16 de set. de 2011

BRASILIANAS - II

(Leda Catunda)




21. falação final,

por último, nesse canto
meio sem eira nem beira,
vou buscar inspiração
no lençol bem urdido
que fazia a minha avó:
de retalhos de cetim,
bem ligados com o brim
e o brim entretecido
com fitas de gorgorão,
pra formar o sete-estrelo,
ou outra figura igual,
não tem plano, não tem máquina
tece a mão, tece com zelo
e depois, se chega o frio,
não distingue quem mais sofre
vai cobrir com precisão
tanto o rico quanto o pobre

e assim eu me proponho,
sem batida de pandeiro,
sem a rima tão certeira,
a louvar cada retalho,
cada praia, cada serra
dessa terra brasileira


1.

vêm, vêm, vêm,
será que vêm de lá,
será, meu bem, será,
as rendeiras do Ceará.

2.

puxo, puxo e repuxo,
lacei muito bem laçado
o boi que já vem salgado
pro churrasco do gaúcho

3.

na viola, um repinico,
ao pé do fogo, o jogo é tranca:
balança, balança a carranca,
subindo o velho são chico.



4.

da arara não pára o grito, não pára,
cobrem d’ água a terra plana
os rios do Pantanal:
sobe e desce uma chalana.


5.

e o tesouro o que é?
tem cana aí, cumpade?
se tem paulista, tem café,
se tem caipira, tem vontade.





6.

rio-mar-montanha
mistura da mais brejeira:
soa o samba, soa a sanha
de passistas na gafieira


7.

pororoca, pororoca
num verde que não tem mais fim
pororoca amazônica
nos olhos do curumim

8.

vem da ilha, o catarina,
vai sonhando o paraná,
para lá,
para lá do rio grande do norte
e vem aqui o paiuí,
dança ali o maranhão
trocam flautas tocantins,
serra-serra mato grosso,
não se sabe se pro norte,
não se sabe se pro sul,
joga brasília a amarelinha
pulando de cá para o pará,
rondônia cutuca o acre,
amapá roça roraima,
coça a costa, paraíba,
enchem d’água as alagoas,
puxa o trabuco, pernambuco
frita o peixe, capixaba,
e a bahia? Ah, logo ali
de cochicho com sergipe

9.

assim, de retalho em retalho,
entreteço o meu trabalho,
minha colcha de azul-anil:
nossa terra desinfeliz, brasil.





(Brasilianas II )



FIM



14 de set. de 2011

BRASILIANAS - II

(Autor não identificado)


falando de baixo,





é preciso olhar para cima
para ver o gigante



e o gigante nunca se mostra
como ele é



é preciso olhar de longe
para ver o gigante



e o gigante nunca pisca o olho
amistosamente



é preciso subir muito mais alto
para ver o gigante



e o gigante nunca deixa a andorinha
voar sozinha



é preciso olhar para o norte
para ver o gigante



e o norte quando olhado de repente
dá torcicolo



é preciso derrubar o gigante ao solo...



ah, mas isso o gigante nem pensar
que vai deixar



assim, só nos resta
xingar muito, mas muito mesmo,
o gigante



(dizem que ele se faz de surdo quando é xingado,
mas eu acho que ele não está nem aí
pra quem o xinga:
o que gigante quer
é continuar revirando os olhos
de cobiça e dólar)

12 de set. de 2011

BRASILIANAS - II

(Autor não identificado)



falando sozinho,





tem gente que pensa que
liberdade
é uma coisa que se acha na rua



tem gente que pensa que
liberdade
é o sonho numa cama limpa



tem gente que pensa que
liberdade
uma vez conquistada fica



e tem gente que pensa que
liberdade
é uma coisa que não serve para os outros



(tem gente
muita gente besta
neste mundo)

8 de set. de 2011

BRASILIANAS - II

(Sergei Aparin)


falando de trabalho,





nos desvãos da pátria
há muitos ossos que não foram enterrados





nos desvãos da pátria
há muitos contos que não foram exorcizados





nos desvãos da pátria
há muitos heróis que se esqueceram do mito





nos desvãos da pátria
há milhares de destroços entronizados





nos desvãos da pátria
cabem todos os sonhos e todos os pesadelos





(é preciso aplainar os desvãos da pátria)

6 de set. de 2011

BRASILIANAS - II




17. falando da vida,



a vida vale o que a vida é
a vida vale o que a vida vive
a vida vale o que a vida sopra
a vida vale o que a vida sonha
a vida vale o que a vida canta
a vida vale o que vida pensa
a vida vale o que a vida ama
a vida vale o que a vida sofre
a vida vale o que a vida abraça
a vida vale o que a vida escreve
a vida
a vida vale
a vida é
e não vale a morte de quem quer que seja
simples assim
só isso
nada mais


(Ilustração: Orlando de Santana)

4 de set. de 2011

BRASILIANAS - II


(Jean-Pierre Ceytaire)



16. falando de paixões,






sempre resta uma nação
atrás de um povo



sempre resta uma paixão
atrás de um grito



sempre resta uma tesão
atrás de um espanto



nação: paixão: tesão
e os tolos não percebem
que é preciso um povo
que é preciso um grito
que é preciso um espanto
pra tesão virar paixão
e construir uma nação

2 de set. de 2011

BRASILIANAS - II




15. falando de pessoas,



1.



amor, um dia tu me contas
o que soprava na cana o vento:
dos três picos de Três Pontas
cantaria Milton Nascimento





2.



quem lá de Minas vem
nunca jamais esqueceu
(mesmo que fosse menino)
quando partiu aquele trem
levando ao planalto central
nossos sonhos e... Juscelino





3.


de versos entendo e gostara eu mais
se sonhar pudera ainda da cítara ao som
(tão bom inverter, tão bom!)
não de poetas de Grécia ou de Roma,
(desculpem-me Virgílio, Catulo e que tais)
mas de Camões, Pessoa e Drummond


(Ilustração: Erma Y - Ouro Preto)