31 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 27


(Guennadi Ulibin)



Silêncio



Falam-me de coisas que não
quero saber.
Dizem-me palavras que não
quero ouvir.
Estou surdo aos apelos
alheios,
pois só notícias tuas me importam.
Mas, essas, oh!
não, essas ninguém
me traz. Faço do silêncio o meu túmulo.
Morrendo a cada instante dentro de mim.


15.7.94

29 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 26



                                                                                          (Guennadi Ulibin)


Verso inútil



De que eras antigas, perdidas no tempo,
vem essa melancolia que me aflige a alma?
De onde a dor, a dor que em mim experimento
como um vulcão que jamais se acalma?

De que pecados foi feito o ser que em mim habita,
para que, na solidão e no âmago profundo
da noite eterna, continue sempre nessa desdita
de assumir em mim as dores de todo o mundo?

Recolho-me em ânsias e como sonâmbulo escrevo
loucos poemas embebidos em lágrimas e sangue;
faço e refaço tudo aquilo que não devo
para, ao fim de cada verso, prostrar-me exangue
e deixar que docemente retorne a dor
de uma saudade cada vez mais estranha e louca.
Não consigo ir além de mim e transpor
o sentido oculto que não ousa explodir em minha boca,
preso ao peito como um verso inútil ao fim do poema.


14.7.94


27 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 25


(Guennadi Ulibin)


Menino triste


Retorno ao tempo que já não há,
escuto em mim o eco de passos mortos.
Na noite inútil o vento passa
a tingir de azul o manto estelar.
Sonho os sonhos do porvir
à luz tênue de velas a queimar.
Sou dono de mim nesse momento extremo
em que às notas míticas de uma canção
transporto a dor de meu futuro incerto.
Não cantam grilos ao pé do mandacaru,
não nascem flores nos ramos da mangueira,
não rola a bola a tecer enigmas
no campo atrás da casa improvisado,
só o silêncio ampara a angústia,
só o desejo desperta a emoção,
e o menino triste contempla a si
na solitária cama da noite triste.
Passam fantasmas, fantasmas rotos
de sonhos mortos.
E o tempo que promete a vida
para um instante para travar o grito
de um futuro há muito não realizado.







14.7.94

25 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 24


(Guennadi Ulibin)



Fim do sonho


Em transe, como ao ópio acorrentado,
revisito o mundo num verso de Pessoa.
Acompanha-me em si mesmo mergulhado o poeta em multifantasmas enigmáticos
a sorrirem o sorriso triste de ironia lusa.
Talvez a ver do mundo as naus que nunca
do porto à espera jamais zarparam,
desfeitas em nós de nadas e espumas.
Loucos ambos, loucos todos, a mim, ao poeta
e seus eus (caminhamos num mundo já previsto
por deuses falsos e falsas crenças
a vir-a-ser do caos o eterno instante)
parece tornar o futuro que já passou,
nos piscas-piscas de velozes máquinas,
na planta murcha à entrada do arranha-céu
de um céu virtual - tristes todos - eu e
meus poetas - a rezar o credo dos ateus -
como deuses, como deuses vãos em madeiros
rotos, como em raios de tormentas
à luz do semi-inverno, fogos fátuos
de insanidade à luz do néon, do néon de mil,
de milhões de luminosos que anunciam
- para breve -
o
fim
do
sonho.


17.5.94

23 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 23


(Guennadi Ulibin)



Simples beijo




Sonham-se ficções na noite fria
e a realidade em passado se transforma.
Do futuro assomam e assombram
imagens nunca antes imaginadas.
Para o sudeste aponta agora o Cruzeiro
como se o céu, deslocado em seu eixo,
um novo firmamento aos olhos desenhasse.
Como fogos-fátuos fúlgidas luas
à noite traz o dia eterno.
Não há mais pesadelos. Nem sonhos.
Ficaram para trás o presente e o passado
e o mundo respira apenas o futuro.
Morreu também a poesia simples
da brisa de primavera a balançar a flor.
No fundo da alma humana paira, no entanto,o banzo eterno do amor um dia vivido
no sonho simples de um simples beijo.



Divinópolis, MG 9.7.94

21 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 22


(Guennadi Ulibin)



Os deuses



Criaram os homens aos deuses
para atenderem a seus caprichos.
Sonharam-nos onipotentes e foram por eles dominados.
Já não vivem sem sua memória,
escravos que são dessas criaturas.
Em vez de servirem aos homens,
exigem eles (os deuses), cada vez mais,
sangue, suor e sacrifícios
aos quais devotam extrema indiferença.
Vivem, assim, os humanos presos às próprias criaturas, inertes,
professando crenças antigas,
perdidas no tempo, cravadas na memória,
inúteis como os próprios deuses
um dia inventados para salvá-los.
Num assomo, porém, de estupidez extrema, não contentes do mal que se fizeram,
reuniram os homens num só deus
todos os deuses que então adoravam.E esse deus, mais cruel que os demais,
travou na mente de seus súditos
toda e qualquer possibilidade
de descobrirem o engodo e se tornarem
eles mesmos os verdadeiros deuses.



3.1.94

17 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 21


(Guennadi Ulibin)


Depressão


Outono em plena primavera.Inverno em pleno verão.Tristeza em meio à diversão.
Estranhos dias de estranha espera.Nada vem, nada muda,
tudo é noite e a noite é preta.
Assim passam os momentos
tornados séculos em cada dor.
E a dor é funda, e a dor não cala,
e o peito parece brasa
a arder em fogo cada vez mais lento,
cada vez mais forte.
A vida é inútil em seus detalhes,
pois o ser navega nas esferas que giram além do próprio mundo.
Solidão total, solidão fria, fria,
envolve a cada pulsar
o velho coração cansado.
Misturam-se revolta e dor
e a dor cada vez mais funda.
Abismos, abismos em fossas
cada vez, cada vez mais negras.
Não há sentido, não há caminhos,
tudo em círculos a girar continua e sempre e sempre e sempre
a puxar ao centro, ao nada, à dor.
Assim passam os momentos
em milênios transformados
em cada grito, em cada dor.
Vez por outra nasce a luz
mas é vela em cera já queimada.
Não há caminhos, nem estrelas
que guiem o navegante ao fundo do nada.
A jornada é solitária, solitária e triste,
no túnel negro da antiga e boa depressão.




14.12.94

15 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 20


(Guennadi Ulibin)



A porta


Ante a porta trancada, envolta em luz, lua verde filtrada entre frestas,
detém o passo
o estranho caminheiro.
Ofega-lhe o peito
da longa estrada
de obstáculos percorrida.
Turvos os olhos
do sal dos caminhos.
Trêmulas as pernas
do peso dos abismos.
Crestada a pele
dos mil sóis de mil meios-dias.
Ali, prestes a ter
da busca a recompensa,
não vê com os olhos
o que os olhos desejam ver.
A porta.
Fechada sem trinco.
Lacrada sem lacre.
Inefável em sua existência
de simples existir.
Fluida e concreta.
Opaca e luminosa. A porta.
Abstração de aço e chumbo.
Fim em si mesma.
E o viajante, ali,sonhador incorrigível,
sugado dos ventos de lentos caminhos,
vê na porta intransponível
todo o mistério de sua própria vida.


27.10.93

13 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 19


(Guennadi Ulibin)



Miseráveis



Busco em ti,
prostituta de Paris,
o mesmo que sempre vi na Roma dos travestis;
reconheço em ti,
menino de rua,
das ruas de São Paulo,
a verdade ainda nua
que sempre sofri;
revejo em ti,
gueixa-mulher do Japão,
toda a discriminação
que sempre combati;
associo a ti,
negro pobre de Nova Iorque,
tndo o assédio torpe
do capital que te rodeia;
renego em ti,
muçulmana entrevista,
a religião fundamentalista,
a tecer a teia
da escravidão;
desprezo em ti,
jovem do morro de Janeiro,
promessas de ano inteiro,
que te fazem governantes;
bichas e negras,
gueixas e pobres,
do mundo das trevas.
à luz que vos encobre,
tendes em tudo toda a dor
de terdes, à margem da margem,
o esgoto do amor
num pão que vos dais
a podre sociedade
que vós ameaçais.


2.8.93

11 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 18


(Guennadi Ulibin)



Buraco



Ao fender-se a terra
em abismos de sangue,
vi que o buraco encerra
meu próprio eu exangue.

Para melhor apreciar
o grande espetáculo de me ver em chamas,
deixei-me de um lado e para o outro pulei.
Via-me, assim, em imagem de espelho,
ao mesmo tempo que projetava
no abismo de fogo um novo eu a cada instante.
No pesadelo de me ver
dos dois lados da voçoroca
e ao mesmo tempo queimar-me ao fundo,
lutei em vão para entender
em que mundo me achava assim dividido.
Partira-se-me o próprio corpo
em pedaços intocáveis.
Se me via ao sul, no norte me achava.
Se me via ao norte, no sul me contemplava.
E a dupla máscara ao fundo vigiava
outros monstros de mim nascidos.
Assim fiquei por muito tempo
a enganar-me e ao próprio mundo:
ser de múltiplos recursos
em mim mesmo sem nenhuma esperança.
Até que um dia o vulcão
desfez-se em lágrimas candentes para, depois de louca explosão,
cegar-me para sempre a mim e a todos
que de mim se projetaram. Inutilmente.


3.6.93

9 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 17


(Guennadi Ulibin)




VIADUTOS


I

À sombra do viaduto,
olhos ferozes contemplam a cidade.
Traçam planos absurdos
enquanto mastigam pedaços de pão
para aplacar a fome do cheiro de cola.
Ninguém está imune.
São todos, todos culpados.
Os vermes virão da terra
e quebrarão os vidros dos automóveis de luxo.
São ratos nauseabundos
a misturar-se aos perfumes franceses
de lojas elegantes.
Não há ratoeiras que os prendam.
Não há polícia que os detenha.
Estão todos, todos perdidos.Eles dominarão a terra,
farão compreender aos burgueses
quão frágeis se tornaram
as estruturas sociais.Os ratos só sabem
do roncar de suas barrigas.
Ignoram planos traçados
nos gabinetes oficiais.
São ratos, apenas ratos,
a arrepiar estruturas sociais.
Enquanto isso, a cidade
olha as estrelas difusas
e escreve leis para abolir os ratos.


II


O viaduto inchou e explodiu.
Dos escombros pulularam ratos
que assombraram os planejadores.
Tomaram de assalto
gavetas ministeriais.
Surgiram aos bandos
dos punhos de renda dos homens da lei.
Seus guinchos gravaram
em discos a laser de duplas caipiras.
Seu fedor implacável
grudou-se para sempre
nas notas de câmbio
de bancos oficiais.
Seus pelos entrelaçaram-se
às peles mais caras
das putas de luxo.
Seus dentes podres abocanharam
as trufas importadas
no prato do velho banqueiro.
Seus olhos de sangue assustaram
meninos inocentes da bolsa de valores.
E quando tudo perdido parecia,
a lei salvadora estampou-se
na página primeira de todos os jornais, revogando disposições em contrário:
DE AGORA EM DIANTE, PROÍBEM-SE OS VIADUTOS!


III


No ano de dois mil duzentos e vinte,
um viajante estelar aqui pousou:
com técnicas estranhas começou
a buscar as causas do estranho vazio.
Encontrou cidades intactas
e obras mil de raro saber.
Nos campos, as árvores vergavam
de frutos repletas.
Mares e oceanos abrigavam
peixes, crustáceos e mamíferos
de espécimes estranhas
aos olhos atentos do esperto viajante.
Mesmo os morros e planaltos,
as florestas e matagais
pássaros, flores, feras possuíam,
num quadro perfeito
de harmonia natural.
Faltava, apenas, ao viajante
examinar com mais rigor
as águas paradas dos rios antigos.
O olho eletrônico da máquina alienígena
aos olhos estupefatos do experiente viajante
revelou a presença aos milhares,
em formas primitivas e mutantes,
do velho e conhecido vibrião da cólera.




10.3.93

7 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 16


(Guennadi Ulibin)


Salada geral em 1978



Sou poeta!
Poeta? Poeta!? Estranha palavra, esta.
Poeta... Lembra-me
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
Parnasiano até no nome - alexandrino.
Mar não sou ourives,
como posso ser poeta?
Busco apenas as palavras e brinco com elas.
Palavras em “estado de dicionário”
como já disse o Drummond.
E vou construindo versos mancos
- como a própria vida.
(É inútil não querer filosofar
através de uma comparação ou de uma metáfora
metida a besta).
Mas vou brincando com as palavras
- inúteis?
Sei lá! Talvez o sejam (mas não quero pensar nisso).
Abro a janela (bonita palavra - janela! Já
pensaram se não houvesse janelas no mundo?
Um pobre poeta não poderia olhar para fora!)
Olho os meus companheiros e estão taciturnos.
Drummond também já disse isso.
Só não disse por que estão taciturnos:
as esperanças que eles nutrem são também inúteis.
Voltemos à janela: abro-a ou já estava aberta?
Não importa!
Olho o mundo, ou melhor, o Brasil!
Vejo a ilha de paz e tranquilidade.
Vejo a felicidade (para não dizerem que não rimei)
de uns poucos burgueses - burgueses: palavra fora de moda
(desde que Oswald escreveu sua ODE AO BURGUÊS).
Melhor dizendo: uns poucos executivos e tecnocratas
- FELIZES - sob a batuta do presidente.
Melhor fechar a janela
para não ver a miséria de salário-mínimo
as favelas do BNH
os trombadinhas
os motoristas de táxi
os professores
os médicos
o jovem estudante cheio de ideais
o contista mineiro
e a orquestra sinfônica...
Se sou poeta, como fazer poesia
na desesperança?
Para que brincar com as palavras?
Ver o tempo presente?
Ou ser um fingidor?
Contestar? Protestar?
Gritar? Berrar?
Escrever versos que ninguém lerá?
Pichar as paredes e os muros?
Virar monge tibetano? Tomar LSD
e vender a alma numa feira hippie?Talvez ao Poeta baste
o sorriso de uma criança
-desdentada - desnutrida - maltrapilha -
para ver o futuro da Grande Nação.
Com suas usinas atômicas
e as águas de Itaipu.
Com reus rios e matas.
Rios - São Francisco, Pirassununga, Verde, Grande -
IPANEMA.
Matas - da Cantareira, do Cipó, Atlântica -
cartões postais dos saudosistas.
Riquezas do meu Brasil
transformadas em dólares e ienes.
O ar puro vendido ao peso de ouro
da especulação imobiliária.
Fechemos, rápido, fechemos
todas as janelas!
Vedemos todas as frestas!
Cerremos todas as cortinas!
Alguém já disse que a Poesia morreu: NÃO ASSISTAMOS AOS SEUS FUNERAIS!


BH 5/11/78

3 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 15


(Guennadi Ulibin)


Fogo da dor


Do fogo de minhas entranhas nasce o fogo dessa dor:
não importa quão estranhas
sejam as dores desse amor,
fujo de mim para dentro de mim
buscando a cada instante a razâo
para penar tanto, tanto assim,
culpando a cada vez o coração;
da tristeza que me invade
à tristeza que exterioro,
sinto em dor cada saudade
na lágrima que não choro;
e em versos que pingam sangue
deixo em palavras ocas
a dor de minha alma exangue
aberta em dores cada vez mais loucas.




12.9.92

1 de out. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 14


(Guennadi Ulibin)



Sombra


Caminha atrás de mim uma sombra
calma e fria como a morte:
seus gestos são meus gestos
seus passos são meus passos;
vem, a sutil, a envolver-me em seu manto
pouco a pouco em tenaz perseguição;
se paro, estanca o passo e me contempla
com um triste sorriso de prenúncios;
se corro, alcança-me em poucos segundos
e seus olhos advertem-me para o inútil gesto;
se contemplo o futuro em busca de luz,
projeta-se ela à frente de meus olhos
e tudo que sinto reverte-se em dor,
a fechar horizontes outrora tão amplos;
exausto, enfim, entrego-me à sombra,
abraço-a em pranto, os dentes cerrados,
afundo-me em trevas, os olhos em fogo,
mergulho em seu peito em busca do nada
e encontro, por fim, num último suspiro,
toda a tristeza que sempre me seguiu.

3.9.92