30 de jul. de 2011

BRASILIANAS II

(Felix Valloton)


2. falando de trópicos,





não há pátria
não há;
não há mais etnias
não há;
não há mais trópicos
de câncer ou capricórnio
entre um povo e seu contrário:
não há;
não há mais babel,
não há mais o olhar estrangeiro
a vigiar os atos,
não há;
não há mais pátria,
oh! apátridas:
não mais molossos





a vigiar os ossos,
não há mais bombas
não há



só há, afinal,
o juízo universal
a unir o final
de todos os utópicos,
debaixo dos trópicos.

28 de jul. de 2011

BRASILIANAS II



1. falando de uma nação,

sábios
os lábios
bem cerrados
em meio à crise

promovidos
os ouvidos
bem abertos
em meio à crise

felizes
os narizes
bem franzidos
em meio à crise

aos escolhos
os dois olhos
não soçobram
em meio à crise

atrevidos
os sentidos
bem aguçados
em meio à crise

... enquanto o barco balança
... enquanto balança o barco...

... o barco de pau,
de pau-brasil.


(Ilustração: Charles Landseer)

22 de jul. de 2011

MATER


(Moga - arte africana)




és bela


és negra


não sei se és bela porque negra


não sei se és negra porque bela


sei que de teu ventre


colhemos todos a semente para semear a terra


sei que que de teu seio


bebemos todos a seiva para encantar o mundo


és bela e és negra


e teu sangue é rio


que corre para todos os mares


filhos todos de ti


de ti colhemos todos os ventos


por ti caçamos todos os tempos


para seres o que és: negra


negra e bela


bela e negra


ó minha doce mãe África.



5.5.2011


20 de jul. de 2011

NÃO

(Jack Vetriano)



Recolho-me a meu silêncio
e encontro o teu abandono.
Não mais esperança:
o abismo tragou nossas rosas
e o vento estufou as velas
do navio-fantasma de nossas vidas.
Na procela, o rosto com que te olho
traz a marca da maldade,
e os olhos com que me vês
refletem apenas o meu não-espanto.
Sou – e sabes bem – aquele que
um dia venceu teus temores
e agora paga com o desencontro
o preço de seres agora
o que te tornaste ontem: o Não!

13.6.2011 (a bordo do voo 1903, de Natal/RN para Guarulhos/SP)

16 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 13

(Alfred Kubin)


espero-te, amor




espero-te, amor,
na fímbria do horizonte



ah, não sabes
se tèm fímbrias meus horizontes?



tens razão,
estão tão estreitos os meus caminhos,
estão tão estranhos os meus passos,
estão tão desacertos os meus assobios,
que nem mais horizontes eu tenho
para que nas suas fímbrias
possa um dia te esperar



(adeus)

14 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 12



(Alfred Kubin)




podes não ver






podes não ver
o que se passa




podes não olhar
o que se alonga




podes não sentir
o que se espelha




podes não passar
pelo que se vê




podes não alongar
teus olhos aos outros olhos




podes não espelhar
amor que se acabou




sim, tu podes tudo
meu amigo
não ver, não sentir, não amar




só não podes mentir
ao mundo em miséria
a rodar em torno de ti.

18.11.97

10 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 11

(Alfred Kubin)



na praça o sonho




na praça o sonho
em raça
desfaz o preço
destrói
muro e vira
na praça
a pasta
que ondeia e
naufraga
no semblante amargo
do povo
em pé às palmas
da dobra da calça
- na praça -
do homem de negro
as sobras que caem
em sonhos
destroem o mito
da raça
medo de hoje
o buraco de
todos os amanhãs.

18.11.97

8 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 10

(Alfred Kubin)


 Ó manhãs em que beijei





Ò manhãs em que beijei
o doce mel de teu ventre róseo!
Ó manhãs em que te levei
do sonho áureo ao gozo louco!
Ó manhãs em que te acordei
para saciar meu desejo com teu tesão!
Ó manhãs em que o sol brilhou mais forte
para iluminar teu seio arfante em doce gozo!
Ó manhãs em que tuas nádegas
eram o convite a escaladas mágicas!
Ó manhãs em que tudo o que eu queria
era continuar dormindo e sonhar contigo!





1.10.97

6 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 9

(Alfred Kubin)


Desnudo-te ao vento


Desnudo-te ao vento
e teu corpo alveja à luz da lua
no breve instante em que eu tento
sonhar-te, enfim, toda minha, toda nua.
Do vento que te traz
ao vento que te leva
meu sentimento faz
do teu ventre a treva.
Arredonda-se aos meus sentidos
tua bunda em curvas de anseio,
pois em busca de desejos reprimidos
minha língua vai do teu ventre ao teu seio
e volta em gloriosa caminhada
para o ninho de teus pêlos.
Mergulho, em gozo louco nesta parada,
nos teus cheiros cheios de desvelos
para gozar o meu gozo fazendo-te fremir
no jorro fácil de teu grito ao vento.
Seguro de que não vais mais fugir,
colho teu orgasmo nas pregas que arrebento.

1.10.97

4 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 8

(Alfred Kubin)


Tenho dentro de mim um lago





“UMA TRISTEZA É UM LAGO MORTO DENTRO DE NÓS”.
Fernando Pessoa





Tenho dentro de mim um lago
azedo
de aziagas águas
e criaturas mortas.




Lá navegam fantasmas
de gente amiga e gente amada,
sombras etéreas de eternas saudades.




Secá-lo não posso,
nem contemplá-lo por muito tempo.
Deixo-o escondido no peito
a lembrar que um dia
será ele tão imenso
quanto meu próprio ser.

6.8.97

2 de jul. de 2011

novos poemas do cotidiano - 7

(Alfred Kubin)


Viagem... viagens... Viajem!





Viagem... viagens... Viajem! Pelo barro
das estradas de ouro, pelo ferro
das estradas de trilhos, pelo ar
de tapetes brancos e cinza, pela água
de verdes rios sinuosos, pelo pensamento
a buscar a lembrança esmaecida, pelo olhar
de azul eterno de uma mulher, pelo verso
do poeta a buscar infinitos, pelo sonho
de amores idealizados, pelo espanto
de achar em ouro o sonho transformado...
Viajem!
Mais que o tempo, o espaço em sonhos preenchido
traz ao pensamento o espasmo de esquecer
tudo aquilo que a vida em trapos transformou,
de amores irremediáveis a saudades irrecuperáveis...
Viajem!
As asas do vento ao tempo o vão anseio espelharão
e a alma de todos os tormentos aliviada
ao seio do sonho voltará mais bela.
Viajem! Viagem... viagens!



8.7.97