30 de jun. de 2015

carne dura







carne humana:

fica dura com o tempo

- vaca no matadouro

depois de muita cria e muito leite -




então,

não é preciso dar a bunda

- embora cada um faça o que quiser -

mas,

quando se vai ficando velho,

um pouco de veadagem é até recomendável,

para a carne não ficar dura de vez




11.6.2015

(Ilustração: Donald Zolan)

29 de jun. de 2015

DIVIDO-ME AO MEIO



(Foto: Weichuan Liu)




Divido-me ao meio entre ir e ficar. Há no ficar um sorriso diário num minimo corpo de pouco mais de catorze quilos, um ser em plena força de expansão. E há seu pai, o filho. Bate por eles meu coração que sofre. Há, no entanto, no partir, no fim do longo caminho, o outro filho e as outras filhas, por quem, em meu peito, há um coração saudoso e franco. Então, entre o ir e o ficar, fica aqui o meu pensamento e quase todo o meu sentimento e levo, ao partir, a certeza incerta de que amo, enfim, dividir-me em dois, em três, em vários, porque é assim a vida. 



Joinville/SC - 24.3.2015

26 de jun. de 2015

horas vazias



(Thomas Cole - The Return - 1837)



estranhos os momentos
quando estou só comigo mesmo,
quando só ruídos distantes
de um mundo estéril
chegam aos meus ouvidos

bons, muito bons os momentos
quando o que bate em meu peito
é apenas o coração,
sem lembranças, sem futuros,
o tempo a correr nas veias,
a vida apenas e nada mais



Joinville/SC - 24. 3.2015





25 de jun. de 2015

TEUS PASSOS




(Camille Pissarro)


O que dizer da vida
palavras soltas, tantas, tantas
por aí, se te levantas
e vais ao vento
teu passo eu tento
muito mais lento
acompanhar

 meu violão, meu violão
dentro do peito ressoa
assim, assim a vida
no rio como a canoa

O que dizer dos sonhos
de nuvens belas, tantos, tantos
por aí,  te ouço os cantos
e sonhos loucos
teus cantos roucos
hoje tão poucos
não vais soltar
  
meu violão, meu violão
dentro do peito ressoa
assim, assim a vida
no rio como a canoa

 O que dizer dos rios
que passam lentos, lentos, lentos
mais que esses ventos
nos teus cabelos
sonho desvelos
meus atropelos
por te adorar

meu violão, meu violão
dentro do peito ressoa
assim, assim a vida
no rio como a canoa

Vida, sonho, rios, sons
meu violão, meu violão
canto ao vento, canto
dentro do peito ressoa
não sofro enquanto
assim, assim a vida
nos sonhos loucos
no rio como a canoa
teu passo eu tento
acompanhar.

(Possível letra de música)

(s/d)

21 de jun. de 2015

mar terminal



 (Zach Ladner - Brussels in the rain)





chuva encharca o chão e as lágrimas lavam dores e amores


recanto o canto da lenta agonia que cada gota espalha


revejo a vida em rios perdida, a vida em vales sulcada


montanhas abaixo cada sonho esvaído, cada sonho






e tudo o que eu quero - agora que não mais espero -


é tornar-me lago na espessa planície de terra e fogo


saldar os erros e passar a fogo cada logro, cada jogo


não jogado na mesa de bacará, sentar à beira da estrada


carpir o vento e soprar as águas passadas e futuras






deixar que venha a chuva tropical cobrindo charcos


inundando vales, tornando rios lagos repletos


e enfim calado, graveto a rolar, deixar-me levar


e afinal acabar meu dias no mar terminal



6.5.2015 

20 de jun. de 2015

VIOLÃO



(Di Cavalcanti - baile-popular)



não tenho pejo, não tenho não,
de morrer de desejo de uma canção
cantada assim, ao suave som
de um violão
tão bom, tão bom sonhar arpejos
de doces beijos, de doces beijos
tão perto o som, tão perto o lenho,
o som que sonha o sonho que eu tenho
tão perto estou, tão perto estás,
meu violão, caminho em paz
em tuas cordas,
tu me recordas meu doce bem
e vou sonhando, e vou também
em teu caminho, esse teu som
tão bom, teu som, tão bom
minha canção de amor por ti
tem cantos de bem-te-vi,
tem anseios de amor e paz
tão perto estou, tão perto estás,
meu violão, meu violão
não tenho pejo, em meu desejo,
de buscar abrigo
numa canção
numa canção que eu canto só
quando estou contigo.



(Letra para uma possível canção)


2.9.2006

19 de jun. de 2015

amor e queijo




(Francesco Hayez - el beso)


doçuras e salinidades tem
o amor na cama cheio de desejo:
se buscar no prato o que lhe convém
numa troca, tem que ter muito queijo,
o toque de sal ao doce do beijo



18.6.2015


17 de jun. de 2015

Trova - você não tem um amor




(A. não identificado)




você não tem um amor


com quem dividir a cama?


- doce de figo com queijo


não substitui, mas consola



17.6.2015

16 de jun. de 2015

BRISA




(Arthur_Braginsky)



Brisa, te quero vento
sopro no peito
furando coração
vento, roda cata-vento
vira o leito
vira o eito
rodamoinho no chão
Brisa, te quero sopro
te quero vento oco
desejo no meu leito
nem vem nem me avisa
te quero com jeito
te quero mais Brisa

rolando em vão
coração na boca
vem, Brisa, vem
te quero louca
vento de pouca
preocupação

desejo no meu leito
nem vem nem me avisa
te pego com jeito

mais vento do que Brisa.



(Letra para uma possível e improvável canção)


18.8.2005

13 de jun. de 2015

em silêncio



(Fátima Alves)



em silêncio, nasce um botão e transforma-se em flor;
em silêncio, seca a roupa no varau;
em silêncio, o sol vem e vai de nossos olhos
a cada rotação silenciosa da Terra;
em silêncio, o espermatozoide encontra o óvulo
e ambos, silenciosamente, formam um novo ser;
em silêncio, ouvia Beethoven os sons da Nona Sinfonia;
rasteja o verme no fundo da terra em silêncio
e em silêncio o mal consome o corpo;
por isso, em silêncio morre o poeta
e seus poemas são o seu único grito sobre a terra.




10.6.2015

12 de jun. de 2015

VIRO BICHO



(A. não identificado)




Esta minha vida está um lixo.
Você me diz só isso e se cala.
Olho pra você e viro bicho,
não era esta a sua fala,
neste teatro em que sofremos juntos.
Na minha peça você é protagonista,
discutimos todos os assuntos
e você acha que sou seu analista.
É, não só a sua vida está ruim
nossa relação entrou em crise
e agora você vem dizer logo para mim
que não deixo que você se realize.
É, não basta haver uma andorinha
para fazer nosso verão
você vai acabar tão sozinha
quando todo mundo lhe gritar um não.
Esta nossa vida é que está um lixo,
saia logo desta peça,
levando todo o seu capricho,
que de você vou rir à beça.
Você fez da vida um palco escuro
não quero mais saber de você,
nossa relação não tem futuro
só você não vê, só você não vê.

Esta minha vida está um lixo.
Você me diz só isso e se cala.
Olho pra você e viro bicho.

Não, não era esta a sua fala.




(Letra para uma possível canção)



11.3.2005

10 de jun. de 2015

silêncio



(Max Ernst)





não pense que meu silêncio


é covardia:


se engulo todos os meus gritos,


é porque não confio nos ouvidos


de quem deveria ouvi-los



1.6.2015

5 de jun. de 2015

CAMINHO




(Zevi Blum - life's voyage)




Então descalço
sigo teu passo
já pronto o laço
mas foges lenta
como se atenta
à mão que tenta
te agarrar
te abraçar
enfim te amar!

Ah, fosse assim a vida
somente laço e abraço
tudo que sonho e faço
não seria a ferida
que trago no meu peito
Ah, fosse assim meu sonho,
não terias direito
a tudo quanto ponho
a vida, o amor, o sonho...


Corri caminhos
perdi teus ninhos
chorei, chorei
enfim te amei
e recobrei
a minha vida
meus pobres sonhos
segui teus passos
deixei meus laços
pelos caminhos
pelos caminhos...

Ah, fosse assim meu sonho
encontraria, sim,
em ti a vida, o sonho
de ser feliz assim...


(letra de música)


domingo, 22 de fevereiro de 2004

4 de jun. de 2015

boi



(Max Bekeman - retrato de família)




busco no poema
a voz clara
do homem comum

quero do verso
o grito da rua
- o mugido final
do boi no matadouro


24.4.2015

3 de jun. de 2015

Chapéu



(Daniel Sinsel)


Não tenho chapéus.
Tivesse-os, amoldaria
em formas e fôrmas
toda a minha poesia.

Livres devem ser os sonhos
em palavras transformados.
Não entessussurrantes sons
em chapéus enformados.

Por isso, não tenho chapéus.
Tivesse-os, não comportaria
em texturas redondas e abas
toda a minha louca poesia.

Soltos devem estar sempre os pensamentos,
mesmo quando meramente balbuciados.
Não como redondos e calmos lagos
entre fitas de chapéus enrodilhados.

Por isso eu digo que não tenho chapéus.
Tivesse-os, prender não conseguiria
em poemas inúteis de vento e luz
toda a minha louca e fugaz poesia.



quinta-feira, 7 de agosto de 2003



2 de jun. de 2015

UM SOM



(Cezanne - bay-estaque)


Corre em mim um som
De praias distantes

Corre em mim um dom
De ritos dançantes

E à luz morna da tarde
Meu peito é fogo e arde

Não há lá fora a perspectiva
De uma nova primavera

Não há em meu peito a cantiga
Que anuncie uma nova era

E à luz baça de quase noite
Meu sonho é luz e açoite

Corre em mim um rio
De podres peixes e águas

Não sinto calor ou frio
Apenas o rito de velhas mágoas

E à luz que vem da lua
Minha alma é louca e está nua.



Quinta-feira, 7 de novembro de 2002

1 de jun. de 2015

FAÇA A SUA PARTE


(Donald Zolan)


Encontrei esses conselhos numa folha amarelada dentro de um livro. São de um velho sábio cujo nome se perdeu, e que vivia entre as névoas do sonho e da fantasia, numa alta montanha chamada AIPOTU, de um país bem próximo, mas desconhecido. Compartilho:

Faça a sua parte:

- ensine, desde pequeno, o seu filho a ser gentil com os coleguinhas de escola, e não que ele os soque à primeira ameaça de ter seu brinquedo cobiçado por outro: ser macho é fácil, mas aprender a ser homem é só para os fortes;

- ensine, desde pequena, a sua filha a olhar a vida com olhos de águia: compreender as injustiças contra as mulheres é o primeiro passo para evitar a escravidão e compartilhar a igualdade sem rancores;

- caminhe pelo lado direito da calçada e deixe livre o esquerdo, para as pessoas que vêm em sentido contrário assim como espere que as pessoas saiam do ônibus, do trem, do metrô, para depois entrar: não é gentileza, é só uma pequena questão de física;

- respeite os lugares especiais em transporte coletivo, e ofereça sempre o seu lugar para aqueles que dele mais precisam: também não é gentileza, é só o respeito por aquele que um dia você será;

- num congestionamento, esqueça a buzina e coloque um som de jazz, de música clássica, de qualquer música - se o trânsito não anda, sua imaginação pode voar;

- leia livros, sempre, sobre todos os assuntos, desde romances e poesia até história e filosofia; esqueça os de autoajuda e os religiosos, porque esses só o levarão para o caminho da ilusão e não do sonho, como deve ser um bom livro;

- vá ao teatro, de vez em quando: o palco, com atores ao vivo, num bom texto de um bom dramaturgo, ainda é o melhor lugar para você contemplar a vida como ela é;

- tudo bem que você goste de filmes de ação, mas veja um Fellini de vez em quando: sua sensibilidade será aguçada e agradecerá;

- leia os jornais, ouça os noticiários, folheie as revistas, mas não acredite neles: quem é pago para dar opiniões, não tem nenhuma opinião, a não ser a de quem lhe paga;

- fuja dos programas de televisão que têm âncora sem script, principalmente daqueles que apresentam programas policiais: são um veneno;

- tome banho todos os dias, mantenha sua casa limpa, sua calçada limpa, sua praia limpa, sua cidade limpa; mas lembre-se sempre: além da higiene do corpo e do ambiente, é fundamental a higiene mental;

- alimente-se bem, coma de tudo, sem preconceito: o ser humano é onívoro; mas, sobretudo, coma com moderação e sem desperdício;

- seja patriota, goste do País onde nasceu, mas não pense em dar sua vida por ele: nenhum país tem mais valor que uma só vida humana;

- goste de política, porque sem ela o homem não vive: somos um animal político; mas pratique a política sem sectarismos, sabendo que só o debate vivo e respeitoso pode levar à melhoria da sociedade;

- torça por um time, um clube, seja ela de que esporte for, mas lembre-se sempre: todo jogo é só um jogo que acaba no momento mesmo em que se apita o seu final; vitórias e derrotas dos outros têm o mesmo peso na sua vida prática: nenhum;

- cultive amizades, mas sem cobranças: cada um é como sua natureza o fez; porque, amigo, os amigos verdadeiros são como o cacto ou o mandacaru: contentam-se com pouca água, mas sempre acabam dando as mais belas flores.