31 de mar. de 2016

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31


 madrugada







na madrugada
teces caminhos com teu salto

na madrugada
cavalgo alazões de desespero

na madrugada tu te encontras
e és mulher

na madrugada eu me derreto
e sou apenas
um arremedo de amante
que finge ser teu cafetão



14.6.2013



32


 só tu, amigo e amante






não choro as noites de orgia
não lamento os excessos de minha vida

sinto em cada dobra de meu corpo
não as mãos que me apalparam
mas as marcas que aqui ficaram
de dores e cicatrizes

não maldigo os caminhos que trilhei
nem sinto saudade de seres a quem me entreguei
homens
mulheres
jovens
velhos e velhas
feios bonitos mancos e travados
muitos que se banquetearam
também mataram
com a fome que tiveram a  fome que despertaram

sou tua hoje como sempre
mesmo antes que me tivesses
porque, amigo e amante, do meu ventre
só tu sabes colher todas as benesses



28.10.2013


30 de mar. de 2016

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29


amor





te quero porque te espero
te espero porque te quero

apenas sei que mal dobras a esquina
e teu corpo esguio serpenteia pela calçada
explode dentro do meu peito o coração
a mandar o sangue todo para o meu ventre
e fico todo branco e fico todo bambo
com o pau a latejar dentro das calças

encosto-me no muro e arquejo
e te quero tanto quanto te espero
que tudo o que nesse momento desejo
é o sabor da tua boca no meu beijo
e então eu sei que te amo
e o quanto te amo mesmo que
passasse ao longo de minha sombra
tua sombra irresoluta

no entanto tu paras
e me beijas e me apalpas
e percebes que tenho
mais que um pau duro
dentro das calças
uma carteira recheada
no bolso do paletó


11.6.2013



30


dúvida





escasseiam-se os caminhos
que me levam para ti

na calçada em que vou e volto
em mil passos compassados
esperando o cara da vez
penso somente em ti

divido-me entre o freguês
que se lambuza e vai
e o teu choro que escorre
e fica



3.10.2013

29 de mar. de 2016

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27


último cliente





sou o último cliente, tu me dizes,
e vejo que somos ambos felizes
por mais um encontro sem razão

tu me salvaste a noite já quase madrugada
e eu te dei o que faltava para o pão
embora saiba que de pão não vives
nem com ele alimentas os filhos que não tens
somos apenas sobreviventes cansados
ruminantes de runs mal apreciados
dormentes de um trilho enferrujado
coberto de mato pedras e lembranças
por onde passam todos os trens
por onde trafegam todas as desesperanças

não, não sou teu último cliente
sou teu último alento, tão somente



10.6.2013








28


não sei se te amo





não sei ainda se te amo
ou se apenas sigo o instinto que me leva
a exigir de cada homem que a mim se entrega
e que me come
que pague em grana corrente
cada estocada de seu membro em riste
sei que não fico contente
nem muito triste
em ser como sou,
porque, amado meu, sou aquela
que se acostumou
para infelicidade tua e minha
a ter um olho no gato
e outro na sardinha

por isso, não sei se te amo, não sei,
apenas colho de teus olhos
a esperança de um raio de sol,
para a semente que um dia
tu mesmo plantaste em meu peito,
a semente do meu girassol


3.10.2013

28 de mar. de 2016

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25




desalento





abres para mim o teu corpo e
fechas a mente a perguntas
que te faço apenas por
tentar começar uma conversa que
não irá a lugar algum


compreendo-te o pudor


cubro o meu corpo e
enrolo-me no suado cobertor


somos ambos
tu e eu
frutos da mesma sanha
frutos do mesmo irascível desalento de viver


10.6.2013




26     



morre a lua







agoniza a lua atrás
do velho prédio decadente

afasto a perna que me prende
do último cliente
e arrasto-me da cama suja
do hotel vagabundo

do vitrô do banheiro um raio longínquo
da lua atrás do prédio decadente

enquanto me lavo
em nada penso a não ser no cansaço
passo pelos cabelos o pente
retoco o batom nos lábios
visto-me e saio para o resto de lua
que cai ali na minha frente
atrás do prédio decadente

último cliente é o que eu penso
ou não?
ainda há você, meu amor, a contar meus passos
quando caminho pela quase manhã
rumo a teus braços
na rota recorrente
de todos os dias
e se são tão frias as madrugadas
e se a lua ainda vivente
agoniza lentamente atrás do prédio decadente
pode ser você - por que não? -
o meu último cliente


3.10.2013


27 de mar. de 2016

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23


profissional






com a mão entre tuas coxas
ele - o cliente -
pede-te um beijo

negaceias um pouco
só um pouco

e é pouco, para ele - o cliente -
um beijo no rosto

na boca, na boca - exigente!
tu o olhas, tu te ris
e tascas-lhe com furor
o beijo pedido e bem pago

de dentro da sombra
eu - nem teu cliente nem teu dono -
apenas o voyeur de teus sentimentos,
gemo e choro


4.6.2013



24


enamora-te






- enamora-te de mim - de joelhos
te pedia e cheirava teus pentelhos
enquanto teu membro engolia
- enamora-te de mim - e então
eu deixaria
de uma vez por todas
a putaria
e como um cão
te seguiria
pelas sombras da noite fria
da fria noite da cidade
vazia
-enamora-te - eu não dizia
apenas pensava
enquanto engasgava
com teu gozo
com teu jogo
com teu fogo


27.9.2013


26 de mar. de 2016

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22


trapaça




não me importa o quanto
me sinta perdido

aqui, à luz mortiça da lua,
enquanto
com meu melhor terno vestido
vejo através da vidraça
tua silhueta nua
aceito o jogo e a trapaça
da carta marcada
em tua bunda desenhada
calipígia vênus a te ofereceres despudorada
ao amante que te come e que te paga
enquanto
 - tenso o meu pensamento - penso
que é com o sêmen desse teu amante eventual
que pagas o perfume de meu lenço

25.5.2013








21


sobrevivência





que me importa
a luz mortiça da calçada podre

que me importa
o tropeço do vagabundo no bueiro mal cheiroso

que me importa
o cheiro do crack na ponta do cachimbo do noia

que me importa
a madrugada que vai ou o dia que vem

importa-me apenas
meu amor de crenças impuras
que te agonias na espera
numa kitinete da avenida São João
e que te estrebuchas bebendo
uísque barato e cheirando cola
importa-me que esperes sempre
as migalhas que sobram
daquilo que eu ganho
com as dobras da minha vagina

é por ela, pela grana incerta das noites
de calçadas podres e de vagabundos insones
de crack e noia,
que sobrevivem teu desejo e teu desepero por mim

espera e enlouquece, louco amor,
que a madrugada
já se vai e o sol
amanhecerá em teus olhos vermelhos
com a grana do almoço
e talvez do jantar


18.9.2013

25 de mar. de 2016

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19     



antropófaga





quero comer-te, pago o preço

e tu me olhas assim, através
de tuas lentes azuis

empinas teu peito de silicone,
rebolas um pouco a bunda
mostras-me tuas coxas
na abertura de cima em baixo
da saia vermelha,
vermelha e justa

teu sorriso é uma maçã saturnal

e nesse momento eu sei
aquilo que sempre tem sido:
não te comerei,
serei eu o comido


17.5.2013



20


 cavalgada





caminho pelas ruas
ausentes
chove
a noite tropeça e cai
de repente
chove
vou seguindo adiante
por clientes
chove
nada nem ninguém sigo
em frente
chove
não para a chuva e
de repente
a lua e você e sua sombra
na noite
o vento
se ressente
o ar úmido na boca
pouca a roupa
que me cola e enrola
ao corpo
tremente
louca prossigo o passo
tua sempre tua
louca
e chove
sente
pela noite escapada
entre meus dentes
quero o que queres
sendo tantas mulheres
a cavalgada
no fim da noite
chove
tua enfim
nua em teu braço
meu cansaço
temente
da noite que foge
na chuva
que foge
no novo dia
tão quente
nas ruas
antes tão nuas
agora tão cheias
tão cheias de gente
e eu em teu leito
e a chuva
continua contínua
cai
silente
em meu peito



14.9.2013

24 de mar. de 2016

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17


 dignidade?





vamos, digo-te, segurando teu braço
não quero, tu respondes, encurtando o abraço
e então te mostro dinheiro, todo um maço,
olhas com desprezo e chamas-me de palhaço
e então em desespero aperto o passo
para te alçançar talvez num outro espaço
como a tigresa que nas ruas eu caço
e a quem entrego, com nervos de aço,
da minha dignidade o seu último traço




13.5.2013



18    


um só destino





cumpro em teus pelos
o meu caminho
do peito ao pênis
uma só via, um só destino,
eu, salvada do incêndio
da vida,
eu, maltratada a carne
em abandono,
eu trago para o teu leito
o corpo que, se tivesse a marca
de cada outro corpo que o teve,
seria pequeno demais
para a tua cama;
sou a luz que te inflama e te leva
ao precipício;
cumpro em teus pelos
o suplício que queres de mim
e arranco de cada gemido teu
uma pedra por vez, uma pedra
em que tropeçaste e caíste
porque sei que teu caminho,
mais triste que o meu,
compõe-se de terra arrasada
de estrada por todos pisada
trotada por mim e por ti
e agora, aqui, na lama ou na cama,
somos o mesmo pó,
e se me fodes sem dó,
sem piedade te esfolo,
cobrando por cada pelo
negro ou branco
que do teu corpo eu arranco







23 de mar. de 2016

LUPANÁRIO

15

     piranha





rebolas e te esfregas
em mim
como fazem todas as piranhas
sei que me entregas
teu corpo, teu sexo,
como todas as piranhas
sei que dirás palavras sem nexo
pensando no frio que está lá fora
e como todas as piranhas
irás chupar meu pau
e fingir teu gozo

sei, sim, que me entregas
teu corpo, teu sexo,
até teus beijos,
mas sei que de ti não conseguirei
nada mais que a saciedade
de meus desejos
como com todas as piranhas...


13.5.2013



16    

lua bandida





folgo em vê-lo cada noite
nas esquinas da avenida
folgo em vê-lo como um cão
à procura do resto de osso
e corro a ronda da madrugada
como corça a ser caçada
mastigada, digerida e cuspida
ao amanhecer
cumpro, assim, meu destino

enquanto uivas para as luzes
dos edifícios mais altos
louco em tua busca pela lua
que cavalga nua todos os homens
como gazela assustada e satisfeita
sou, sim, a tua lua em noite silente
sou, sim, a tua lua, nem branca,
nem redonda, entre nuvens escondida,
a lua cuja luz corrói
as tuas entranhas, os teus sonhos
- a lua de salto alto, bandida
de filme de cowboy



27.8.2013