28 de jul. de 2016

Terrorista



(Botero - dores da Colômbia)






Na tela da televisão, em horário nobre,

a foto do terrorista.

Matara a tiros de fuzil

dezenas de pessoas

num shopping qualquer

de qualquer cidade de um país ocidental.

Disse a polícia ser ele

soldado do estado islâmico,

perigoso homicida que se matou

logo após o crime hediondo.

Desalmado ser cuja alma

agora transcende as armas

com que tanta gente ferira,

com que tanto inocente matara:

busca lá na etérea morada de seu deus

as setenta e duas mil virgens prometidas.

Desalmado de alma islâmica,

sua barba comprida, seu nariz forte,

sua testa orgulhosa na tela da televisão.

Sedentos de notícias, os repórteres do mundo todo

alvoroçaram-se - como moscas - em busca de informações:

entrevistaram amigos, parentes, vizinhos do feroz terrorista.

Rapaz educado e prestativo, diz alguém.

Bom moço, respeitador, a todos ajudava, diz outro.

Silencioso, sempre, mas calmo e bom, diz um terceiro.

E a foto na tela da televisão

não tem o terror requerido

para os monstros de assassínios em massa:

a foto da televisão tem a calma do olhar

do jovem mestiço de árabe e europeu,

menino ainda, nos seus dezenove anos

- podia ser meu filho, ou teu filho; podia ser

meu irmão, teu irmão; podia ser meu primo, teu primo –

até nos esquecemos de que tão belo jovem

de calma e pura tez

matou sem dó dezenas de pessoas.

Esse moço, tão jovem, tão belo – quem podia imaginar – já desejando

as 72 mil virgens prometidas pelo profeta.



23.7.2016

25 de jul. de 2016

pobreza



(Chris Lopez)







vem apagar este fogo que me consome

vem, vem cá logo e me come



o recado no celular me deixou louco



não esperei nem um pouco

e saí como o vento mais ligeiro

já antevendo muita paixão

muito afago e muito tesão



no meio do caminho no entanto

do meu caminhar prazenteiro

estanquei o passo num espanto

- lembrei que não tinha dinheiro


15.7.2016




22 de jul. de 2016

gente da cidade




(Archibald John Motley, Junior- Bronzeville)







essa gente da cidade

levanta cedo, muito cedo, todos os dias,

para trabalhar,

mesmo que nem precise mais,

que há muito se perdeu

não o sono, mas o sonho



essa gente da cidade

vive pelas ruas e avenidas,

de bar em bar, de toco em toco,

o dia todo,

mesmo que a sombra convide a sentar,

que há muito se perdeu

não a vida, mas o ato de viver



essa gente da cidade

olha e não vê o espelho e a lua cheia,

passa ao largo

de pegadas e gramados,

caça dinossauros e pega onda

em rabos de cometas,

que há muito se quebrou

não o espelho, mas o olho de quem vê



essa gente da cidade

é apenas gente da cidade,

cabeça de papel, pés de borracha,

coração de placebo

e olhos de led e tela plana



essa gente da cidade

cobra a deus e ao diabo

cada passo e cada palavra

dita a esmo em i-phones e i-frascos

de aspirina e gasolina,

corre para as tocas ao fim do dia

para berrar como boi no campo

um gol chorado de seu time

que há muito se perdeu não a ilusão

mas a vontade de vencer



essa gente da cidade

come espaguete com salsicha,

vomita metadona e penicilina,

viaja como gado, vive como galinha,

cerca o padre e o pastor

e pede sempre um dia a mais

para pagar a sexagésima prestação

do carro inútil preso no congestionamento

que há muito se perdeu não a paciência

mas o gosto de conviver



essa gente da cidade

é sim uma gente meio besta,

cafona que só:

não tenho nem um pouco de dó

dessa gente da cidade

não tenho nem um pouco de dó

de mim mesmo

eu, gente da cidade


28.6.2016





21 de jul. de 2016

bom demais




(Patrice Murciano)






bom demais tomar inteira

e de uma só vez

uma garrafa de vinho e depois

depois dormir, talvez sonhar

morrer talvez




18.7.2016

19 de jul. de 2016

Amada dos últimos dias

(Aaron Coberly)





Não sofro por ti, amada minha da última estação,

Não, não sofro.

Por muitas mulheres que amei

Sofri seu desprezo ou sofri sua ausência.

Sofri por ciúmes ou por qualquer besteira.

Todas as mulheres que amei

Por todas fui traído, a todas eu traí

E por isso por elas todas eu sofri.

Mas não por ti, amada minha de meus últimos suspiros,

Não por ti.

Pago o preço e tenho-te. Pago o preço e tens-me, a mim,

Inteiro, sem reservas, sem percalços.

E tenho-te como teria uma ave na mão,

Acaricio-te, dou-te alimento, amo-te e depois te solto.

Tuas asas buscam o sol, buscam o vento, buscam a vida.

Não sei o que fazes dessa liberdade que tens, não a que te dou,

Porque não te dou liberdade, tu a tens, tu a tens porque és assim,

E não sei o que fazes e o que quer que faças está bem feito

E continuo te amando, minha amada de meus últimos invernos.

E tu não cobras o que não posso te dar, dono que sou de eterna inconstância.

Meu coração não chora por ti e não chora por mim

Porque ambos – livres de nós mesmos – somos os amantes dos últimos dias.

E nos amamos assim.





16.6.2016


15 de jul. de 2016

tardes de sol



(Jean Bailly)







tardes de sol

são sempre tardes de sol

e não há vicissitudes humanas

que impeçam o arrebol



sonham-se tardes de sol

mas não se espera o amanhã

troca-se o brilho da pedra

pela febre terçã

e o homem marcha para a noite

a eterna noite

que sempre advém

após cada uma das tardes de sol

porque o destino da vida

é ser vida apenas e nada além




9.7.2016








9.7.2016

14 de jul. de 2016

deo gratias 9




(Cosmo Clark - horse garde parade)







o deus dos crentes é um deus pobre

muito pobre

precisa de grana

muita grana

para realizar suas tarefas celestiais

por isso

pastores espalham templos

por todos os cantos do país



eis os endereços de alguns



templo de salomão da igreja universal do reino de deus

rua do paraíso

número 171



igreja mundial do poder de deus

rua dos mistérios de deus

número 171



igreja pentecostal deus é amor

rua dos anjos do senhor

número 171



assembleia de deus

rua da espada flamejante dos anjos do senhor

número 171



igreja adventista do sétimo dia

rua da misericórdia divina

número 171



igreja de jesus cristo dos santos dos últimos dias no brasil

rua da penitência

número 171



testemunhas de jeová no brasil

rua da esperança em deus nosso senhor

número 171





nesses templos e em muitos outros

o crente que entra rico sai pobre

e o pobre deixa o pouco que tem

mas vão todos para o céu

com a graça de deus e a bênção do pastor



14.7.2016




13 de jul. de 2016

deo gratias 8





(Bosh)



jeovah é um deus engraçado

tem uma porrada de nomes

e é também o inominado



já aprontou muitas estripulias

no velho testamento

hoje parece cansado

como um cão sarnento

a vagar descorçoado

pelos desertos de judá



só exige que se joguem

de vem quando

em represália

só para não perder o viés

umas bombinhas à-toa e meio sem destino

sobre o eterno inimigo palestino



jeovah ficou um pouco mais civilizado

desde os tempos de moisés




12.7.2016

12 de jul. de 2016

deo gratias 7



(Marcos Carrasquer)






deus é assim: de vez em quando

acorda lá do seu sono eterno

ao som de fuzis e metralhadoras

- é gente matando gente

em seu divino nome





então deus se espreguiça

afasta uma nuvem

chama um anjo qualquer

pede uma chávena de chá

um aspersório de plástico made in China

joga um pouco de água benta

em cima da cabeça do assassino

depois volta a dormir seu sono eterno

- enquanto lágrimas de sangue

caem sobre uma boate gay em Orlando

na Florida

Estados Unidas da América

o país que mais curte

nas redes sociais

o nome de deus

o sono de deus




13.6.2016

11 de jul. de 2016

deo gratias 6





(Iman Malek)





Maomé foi à guerra

com o corpo do terrorista

detonou quinze quilos de dinamite

e levou para o paraíso

vinte e duas crianças inocentes



Maomé foi à guerra

e voltou para o céu

com seu alforje cheio

da vida de 22 criancinhas



Maomé não brinca em serviço



11.6.2016

10 de jul. de 2016

deo gratias 5


(Elisha Ongere)






do céu d’África os orixás

- deuses negros e deusas negras –

despejam ojerizas eternas

sobre os homens e as mulheres

e todos dançam

dançam

dançam

e

rodopiam

cobertos de balangandãs

depois de darem em sacrifício

o sangue fresco

de um pequeno bicho qualquer

e os deuses e as deusas

do céu d’África oriundos

montam seus cavalos dançantes

e riem e rodopiam e bebem cachaça

despejando ojerizas eternas

como quaisquer outros deuses

que atormentam a vida

de toda a humanidade



11,6.2016


9 de jul. de 2016

deo gratias 4




(Dino Valls - Acrolisis)






essa história de 72 mil virgens

esperando os mártires do corão

anda azucrinando os domínios celestiais



é que estão faltando lá

operários especializados

em lacre de virgens

e a fila dos que se explodem

está cada vez maior



- dizem alguns que já estão esperando

há quase uma eternidade

por suas 72 mil virgens



5.6.2016

8 de jul. de 2016

deo gratias 3


(Gustave Doré - luxúria)





quando um muçulmano terrorista

explode o próprio corpo

matando alguns infiéis

o profeta espera o infeliz no céu

com setenta e duas mil virgens

e o infeliz se torna feliz

por toda a eternidade

sem perceber

que será um dia com certeza

setenta e duas mil vezes

corno



5.6.2016



7 de jul. de 2016

deo gratias 2




(Henry Fussil - incubus)




todo dia toda noite

em milhares de templos

espalhados por aí

os pastores expulsam

demônios

do corpo dos fiéis

e os demônios expulsos

vagam por aí

em busca de novos corpos

onde se alojar

para de novo serem expulsos



- esses pastores ignoram

o conceito de círculo vicioso






5.6.2016

6 de jul. de 2016

deo gratias 1









quando o papa fica doente

milhões, talvez bilhões

de católicos rezam para

ele sarar



quando o papa enfim morre

milhões, talvez bilhões

de católicos dizem que foi

a vontade de deus



se sempre prevalece

a vontade de deus

para que então tanto tempo

desperdiçado a rezar?



- é que deus escreve torto

por linhas certas



5.6.2016






2 de jul. de 2016

o vento




(Foto s/indicação de autoria)



vem o vento

convida as folhas secas

a dançar a velha valsa de inverno

vem o vento

rodopia o redemoinho em rolos

de pó

folhas

e flores

mortas

num bolero de dois pra lá

dois pra cá

vem o vento

ruge soturno lá embaixo e sobe

pelo tronco das paineiras

lambe os muros

bate as folhas abertas

das janelas assustadas

num samba em ritmo de castanhola

a bateria de instrumentos

do pandeiro à cuíca

roncos

gemidos

batidos

mãos

pés

vozes

dança feroz

abacateiros enregelados

mestres-salas desajeitados

vai o vento como a vida

tudo por ele passa

em passo de passo doble



de repente acaba assim

depois de tudo

e o silêncio desce

soturno

ao fundo

dos vales mortos





26.6.2016


1 de jul. de 2016

águas que correm







(Claude Monet)





rios nos montes nascidos

filetes

fios de pérolas

se escorrem

por preguiçosos leitos

encachoeiram-se em véus

dos céus os arco-íris

espalham-se

sob florestas

fontes de nuvens

fontes de mares

águas que escorrem

em pedras e limos

formando caminhos

caminhos de vida

águas

águas

águas

vivas

em chuvas

e cheias

em cheias

e limo de vida

que nascem finos fios

viram oceanos

rios que correm

rios que morrem

se não os amamos

se deles não cuidamos

rios de vida

rios de morte

nossa a escolha

se vivemos

se morremos

nas águas que correm

nos rios da terra

que descem da serra

filetes

fontes

riachos

ribeirões

rios

oceânicos rios

rios que correm

águas de vida

águas da vida

22.6.2016