31 de dez. de 2015

mistério









busca-se no fundo do tempo
desvendar o mistério
da origem da vida

 mas da vida o mistério maior
não é como começou
- é por que tudo termina


20.6.2015

23.10.2015

30 de dez. de 2015

bruxa




(A. não identificado)




quero uma garupa
na sua vassoura

aliás quero uma garupa
na vassoura de qualquer bruxa
para voarmos por aí como sábios
e quando passarmos pelo disco da lua
acariciar seus seios e beijar seus lábios
para senti-la enfim livre e nua



29.12.2015

29 de dez. de 2015

fúria




 (James Jebusa Shannon - cuentos de la selva -1895)



não há fúria em meus versos
mesmo quando motivos não faltam

não é a vida calmaria em noite serena
ou luar sombreando mangueirais
gritar e berrar no entanto para quê
se os ouvidos estão sempre surdos
ao bater dos pés ao som dos tambores

curta-se a vida tão curta quanto seja
e não se espere que ela nos recompense
com o viver ameno dos pássaros em voo
que flanam aos ventos e às tempestades
ou como os peixes mudos dos oceanos
a cumprir a rotina de correntes e marés

curta-se a vida com o peso que lhe damos
e sejamos capazes de olhar para trás
e ver não só o passado que vivemos
mas também a vida que deixamos de viver



16.12.2015

28 de dez. de 2015

destinos





(Claire Milbrath)




aves - nasceram para voar
peixes - nasceram para nadar
homens - nasceram para rastejar
mulheres? - para tripudiar



22.12.2015

27 de dez. de 2015

os deuses




(Durer: apolo e diana)



queimemos todas as bíblias
joguemos ao mar alcorões e cabalas
destruamos todos os templos
é preciso dar um basta aos deuses
venham eles de onde vierem

não tenhamos contemplação
com aqueles que pregam mentiras
em nomes desses profetas incongruentes e mesquinhos
calemos suas vozes para sempre
eles - os profetas com suas barbas podres -
 não trouxeram nada de bom para a humanidade
inútil buscar em suas obras algum bem
enganam
mentem
escravizam
matam
e traem

são seres desprezíveis todos os humanos
que acreditam em palavras sagradas

mas não os condenemos
deixemo-los viver e aprender que a vida
tem mais mistério e beleza num grão de areia
do que toda a sua paupérrima pregação de céus e infernos
do que em todos os templos erguidos
com sangue
com suor
com lágrimas
para eternizar um deus que não cabe em si mesmo

cuspamos na cara dos deuses representados
como caricaturas deles mesmos - eternamente humanizados
como rascunhos de forças que não existem

os ventos do deserto são apenas os ventos do deserto
não trazem epifanias para fanáticos embrutecidos
por hóstias e virgens de paraísos de fogo-fátuo
não precisam de muros e lamentações os ventos do deserto
para soprarem sempre com fúria ou com ternura

não há o dedo de deuses obtusos na queda de folhas
nem nos desígnios dos homens
há somente mistérios na natureza
quando não abrimos ainda o seu livro
nem deciframos os seus códigos

olhemos para o espaço e contemplemos o passado
nas estrelas que brilham em distâncias de anos-luz
sejamos céticos sempre em relação aos pretensos deuses
e deixemos que se cumpra em cada um de nós
a natureza com sua ciência e seus mistérios
sim, destruamos os vestígios de deuses,
na mente dos homens e das mulheres,
na vida do homens e das mulheres,
não precisa o ser humano de livros sagrados
que não sejam os signos de seus passos
em cada marca na estrada da história

mas espere, os deus são tão inúteis
e são tão obtusos os seus profetas que...

não, não é preciso queimar bíblias
não, não é preciso destruir templos
não, não é preciso perseguir os pregadores
não, não é preciso cuspir nos profetas
basta que lhes demos o devido lugar
no panteão da estupidez humana
e deixemo-los para sempre
fossilizados nas pedras do tempo
mortos dentro de nós
encontrarão na eternidade do tempo
a tumba de onde nunca deviam ter saído





11.5.2015








26 de dez. de 2015

bem-te-vi




(Zdzisław Beksiński)



antes de vir o dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
estreia o tempo da busca o tempo de tudo
sabe-se apenas que o vento que sopra vem do mar
traz boas novas a última estrela a se apagar
navega a vida as velas abertas ao vento mudo
não chora a criança que nasce com medo da vida
cava o caminheiro a cada passo seu próprio caminho

ao meio-dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
somam-se forças e o vento que sopra vem do norte
o passo largo chuta horizontes e não deixa marcas
das pedras do caminho nascem fortalezas
não há olhos para o passado nem passos na areia
o jovem que se ergue a cada possível tombo
desafia florestas e desertos e ouve apenas o vento

ao fim do dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
sobre os escombros perpassa agora um vento
que vem de longe sem que se saiba de onde veio
lobos e hienas são os convidados para o festim
há sangue nas pedras e penas no coração
o homem que caminha tem ainda o poder
de domar o rio em pororoca na mudança da maré

grita ali o bem-te-vi não mais no meu quintal
o som soturno que vem do gelo quebra o grito
em três lamentos repetidos do pássaro ferido
seu grito não tem forças para o próximo aviso
cobre a copa das árvores o branco da neblina
cobre o dorso do homem a tormenta da dúvida
faz-se da face em prantos a máscara rotunda

não chora não marcha não luta e tudo é mudo
e tudo é feio e tudo desencanta enfim
no grito triste no grito rouco do bem-te-vi






2.12.2015


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste link de podcast:

22 de dez. de 2015

destemor





(Saturno Buttò)




inexoravelmente envelheci
e envileci
devolvo ao mundo as escarificações
que deixou em meu rosto o tempo
e arranco desse mesmo tempo
agora com ódio em cada passo
cada segundo de vida que ele me permite
não apenas vil
não apenas desesperado
não apenas inconformado
mas guerreiro de ossos alquebrados
e alquebrado ritmo de vontade e força
mesmo assim inexoravelmente luto
ao tempo que me resta
talvez não baste o golpe que lhe desfiro
ao tempo que ainda tenho
talvez não importe o meu envilecimento
tardio sim
acrescido todavia das pedras e espinhos
arrancados da pele ao longo dos caminhos
que me vença um dia o maldito
não me baixe a cerviz enquanto houver
um pouco de luz em meus olhos pardos
e o passo derradeiro fique marcado
não no assombro mas no destemor


22.12.2015




20 de dez. de 2015

novo amanhã



(Gerben Mulder - nude on a beach)



é preciso ter tomado
um litro e meio de cachaça
é preciso estar irado
com a mente bem baça
para compor certos poemas
dizer das penas
e das rasteiras da vida
é preciso ter culhão
para dizer o que vai no coração
se no coração nascessem palavras
em vez de apenas batidas
se a vida fossem vidas
não as tormentas arrependidas
de besteiras que a gente faz
uma noite basta e toda a paz
que se pensou era uma merda
a vida que cai como uma torre
talvez seja o sal que se herda
talvez seja o mel que se lambe
mesmo que o sangue que corre
e pelas ruas se esmolambe
o papel que se criou num palco
tão louco quanto a própria espera
aqui me dou o que me dera
que você me deixou em paz
sou sim o louco o que desfaz
a lenta e liquefeita quantia
de amor em dólar e orgasmo
que teu desejo se transubstancia
em apenas um espasmo
da boca louca que espouca em riso
enquanto em mim a tragédia
se transforma em comédia
e eu sou o seu carneiro
na pira a arder de desejo
aspirando a ser um dia quem sabe
no meio de todo esse vespeiro
a porra que escorre do seu harpejo
quando a lua em sua nuca se enquadre
a iluminar a missa de deus e satã
unidos enfim no seu desejo
para inaugurar em seu corpo
o ensejo de um novo amanhã




22.11.2015

18 de dez. de 2015

cave cane



(Paula Rego - mulher-cão)






deus é um cão


perdido no espaço

uivando de dor

rastejando e babando

pelos cantos infinitos

das galáxias




deus late e abana o rabo

deus sabe que levará

um pontapé no rabo

e vai depois uivar

muito além de Plutão




deus já aprontou tantas

cavando todo o quintal

urinando no sofá

cagando no tapete

que agora com o rabo

entre as pernas

sabe que não terá

nenhum tipo de perdão

um chute no rabo

é o mínimo que ele espera




depois disso nem um osso

um osso de dinossauro

vai sobrar para roer

e deus será mais um

cão perdido no espaço






6.10.2015

17 de dez. de 2015

dia de silêncio




(Gianni Strino - dolce far niente)




há dias em que é preciso
o silêncio absoluto
não falar
não ouvir
apenas sentir
não o mundo lá fora
cheio de ruídos
mas o que se passa dentro da gente

há dias que é preciso
não ouvir nem o canto dos passarinhos
para que o canto de nossas emoções
entoe a melodia do encontro
de nossos pensamentos com nossos sentimentos

há dias que é preciso
não ouvir nem música nem vozes
para que o silêncio repercuta e aprofunde
tudo aquilo que imaginamos ser
a nossa vida interior

há dias sim que é preciso
o silêncio assustador
do sangue correndo em nossas veias
e das palavras abstratas conectando
sinapses de nosso cérebro

e desse dia de silêncio não é preciso
que brotem ideias brilhantes
que salvem o mundo
mas dele saiamos mais humanos
e olhemos a vida com os olhos
de quem nasceu nesse dia
e está chorando apenas
porque levou um leve tapa na bunda



23.22.2015

16 de dez. de 2015

rascunho




(Igor Belkovsky)





fugidias as palavras


com que rascunho


na página em branco


o vício e alimento


de minha vida






os versos tortos


alinhavados como costura


agulha conduzindo a linha


linha a linha no cerzido


tecem os dedos cada sulco


pequenos abismos


na terra que trilhei






perdidos lamentos


estranhos desencantos


passos deixados em marcas


nas pedras do rio






as palavras soltas


as frases sem acabamento


a sintaxe frouxa


que importa?


a vida pulsa e o verso


corrige seu rumo


da vida para o nada


2.11.2015

13 de dez. de 2015

jambo







(Erich von Götha) 







tem o teu sexo o sabor perfumado


do jambo maduro caído do bico


do pássaro desastrado






quintal de selva e espanto


revive o tempo a cada espasmo


e tece a tela de azul primavera


o mundo todo num só orgasmo






busco cheiros de eu menino


a plantar na terra molhada


do jambo o caroço bifurcado


ave em ninho acomodada






permanece em meu corpo o teu cheiro de jambo


como a segunda pele ao prazer dedicada


estranho fruto doura e perfuma o paladar


e faz de ti dentre todas a mais amada


28.10.2015




11 de dez. de 2015

delicadeza






 (Rodzo) 





que se chupem sempre


delicadamente


mangas e bocetas






só a suavidade


desperta na língua


os seus doces sumos



23.10.2015

10 de dez. de 2015

somos todos





(Georgia O'Keeffe - Ram Head)




somos todos sempre
oprimidos e opressores

oprime ao aluno o professor
porque ao professor oprime o diretor
e não pense que não seja oprimido
o diretor por pais de alunos
e por estâncias superiores
e quando menos você espera
vai oprimir ao professor
a rebeldia do aluno
cada vez mais opressora

oprime o pai ao filho
porque ao pai oprime a mãe
e se ela não oprime
será ela a oprimida
que na relação familiar
sempre um ao outro oprime
seja do jeito que for
e às vezes até
o oprimido logo vira o opressor
quando o filho mesmo
torna oprimidos os pais opressores
com birras e chateações
diretas ou sutis de tal forma
que inferno vira qualquer lar


oprime o sábio ao ignorante
quando impõe a todos seu saber
sem que seja totalmente comprovado
e o ignorante ao vizinho oprime
na falta de quem oprimir
mas não se livra o sábio
de ser também oprimido
quando busca patrocínio
nos salões oficiais

oprime o bondoso ao mendigo
exigindo em troca de um centavo
que ele não cheire nem beba
mas logo que se vai o doador
oprime o mendigo ao seu cachorro
que vela seu sono madrugador
e o pobre do cachorro
sem saber a quem oprimir
corre atrás do gato vagabundo

oprime ao rato o gato
atrás dele noite e dia
e o rato oprime o pobre
impondo a ele seus odores
e doenças que não se curam

e assim vive o mundo
um oprimindo o outro
o patrão ao empregado
o empregado ao gari
que por falta de quem oprimir
oprime qualquer um que aparece
seja a sogra ou a lata velha chutada
contra o muro do patrão
oprime ao povo qualquer governo
e o povo então lhe dá o troco
não vota em quem governa
e escolhe outro opressor

vivemos sempre assim
um ao outro querendo oprimir
basta ter oportunidade
que oprimido se torna opressor

talvez só não se sinta oprimida
uma raça chamada ditador
que sempre ferra o povo todo
e fica na boa com seu poder

mas pensando um pouco mais
veremos que mesmo o ditador
o mais cruel opressor
também sofre o desgraçado
por ser burro e acreditar
que há um deus supremo
lá no céu que vai cobrar
sua conta de maldade
e enfiá-lo goela abaixo
do capeta lá no inferno

e então sobra o supremo opressor
esse deus que tudo vê e tudo pune
como a cereja do bolo
na pirâmide dos opressores

esse deus miserável e opressor
oprime com todo rigor
o idiota que nele acredita
que reza noite e dia
estúpido a imaginar
que vai um dia encontrar
o descanso de tanta opressão
 num céu de santo e brigadeiro
e de joelhos se humilha
aos pés do deus vingador
que não tendo quem o oprima
torna-se de si mesmo
prisioneiro de regras e pecados
que nem ele mais sabe o que são
e então lamentando-se pelos cantos
de um céu eterno e aborrecido
ele é a serpente que morde o rabo
eterno oprimido e opressor







6.10.2015

8 de dez. de 2015

teus seios








se os acaricio, arrepias-te

se os beijo, desejas-me

se os mordo devagarinho,

entregas-te




são assim os teus seios

sensíveis ao ponto de

fazer-te gozar com apenas

carícias e beijos e toques




são assim os teus seios

e tudo o que por ti eu sinto

pressinto o teu gozo

arrepiando-te neles

desejando-te por eles

mordendo neles o fruto

do nosso tesão




ah, teus seios queridos,

amo-os assim oferecidos



17.11.2015

6 de dez. de 2015

POEMAS DO COTIDIANO



Noite de luto


(martin van maele)



Possam teus pares
chamar-te sábio.
Um pouco de fidalguia
alongue os teus gestos.
Muito de paciência
reflitam teus olhos.
Que sejas entre todos
aquele a quem procuram.
Que teu passo ligeiro
a todos indique
o norte a seguir,
o instante de partir.
De teus lábios floresçam
palavras de pedra.
De tudo quanto desejas,
não sejas, no entanto,
aquele que o pranto
em noite de luto
transforma a vida
em treva infernal.

S.P. 16.10.96




FINIS