4 de dez. de 2012

AMO-TE AINDA


(Tomasz Kafel)



Confrange-me o peito

dizer-te que, sim, te amo ainda,

como sempre te amei. No entanto,

com esse meu louco jeito

que a tudo atrapalha e não deslinda

a vida e todo o seu encanto,

confesso que

não te quero mais.

Mesmo que sofra, eu te digo

que, nunca, jamais

buscarei em ti qualquer abrigo

para tempos de tempestade.

E ainda vou mais longe

nesse dasafio: ainda que

busque alívio ao desfastio

nos beijos loucos

e desejos - poucos -

de outras tantas,

não terão elas de mim

um só anseio que tenha sido teu,

pois não há mais saudade de ti

nas plantas de meu jardim

que neste coração que já morreu.


Joinville, madrugada de 6.10.2012

4 de nov. de 2012

MIASMAS



 (Francis Bacon - landscape)


Repugnam-me os miasmas da metafísica,
fantasmas que ainda assombram a mente
dos homens. Renego a semente maldita
de platônicas elucubrações de semi-ideias
em completa e infinita destruição da lógica:
quero apenas a concretude natural do mundo.

Criação implica criador e disso resulta todo o mal
do mundo. Cuspo o nome dos deuses de todas
as crenças na poeira da estrada que leva às estrelas.
Não existem almas à beira do caminho, mesmo que
insistam em vê-las todos os fanáticos do nada.
 O campo está minado quando a lógica da natureza
se submete a Aristóteles ou a Platão - mortos
insepultos nas piras dos templos, fogos-fátuos
de dois mil e quinhentos anos. Apaguemo-los.
Duraram demais. Falaram demais pelas bocas
de profetas e pregadores - e hoje devem voltar
para o fundo dos mares gregos, como as galeras
de todos os conquistadores que mentiram
sobre a infinitude do homem. Que reste apenas
a pedra - não de Pedro - mas da boa e velha
solidão da Terra a vagar no espaço infinito,
sem miasmas de merdas metafísicas.



Joinville, madrugada de 6/10/2012.

30 de ago. de 2012

ENIGMA





Irei, um dia, sonhar poemas,
não mais escrevê-los.
E a vida, assim, terá o sentido
dos esquecimentos e do não-esperado.
Quando as palavras murcharem
nas telas apagadas de todos os computadores,
o poeta olhará sua obra
e não a reconhecerá: terá esquecido
o significado da palavra porta
e não saberá mais transpor
os umbrais do conhecimento ininterrupto.
E do mundo dos poemas apenas imaginados
virão as cinzas do vulcão enfim extinto.
E a vida, assim, concentrará
o enigma de sonhos que são apenas sonhos.
Nada mais.




8 de abr. de 2012

Poemas de amor

(Gianni Strino)





não sei por que escrevo toscos poemas de amor

não sei e não quererás nunca saber

sigo apenas o que sente e o que manda esse desconforto

com que vivo cada momento em que penso

em que penso como seria a vida, como seria,

se não escrevêssemos todos os tolos poemas de amor
6.9.2010

22 de fev. de 2012

Nosso amor

(Fernando França)





na tarde que esfria

frio sinto o meu coração

não, não ria

por detrás de cada porção

de versos, de descaminhos

estão aqueles mesmos carinhos

que guardei para ti

assim, bem aqui,

e que, amiga, nunca mais quererás




deixa-me, te peço, te imploro,

está finalmente em paz

meu frio coração, não mais choro

os versos, os descaminhos

de nossa antiga paixão




guardo, sim, os espinhos,

todos os espinhos de nossos caminhos

como quem guarda na tarde fria

um tosco cobertor

em que um dia, somente por um dia,

agasalhamos o nosso amor



6.9.2010

16 de fev. de 2012

Porque éramos jovens

(Jean Bailly)





Porque éramos jovens,

Havia uma lua torta no céu

E olhos atentos para a nave espacial



Porque éramos jovens,

Nasciam paixões avassaladoras

Por trás da mangueira em flor



Porque éramos jovens,

Riscava o céu um foguete de esperança

E o mundo caía a nossos pés



Porque éramos jovens,

Nada era apenas uma palavra

Grotesca, sem dúvida, mas uma palavra apenas



Porque éramos jovens,

Ouvíamos e cantávamos as canções

Possíveis e impossíveis



Ah, porque éramos jovens,

Lua, paixões, esperanças, canções

Nada mais eram que arados

A riscar de vida o chão de nossos corações...



Porque éramos jovens!



13 de fev. de 2012

felicidade



(Airton das Neves)


(para Eliana Iglesias)







quando bebo uma xícara de café quente,

feito na hora, com o suave aroma enchendo a casa,

eu sou feliz




quando leio um verso que fiz há muito, esquecido num arquivo

do computador e encontro nele um laivo de poesia,

eu sou feliz




quando caminho pela rua sem pensar em nada,

solitário caminheiro anônimo até de mim mesmo,

eu sou feliz




quando viajo de automóvel e o vento bate em meu rosto,

trazendo da mata o suave canto de pássaros desconhecidos,

eu sou feliz




quando vejo teus olhos nos meus, sinceros, falando

coisas comuns de nosso dia-a-dia, enquanto me calo,

eu devo lhe dizer que me calo, sim, porque naquele momento

eu sou feliz




porque, amiga, não há no mundo nada que faça

que o homem tenha felicidade, mas há sempre

em pequenos gestos, em mínimos momentos,

um sentimento firme de que se é feliz, só, ali,

naquele instante em que o mundo para e olha para ti.



4 de fev. de 2012

NARIZES

(Daumier - Endymion)



Há narizes e narizes:
de todos os matizes,
negros, brancos, amarelos.
Há-os feios, há-os belos.
Narizes verdadeiros
de boa genética
e melhor ética
e há narizes falsos,
feitos em falsas curvas
mais que perfeitas.
Narizes redondos
como um caqui
e narizes arrebitados
talhados, moldados
a golpes de bisturi.
Há-os como celeiros,
ventas bravas de pêlo e pó,
máquinas espirrantes
por quaisquer cheiros.
Também há narizes
chatos de dar dó,
e narizes compridos
como eles só,
mas todos matrizes
de praças do interior:
promontório do rosto,
causam riso ou desgosto,
à vezes tristeza
mais do que dor.
Mesmo com a beleza
de fruta ou de flor,
mesmo grosso ou fino,
causam desatino
se na doce paragem
desafinam com gosto
do resto da paisagem.

26 de jan. de 2012

VOLTA









Rodo o mundo e volto sempre

para a velha e boa poesia.

Faz-me, quando a quero, companhia

sem nem se queixar de que fui embora.

Dá-me sonhos e os meus sonhos explora

como se fosse eu o seu espelho.

Conta-me casos de quase sonhos

e torna-me muito mais velho

do que realmente sou, dando

mais saber ao meu verso torto,

rindo de mim enquanto vou sonhando.

Não se importa de me ver morto

do cansaço de longas lidas,

espelha em seu verso minhas vidas,

não estranha em entrecortadas rimas

as aventuras que não vivi.

Empresta-me suas poucas limas

com que aparo arestas que sofri.

Por isso pelo mundo eu caminho

e volto sempre que eu preciso

para da poesia o suave ninho

que me abriga em seu sorriso.



19.9.2005

18 de jan. de 2012

Versos perdidos

(A. Andrew Gonzalez)


Ontem à noite em leito insone
pensei nuns versos maravilhosos que havia de escrever
assim que de posse de papel e tinta.
Um poema a deixar boquiabertos
todos que o lessem. Uma obra-prima a ser
transcrita em todas as antologias
de todas as editoras. A ser estudada por mestres
de todas as universidades e levadas entre as
folhas de cadernos e agendas de todos
todos os estudantes.
Versos tão fortes
e belos
e místicos
e reais
e profundos
míticos loucos verdadeiros emocionantes múlti
épicos e líricos que
alguém os colocaria a circular
no espaço virtual da internet. E lá, talvez,
na Austrália, no Japão, na Europa
ou na América (do Sul, Central e do Norte) morta,
um mísero escrevente brasileiro saudoso
da Pátria, em seu exílio voluntário,
esquecesse por um breve momento
o trabalho e o dólar suado de cada dia,
para lê-lo com ternura
e imaginar o sonho que estaria sonhando
se no Brasil ainda estivesse. E na tela
de um loucomputador
em mil pontos de luz transformado, o poema
ganharia o sentido de vidas só de esperanças vividas.
E comoveria. E abriria os corações a chamas
mais profundas de amor e solidariedade.
Pois é, mas a internet
e todos os mestres e alunos e expatriados
e apátridas – todos –
ainda vão ter de esperar pelo magnífico
poema que, à noite, em meu leito insone
imaginei.
Ao levantar-me após delírio,
o sol da manhã de outono desfizera
como gota de orvalho em folha morta
o poema.
E restou, apenas, na boca, o saibro amargo
da decepção.
São Paulo, 23.5.1995



10 de jan. de 2012

UM POEMA



(Amy Race)





De repente, assim, no meio da tarde,

Uma urgência rara,

Uma vontade louca

De sentar e escrever – 

Não importa quão longo ou tão curto – 

Um simples poema.

Ah! Um poema, um poema

Que não fale de amor ou saudade,

Que não cante pátria ou valores humanitários,

Apenas um poema de doce aroma repleto,

Alienado do mundo como tantos outros

Que leio por aí,

Apenas um poema que grite para mim

Da grande vontade de traçar alguns versos

Bem soltos e livres na página em branco

De papel ou do computador,

Apenas um poema que rasgue o meu peito

Em formato de bicho ou de flor,

Sem nenhuma cerimônia, sem nenhum respeito,

Mordendo e colhendo aqui e ali, uma rima justa

Ou um som mais rarefeito.

No ar da tarde que arde lá fora,

Não importa que tenha tal gosto

De comigo ficar ou de ir embora,

Basta que sejam versos bem livres

De teias e redes, estonteante beija-flor

Absorvido na faina de sobreviver mais um pouco,

Meu doceamargo poema de primavera,

Sem eira nem beira por longes telhados

Trepado aqui e ali, buscando apenas voar.

Doce pássaro alheio ao burburinho que vem

Da rua e dos ares em roncos de motores,

Um simples poema que cante somente

O ainda estar vivo e poder versejar.







(Terça-feira, 15 de outubro de 2002)

7 de jan. de 2012

Não há sonho

(Ionone de Bangcas - denuded justice)







Não há sonho
quando se pede só o gozo.
Não há ventura
quando se sonha só por sonhar.
O homem é múltiplo
e a vida passa como a enxurrada
em dia de tempestade.
Se peço o teu beijo
e me dás o nojo,
levo comigo a alma podre
que negas em dar.
Não quero o teu sonho.
Não quero teus gozos.
Não quero os teus sonhos.
És inseto que esmago
na palma da mão.


(um poema estranho, datado de 5.4.00, reencontrado em 18.2.02)

6 de jan. de 2012

até que enfim

(Fritz Aigner)




até que enfim voltei
voltei para a poesia
voltei
houvesse não
a poesia
não mais corria o córrego
no fundo do vale
(não importa quão sujo seja o córrego que corre no fundo do vale)
houvesse não
a poesia
e não mais uivava à lua o cão
no meio da noite
(não: não importa que o cão seja sarnento e a lua tenha sido fodida pelos pés sujos de um americano qualquer numa noite de lobisomem)
voltei
isso o que importa
para a poesia eu voltei
houvesse não
a poesia
e eu seria
apenas um homem que caminha no meio da vida em busca de merda
(não importa porra nenhuma o que digam desses versos que nem parecem versos)
houvesse não
a poesia
e eu estava morto
para sempre morto no meio da merda dessa vida

(terça-feira, 19 de junho de 2001)