30 de ago. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 2


(Guennadi Ulibin)



Biguebangue




o caos a luz o caos a luz o caos a luz o caos a luz o caos a luz o caos

o caos a luz o caos a luz

o caos a luz o caos

o caos a luz o caos

a força a treva a força a treva a força

a força a treva a força a treva

a força a treva a força

a força a treva

a força


à força


o sangue a dor o sangue a dor o sangue

o sangue a dor o sangue a dor

o sangue a dor o sangue

o sangue a dor

o sangue


a vida à vida ah vida ávida




BIGUEBANGUE!

28 de ago. de 2010

POEMAS ESPARSOS - 1
























(Guennadi Ulibin)







No céu a lua







No céu a lua


corno crescente


pálida e nua:mais presente


que o rosto angelical


de musas românticas...


No mar o temporal


leva ao vento a vela


enfunada e branca.


Luta por ela


um louco marujo.


E a vela em lua,


embora solta,


resiste ao vento.


Assim fendida


em dobras rotas


a vela vai


levando o barco.


No céu a lua.


No mar a vela.


No peito a dor


do velho marujo.


Estanca o vento


vence à onda


o lenho tosco


na luta atroz


contra a tormenta.


Estanca o vento,


não a dor.


Vento vira brisa.


Perde a força a procela.


Jogada à própria sorte


flutua à lua


a branca vela.


Jogado ao leme,


o audaz marujo


encontra a morte


ao ver na lua


a imagem nua


o rosto branco


de uma mulher.





12.11.91

23 de ago. de 2010

HOJE EU TENHO 130 ANOS



(Lavras: Pça. Dr. Jorge - c.1930)

(Para o amigo Vitório)



Hoje eu amanheci com cento e trinta anos.
Lembrei toda a minha vida, mas acima de tudo, lembrei
a vida de um amigo.
Vivi e revivi cada minuto,
cada dia,
cada semana,
cada mês,
cada ano
que juntos vivemos por esse mundo sem fim.
Crescemos juntos e juntos vivemos – não importou nunca
se um longo e tortuoso caminho nos separava;
não importou nunca se montanhas e vales
nos separavam. Não, não importou nunca.
Éramos amigos e isso bastava.
Revivi bondes e ruas tortas de uma cidade, Lavras chamada,
tão amada por ele, tão madrasta para ele.
Revivi jabuticabeiras e mangueiras em lenha tornadas.
Revivi campinhos de futebol ao longo da linha do trem.
Revivi poços e riachos de tardes molhadas.
Revivi o velho grupo escolar, a velha praça, os velhos amigos.
Tudo, tudo muito velho para nossa ânsia de juventude.
Revi e revivi lutas campais na velha praça,
onde o mocinho de revólver de espoleta espantava bandidos
e salvava mocinhas indefesas.
Sonhei de novo o nosso futuro nas asas de pássaros metálicos,
que ele um dia, mocinho de capa-e-espada,
cavalgou pelos sertões de Minas.
Sonhei de novo augustos sonhos de meninos pobres.
E não pude sorrir, como sorríamos, de cada piada torpe,
que nos contávamos nas noites de lua nas montanhas de Minas.
E não pude de novo me divertir com as sessões de cinema
a que teimávamos em assistir, nas manhãs de domingo.
E não pude de novo correr pelos campos e vales
como fazíamos em busca de aventuras fantásticas.
E não pude de novo rodar o pião,
soltar papagaios,
jogar futebol até a bola sumir na escuridão,
nem subir de novo na velha mangueira ao por do sol,
para ver a noite chegar.
Não, não pude de novo sentar na velha praça
ao pé da tipuana, para sonhar e trocar sonhos
que não realizaríamos nunca.

Por que não posso de novo ter os pés descalços?
Por que não posso de novo cantar a tabuada
sentado nas velhas carteiras do grupo escolar?
Por que não posso de novo sonhar
com a história do cavalo com a estrela na testa
que ouvíamos das velhas mestras no grupo escolar?
Por que não posso de novo subir os velhos morros
atrás da lua cheia? Por que não posso caminhar pelos caminhos
da Via Láctea e esperar surgir no céu o velho Cruzeiro?
Por que não posso de novo caminhar pelos trilhos
e passar com medo por túneis e casarões antigos?
Por que não posso rever no brilho de nossos olhos o brilho
das chamas de incêndios estranhos? Por que não posso de novo
bater continência no desfile do dia da Pátria?

Por quê? E meu coração se comprime, velho amigo, para lhe dizer
que sequei todas as lágrimas que tinha para chorar.
Porque, velho amigo e companheiro, não tenho mais
a sua presença de todos os dias – não importou nunca
a distância – na minha vida:
porque você, velho amigo, não devia, não, não devia,
mas você se foi para o mundo cinzento das lembranças distantes.
Eu? Eu sobrevivo. Sabendo embora que sobreviver
é tantas vezes olhar para trás e contar
os amigos que partiram, até que um dia
também eu me torne um número a mais na lembrança
de alguém. Não importa, companheiro velho,
amigo de tantos anos que não me lembro quantos,
você é e será sempre em minha memória
aquele que viveu comigo tantas vidas, tantas,
que hoje amanheci com cento e trinta anos: os meus
e os teus tantos. Que comigo os levarei, a esses anos todos,
enquanto existir. Adeus!





(Vitório Pereira Resende : 1944 – 2010)



16 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 24


Quero escrever à Neruda









Quero escrever à Neruda
toda a desesperança numa só canção.

Se mais de vinte poemas de amor te dediquei,
não há nenhum com a sonoridade trágica
da língua de Cervantes. Creio, no entanto,
que bastam no papel manchado as minhas lágrimas
e o sangue que brota de cada letra. Puedo
escribir los versos más tristes... Pensar
que no tengo. Sentir que la he perdido.
Mas não posso atingir com meus versos
teu coração fugidio, a tua alma em pedra transformada.

Caia sobre ti meu desejo para sempre adiado,
como a rocha sobre o mar,
caia sobre mim a noite mais que eterna
da saudade inesgotável a jorrar em cascatas
de meu pobre coração abandonado.

Não mais te quero, de tanto querer-te um dia,
não mais teus lábios sobre os meus lábios ansiosos,
não mais tuas mãos entre as minhas a tremer,
não mais teu corpo a vibrar de encanto e prazer,
não mais, ó doce esperança de um dia ainda seres minha.

Passe a vida, embora, a chamar por ti,
sei que estarás surda a meus lamentos.
Se sofres, não o digas, como digo a ti
em versos loucos todo o tormento de minha alma.

Eras única e disso não te apercebeste.
Eras minha e serás sempre minha, ainda que
teu corpo se esquive à minha paixão,
em sonho, em sonho, amada, és meu paraíso,
e do fogo que há bem dentro de ti,
ficará para sempre uma pequenina chama
de tudo quanto por ti me desesperei.
12.7.94

(Ilustração: Picasso)




FIM
DOS "POEMAS DE LOUCO AMAR"

14 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 23



Não vem de ti a minha angústia









Não vem de ti a minha angústia,
já faz muitas eras
esse estado absoluto de incerteza.
Navego ao vento que vem de estrelas
do passado ao futuro inatingível
para ficar só comigo mesmo
e sentir em ti a emoção primeira.
Sou apenas o que foge.
Sou apenas o que sente.
Preso em mim, só me resta o tempo
de ficar em tempo algum.
Resgato em dor a dor de outrora,
transporto em grito ao vento inútil
ao sabor de sonhos o sonho de amar-te.
Toco apenas de leve com minhas asas
teu sorriso preso a um tempo estranho.
És deusa do tempo prisioneira
e eu, mortal a transgredir o tempo,
passo com meu vôo ao vento
e não alcanço nuca teus lábios frios.



8.6.94


(Ilustração: Picasso)

13 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 22




Quando mergulho em teus cabelos











Quando mergulho em teus cabelos,
em busca de doce sonho,
cada vez mais me ponho
no centro de meus pesadelos.
No vórtice de ventos em vendavais,
meu ser torna-se pó, átomo e nada
e sou aquele que sofre mais
ao penetrar na caverna angustiada
de minha mente insana e vagabunda.
Monstros perdidos de priscas eras
mistérios criam e minha alma afunda,
presa em muros de densas heras
e florestas tropicais de retorcidos troncos,
transformada em mil pedaços de seres broncos
no primitivo ato do primeiro amor.
Olhos de cores várias, plissados de sangue,
refletem nas pupilas arregaladas
tormentos vis de minha alma exangue.
Raízes em abraços loucos entrelaçadas
revivem nos detalhes os meus tormentos:
são seres vivos moldados aos ventos
das eras em êxtase e agonias mil.
No céu plúmbeo e no mar de anil,
revoltas volutas de ventos vários
retorcem os raios do raro e róseo instante
em que meu ser, em luz vibrante,
quebrou todos os sagrados relicários
para nascer de novo em nova luz.
E minha alma não precisa mais daquele deus
que sofre em vão pregado à cruz,
pois enfim derramado o sangue dos filhos meus,
passo a ser eu mesmo a pregar o novo mundo.
Morre o símbolo, renasce a paz
no abismo de ser, no abismo mais profundo,
tudo o que era dor em dor se desfaz,
tudo o que era peso em névoa se transforma.
Não luto mais à procura de ti,
pois, alquimista de minha alma que se forma,
reencontrei no ouro dos teus cabelos tudo quanto já perdi.


(s/d)

(Ilustração: Picasso)

10 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 21


Sonho-te em brumas envolvida









Sonho-te em brumas envolvida,
princesa louca do meu reino em caos,
a fazer de nuvens o chão sob os meus pés,
num devaneio alucinado de sombra e luz.
Teu desejo explode num breve instante
e deixa em trevas meu pobre coração.
Teu beijo traz estigmas e promessas
de futuros que se tornam desesperos.
Afogo-me na crença sempre inútil
de te ver em explosões de prazer a enlouquecer,
mas deixo no teu rosto marcadas
cicatrizes de meu desejo louco,
de afundar meu reino em teu ventre impuro.

24.9.93


(Ilustração: Picasso)

8 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 20


Por que te quero









Por que te quero
se teimas em negar?
Por que te espero,
Se agora sei te desprezar?
Por que me angustio,
ao ver-te linda e louca,
se teu beijo frio
não pousará em minha boca?

Não sei o que se passa
nas ligações neuróticas
de minha mente, que estilhaça
em desesperanças caóticas
o parco equilíbrio de meu ser.
Mas faço em tiras o meu peito,
para garantir o meu direito
de, mesmo de longe, te rever.

30.6.93


(Ilustração: Picasso)

6 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 19


O fogo que te queima











O fogo que te queima
não derrete o gelo eterno
de meu peito em neve.
Se te levo aos píncaros,
do teu gozo atesta apenas
o gosto azedo
do limão-bravo.
Se me torno teu escravo,
do sexo que perfuma meu corpo
fica apenas a fragrância
do mel que há no pólen.
Ouço teus gemidos
a ressoar em eco na caverna
de meu peito vazio,
mas a mente divaga
ao som de cantos vagos
de sereias inexistentes.
Mas, apesar da dor,
além do simples prazer,
recrio em fogos de artifício
o amor outrora tido,
para amar a sombra
de tudo que temos perdido.

30.6.93


(Ilustração: Picasso)


4 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 18


Assim que voltares









Assim que voltares
das serenas plagas onde sonhas,
retira do peito o coração
que te ama
e sopra um pouco de paz
à mente conturbada que te espera.

Assim que voltares
das esferas celestes onde como anjo
ou demônio disfarçado
reinas,
reacende nos olhos
que só têm luz para ti
a visão de paragens outras que não
os teus próprios olhos.

Assim que voltares
de zonas proibidas de desejos e entregas,
transporta de teus revoltos mares
para a praia do meu esgar
a rosa-dos-ventos do destino,
para que, enfim, livre de ti,
este coração que pulsa no teu ritmo
readquira
a real capacidade de te amar.




17.6.93



(Ilustração: Picasso)



2 de ago. de 2010

POEMAS DE LOUCO AMAR - 17


Sim, mil vezes sim, minha senhora









Sim, mil vezes sim, minha senhora,
devo dizer-te quanto te amo,
sujeite o coração, embora
a perder tudo quanto reclamo.

Teu desprezo, no entanto, torna inútil,
as vezes mil tantas repetidas
as palavras doces do meu verso inútil
a pedir-te sempre que tu decidas.

Sei, senhora, que me amas. Não dizes
porque te persegue o medo de meu amor.
Mas, não sabes que em meio a tantas crises,
tenho sempre meu coração a teu dispor.

Se te busco e tu me foges, mais aumenta
no peito a dor de te ver indiferente.
Peço-te, mil vezes, peço-te: experimenta,
uma vez apenas deixar-me contente.

Verás, então, senhora, quanto tempo
perdeste no capricho de teu medo,
ao sentires mais forte que o vento
esse amor que insistes em matar tão cedo.


14.6.93


(Ilustração: Picasso)