22 de fev. de 2012

Nosso amor

(Fernando França)





na tarde que esfria

frio sinto o meu coração

não, não ria

por detrás de cada porção

de versos, de descaminhos

estão aqueles mesmos carinhos

que guardei para ti

assim, bem aqui,

e que, amiga, nunca mais quererás




deixa-me, te peço, te imploro,

está finalmente em paz

meu frio coração, não mais choro

os versos, os descaminhos

de nossa antiga paixão




guardo, sim, os espinhos,

todos os espinhos de nossos caminhos

como quem guarda na tarde fria

um tosco cobertor

em que um dia, somente por um dia,

agasalhamos o nosso amor



6.9.2010

16 de fev. de 2012

Porque éramos jovens

(Jean Bailly)





Porque éramos jovens,

Havia uma lua torta no céu

E olhos atentos para a nave espacial



Porque éramos jovens,

Nasciam paixões avassaladoras

Por trás da mangueira em flor



Porque éramos jovens,

Riscava o céu um foguete de esperança

E o mundo caía a nossos pés



Porque éramos jovens,

Nada era apenas uma palavra

Grotesca, sem dúvida, mas uma palavra apenas



Porque éramos jovens,

Ouvíamos e cantávamos as canções

Possíveis e impossíveis



Ah, porque éramos jovens,

Lua, paixões, esperanças, canções

Nada mais eram que arados

A riscar de vida o chão de nossos corações...



Porque éramos jovens!



13 de fev. de 2012

felicidade



(Airton das Neves)


(para Eliana Iglesias)







quando bebo uma xícara de café quente,

feito na hora, com o suave aroma enchendo a casa,

eu sou feliz




quando leio um verso que fiz há muito, esquecido num arquivo

do computador e encontro nele um laivo de poesia,

eu sou feliz




quando caminho pela rua sem pensar em nada,

solitário caminheiro anônimo até de mim mesmo,

eu sou feliz




quando viajo de automóvel e o vento bate em meu rosto,

trazendo da mata o suave canto de pássaros desconhecidos,

eu sou feliz




quando vejo teus olhos nos meus, sinceros, falando

coisas comuns de nosso dia-a-dia, enquanto me calo,

eu devo lhe dizer que me calo, sim, porque naquele momento

eu sou feliz




porque, amiga, não há no mundo nada que faça

que o homem tenha felicidade, mas há sempre

em pequenos gestos, em mínimos momentos,

um sentimento firme de que se é feliz, só, ali,

naquele instante em que o mundo para e olha para ti.



4 de fev. de 2012

NARIZES

(Daumier - Endymion)



Há narizes e narizes:
de todos os matizes,
negros, brancos, amarelos.
Há-os feios, há-os belos.
Narizes verdadeiros
de boa genética
e melhor ética
e há narizes falsos,
feitos em falsas curvas
mais que perfeitas.
Narizes redondos
como um caqui
e narizes arrebitados
talhados, moldados
a golpes de bisturi.
Há-os como celeiros,
ventas bravas de pêlo e pó,
máquinas espirrantes
por quaisquer cheiros.
Também há narizes
chatos de dar dó,
e narizes compridos
como eles só,
mas todos matrizes
de praças do interior:
promontório do rosto,
causam riso ou desgosto,
à vezes tristeza
mais do que dor.
Mesmo com a beleza
de fruta ou de flor,
mesmo grosso ou fino,
causam desatino
se na doce paragem
desafinam com gosto
do resto da paisagem.