto com força plena

os versos tristes desta triste balada de la luna llena


29.7.2017


 (Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)



6 de ago. de 2017

caminho




Gustave Caillebotte - Le Père Magloire sur le chemin de Saint-Clair à Étretat






há um caminho atrás de meus passos

como pergaminho desenredado

traços marcam cada tropeço

no areal de lágrimas lavado



quanto mais para trás se alonga

essa trilha de pedra e cal

mais ao alcance da mão

fica essa luz boreal

na qual imbrica meu destino

em desatino o vadio coração



se já não faz assim bom tempo

o tempo que tenho a caminhar

sem mágoas rolam os dias

como as águas ao vento encapelam



não há dor nem pranto

se levanto de cada tombo os olhos

dos esfolhos que me engambelam

com futuros que não terei



não importa se tudo o que sei

cabe no traço que deixo atrás

de cada passo desse caminho



se duro em cada pedra

em que tropeço

que saiba a jambo maduro

o travo de vida que me move

e tudo o que ainda peço

é que o passo seja firme

mesmo quando venta e chove


28.2.2014


2 de ago. de 2017

batuque



(Wanderley Caramba- sambista e pintor)



“o dia se renova todo dia”

diz o sambista lá no morro

a poesia se recria em poesia

escrevo eu poeta em meu socorro

buscando a rima que não existe

e o passo marcado a compasso

de um batuque nem alegre nem triste





3.7.2017