30 de set. de 2016

senhora





(Liu Yuanshou)




ó senhora

que vos ajoelhais

benditos sejam

os vossos frutos

da flor aberta

do vosso ventre

que sejam de graça 

vossos favores

tanta magia

de vossos eflúvios

gozai por nós

os nós do amor

matai nosso ardor

com vossos delírios

agora e sempre

na cama ou onde

vós escolherdes

abri vossa rosa

a línguas e paus

deixai-nos a paz

a paz gozosa

de vossos mistérios

ó senhora

que vos ajoelhais





17.9.2016

29 de set. de 2016

música




(Ceri Richards - Arrangement for Piano 1949)







gosto de ouvir a música dos grandes mestres

em volume mais alto do que o normal

para que ela entre

não só pelos meus ouvidos

mas também pela minha pele



e o supremo prazer é quando posso ouvi-la

também com meus olhos



28.9.2019




28 de set. de 2016

fogo-fátuo



(Isabel Guerra) 






dos cemitérios em noites negras

e cálidas

a luz azul do medo

são as almas dos mortos

ou as almas mortas

numa nova e reluzente

manifestação de vida



almas entretanto não há

invenções que são de metafísicos

inconformados

para enganar os crentes

com falsas promessas



há apenas ossos

matéria putrefata

restos de madeira podre





da terra nauseabunda

os homens de outrora

reluzem na noite negra e quente

lembranças mortas

sonhos mortos

vidas que um dia foram

amadas

respeitadas

odiadas

ou simplesmente

vividas





na dança da luz são agora

apenas o susto do incauto

dentro dos cemitérios

nas noites negras

negras como – ali – a própria

impossibilidade da vida



1.9.2016

27 de set. de 2016

amarração do amor - 1




(Raimundo Bida - os noivos)






disputa feroz

nos postes do bairro

amarro o amor – diz um cartaz

trago a pessoa amada em 24 horas – diz outro

e o amor no poste

passeia pela imaginação

livre

leve

e solto

por que amarrá-lo?

e não será amargo o amor amarrado

ou amordaçado?

e aquele amor que vem em 24 horas

não se evola depois de apenas 4 horas?

amor amarrado em 24 horas

goza?

e o gozo na prisão não mata o amor?



disputa feroz

nos postes do bairro

todos os anúncios espicaçam

a vontade da posse

da posse do amor

e o amor passeia pelos gerânios das janelas

pula as grades dos jardins

pendura-se pelos fios elétricos

trepa nas árvores

corre na enxurrada qual barco de papel

aperta campainhas há tempo tão mudas

põe fogo ao jornal do aposentado que lê distraído

no banco da praça

como vento levanta a saia da moça

os óculos embaça da velha senhora

a rosa desfolha na mão do namorado

senta-se à mesa do velho casal

puxa o rabo do gato da gentil senhorita

e ri-se da disputa feroz

nos postes do bairro

quiçá de toda a cidade

de todo o mundo



o amor afinal

anda por aí

do equador ao chuí

da venezuela ao japão

falando línguas em labaredas de fogo

desamarrado

desamordaçado

vendido em prestações a perder de vista

cantado e decantado

nos postes

nas camas

nos campos

nos rios

nos mares

nos becos

de todo o mundo



e por todos os lugares

por onde graceja

não se disputa o amor

na disputa do amor?



ah! mas há sempre alguém

disposto a amarrar o amor

trazido de volta em 24 horas



17.9.2016




25 de set. de 2016

os bruxos



(Vermeer - the concert)







das profundezas do ser o som dos bruxos

bach

beethoven

brahms

para as alturas do bem-estar


18.9.2016





24 de set. de 2016

adagio




(Margarita Sikorskaia - wrestlers on a snow)



deem-me a delicadeza

de brahms

a emoção de beethoven

a profundidade de bach

a ousadia de mahler

ou de stravinsky

a ludicidade de satie

a criatividade de villa

e farei para ti

meu amor

um adágio

um lento e majestoso adágio

para aquele momento

em que dos fluidos e líquidos

de tuas profundezas

arrancam de mim

o meu jato de vida e prazer

a ode suprema do desejo

a elegia final do amor

o meu adagio lento e longo

majestoso e profundo

como o fim do mundo




17.9.2016

22 de set. de 2016

lei da convivência número 1



artigo primeiro



fica abolida como impropério

a expressão

filho ou filha da puta



artigo segundo



que todas as putas que tenham filhos

que os reconheçam como legítimos



artigo terceiro



que todos os filhos da puta

cujas mães não sejam putas

tenham o mesmo tratamento

dos legítimos filhos de puta



parágrafo único



revogam-se todas as disposições

contrárias

ou mesmo a favor



21.3.2016



(Ilustração: Aleah Chapin - Lucy and Laszlo)

20 de set. de 2016

CANTIGA EM FUGA



 (Taro Hata) 


1.


Na espera,

deságua

o verso

só mágoa!



2.



Minto?

Não:

apenas sinto.



3.



No ensejo

do beijo,

desejo.



4. 



O coito,

espero

afoito.



5.



Enquanto 

cantas, 

me encanto.



6. 



Amor:

entreato

barato.



7. 



Proponho:

apenas 

sonho!



8.



Lua,

vem 

nua.



9.



Tanto 

te quero,

quanto

te espero.



10.



Se vieres,

não

esperes.



11.



Beija

louca

minha 

boca.



12.



Sem juízo,

teu

sorriso.



13.



Aceito

do teu

jeito.



14.



Teu

umbigo

mexe 

comigo.



15.



Teu ventre

me diz:

entre!



16.



Tu gozas,

e me

afogas.



17.



Contigo

eu vou

ao after

glow.



18. 



Me encolho

no teu

olho.



19.



Me enlaço

no teu

abraço.



20.



Gemidos?

Gozos

mais que atrevidos.



21.



Vacilo: 

tu gozas

ou eu deliro?



22



Entro:

teu jogo

é fogo.



23.



Retardo 

o gozo.

Gemes, eu ardo.



24. 



Contemplo

exausto

teu corpo:

um fausto!



25.



Após loucos

ais,

ainda pedes: 

mais!



26.



Quantas vezes 

queres:

és em uma,

mil mulheres.



27.



Teu corpo

eu lavo,

bêbado,

escravo.





28.



Sacias

em mim

desejos

sem fim.



29.



Meu sêmem

já é pó.

Exiges:

- Só?



30.



De novo 

na cama,

teu corpo

é chama.



31.



Tu metes

mais que

prometes.



32.



Tua vagina

engole

meu sexo

mole.



33.



Na sanha

da luta,

arranhas

como puta.



34.



No teu 

sexo,

perde o verso

seu nexo.



35.



Minha sina:

tua

vagina.



36.



Temes?

Não:

gemes!



37.



Na curva

do seio,

me enleio.



38.



Na bunda,

a língua

afunda.



39.



No ventre,

o espasmo

precede

o orgasmo.



40.



Na trilha

da língua,

o clitóris

brilha.



41.



Minha boca

te deixa

louca.




42.



Exalas,

enfim,

o puro

jasmim.



43.



Persigo

o perfume:

contigo,

meu ciúme.



44.



Foges,

esfumas.

Teu gozo,

espumas.



45.



Na cama

fria, 

viraste

poesia.





Sexta-feira, 11 de junho de 1999