26 de jan. de 2012

VOLTA









Rodo o mundo e volto sempre

para a velha e boa poesia.

Faz-me, quando a quero, companhia

sem nem se queixar de que fui embora.

Dá-me sonhos e os meus sonhos explora

como se fosse eu o seu espelho.

Conta-me casos de quase sonhos

e torna-me muito mais velho

do que realmente sou, dando

mais saber ao meu verso torto,

rindo de mim enquanto vou sonhando.

Não se importa de me ver morto

do cansaço de longas lidas,

espelha em seu verso minhas vidas,

não estranha em entrecortadas rimas

as aventuras que não vivi.

Empresta-me suas poucas limas

com que aparo arestas que sofri.

Por isso pelo mundo eu caminho

e volto sempre que eu preciso

para da poesia o suave ninho

que me abriga em seu sorriso.



19.9.2005

18 de jan. de 2012

Versos perdidos

(A. Andrew Gonzalez)


Ontem à noite em leito insone
pensei nuns versos maravilhosos que havia de escrever
assim que de posse de papel e tinta.
Um poema a deixar boquiabertos
todos que o lessem. Uma obra-prima a ser
transcrita em todas as antologias
de todas as editoras. A ser estudada por mestres
de todas as universidades e levadas entre as
folhas de cadernos e agendas de todos
todos os estudantes.
Versos tão fortes
e belos
e místicos
e reais
e profundos
míticos loucos verdadeiros emocionantes múlti
épicos e líricos que
alguém os colocaria a circular
no espaço virtual da internet. E lá, talvez,
na Austrália, no Japão, na Europa
ou na América (do Sul, Central e do Norte) morta,
um mísero escrevente brasileiro saudoso
da Pátria, em seu exílio voluntário,
esquecesse por um breve momento
o trabalho e o dólar suado de cada dia,
para lê-lo com ternura
e imaginar o sonho que estaria sonhando
se no Brasil ainda estivesse. E na tela
de um loucomputador
em mil pontos de luz transformado, o poema
ganharia o sentido de vidas só de esperanças vividas.
E comoveria. E abriria os corações a chamas
mais profundas de amor e solidariedade.
Pois é, mas a internet
e todos os mestres e alunos e expatriados
e apátridas – todos –
ainda vão ter de esperar pelo magnífico
poema que, à noite, em meu leito insone
imaginei.
Ao levantar-me após delírio,
o sol da manhã de outono desfizera
como gota de orvalho em folha morta
o poema.
E restou, apenas, na boca, o saibro amargo
da decepção.
São Paulo, 23.5.1995



10 de jan. de 2012

UM POEMA



(Amy Race)





De repente, assim, no meio da tarde,

Uma urgência rara,

Uma vontade louca

De sentar e escrever – 

Não importa quão longo ou tão curto – 

Um simples poema.

Ah! Um poema, um poema

Que não fale de amor ou saudade,

Que não cante pátria ou valores humanitários,

Apenas um poema de doce aroma repleto,

Alienado do mundo como tantos outros

Que leio por aí,

Apenas um poema que grite para mim

Da grande vontade de traçar alguns versos

Bem soltos e livres na página em branco

De papel ou do computador,

Apenas um poema que rasgue o meu peito

Em formato de bicho ou de flor,

Sem nenhuma cerimônia, sem nenhum respeito,

Mordendo e colhendo aqui e ali, uma rima justa

Ou um som mais rarefeito.

No ar da tarde que arde lá fora,

Não importa que tenha tal gosto

De comigo ficar ou de ir embora,

Basta que sejam versos bem livres

De teias e redes, estonteante beija-flor

Absorvido na faina de sobreviver mais um pouco,

Meu doceamargo poema de primavera,

Sem eira nem beira por longes telhados

Trepado aqui e ali, buscando apenas voar.

Doce pássaro alheio ao burburinho que vem

Da rua e dos ares em roncos de motores,

Um simples poema que cante somente

O ainda estar vivo e poder versejar.







(Terça-feira, 15 de outubro de 2002)

7 de jan. de 2012

Não há sonho

(Ionone de Bangcas - denuded justice)







Não há sonho
quando se pede só o gozo.
Não há ventura
quando se sonha só por sonhar.
O homem é múltiplo
e a vida passa como a enxurrada
em dia de tempestade.
Se peço o teu beijo
e me dás o nojo,
levo comigo a alma podre
que negas em dar.
Não quero o teu sonho.
Não quero teus gozos.
Não quero os teus sonhos.
És inseto que esmago
na palma da mão.


(um poema estranho, datado de 5.4.00, reencontrado em 18.2.02)

6 de jan. de 2012

até que enfim

(Fritz Aigner)




até que enfim voltei
voltei para a poesia
voltei
houvesse não
a poesia
não mais corria o córrego
no fundo do vale
(não importa quão sujo seja o córrego que corre no fundo do vale)
houvesse não
a poesia
e não mais uivava à lua o cão
no meio da noite
(não: não importa que o cão seja sarnento e a lua tenha sido fodida pelos pés sujos de um americano qualquer numa noite de lobisomem)
voltei
isso o que importa
para a poesia eu voltei
houvesse não
a poesia
e eu seria
apenas um homem que caminha no meio da vida em busca de merda
(não importa porra nenhuma o que digam desses versos que nem parecem versos)
houvesse não
a poesia
e eu estava morto
para sempre morto no meio da merda dessa vida

(terça-feira, 19 de junho de 2001)