27 de jan. de 2011

quando se prende um pastor

(Ada Breedveld)





na manhã sem notícias

que soe a bomba em todos os rádios, em todas as televisões,

sem primícias, sem arrotos premonitórios,

que soe em todas as estações de telemarking

ou estações meteorológicas,

que soem trombetas em bocas pretas de vomitórios,

que – dizer nunca é demais – se encham páginas de todos os jornais
e de todas as revistas,

que se convoquem os reservistas,

que se enfileirem todos os ateus,

mandem que cada um cumpra o que lhe mandou seu deus,

e que esse deus de cada um vá pra sempre embora, agora,
para a puta que o pariu,

que se encham balões de gás, que se case o velho com o rapaz,

a viúva com a saúva, e que se façam abortos como arrotos,

que cantem todas as aves como canta o tiziu,

caguem regras os contra-regras de todos os barcos afundados,

que o rio pare e o mar enegreça,

e que em cada cabeça surja um novo girassol,

que o mundo ria, ria muito, que role de gozo e de prazer,

que se toque fogo no paiol, que se molhem todos os biscoitos,

que todos os que vão nascer renasçam sem nenhuma dor,

que se anuncie em cada outdoor, com luzes de arrebol,

que a polícia enfim prendeu, na igreja da esquina,

como puta fazendo a vida e cafetão explorando puta,

a pastora mentirosa e seu marido corno, da igreja o pastor.



17.4.2007



25 de jan. de 2011

quando penso em deus

(Ada Breedveld)





quando penso em deus


por que será que me vêm


apenas pensamentos ateus?






deus faz parte do cotidiano


de milhões e milhões de pessoas,


que, entra ano e sai ano


pensam-se sempre almas boas






são tolas a rezar um padre-nosso


ou uma simples ave-maria,


roem, no entanto, cada osso


no falso mistério de cada dia






são os que acreditam em deus


que ollham com olhares tortos


aqueles que não são os seus


e os desejam sempre mortos






mas, enganam-se com seu deus


e fazem tudo no inverso


pensam que, por sermos ateus,


trocamos a prosa pelo verso






para mim, pensar em deus


é prender o pensamento


de livres versos ateus


em teia de ódio e tormento






deus não é uma coisa séria


que se possa ter na memória,


é apenas uma intriga, uma lereia,


inventada através da história






e então, quando penso em deus


é somente para olhar para os lados


e sorrir com a alegria dos ateus


e não dos homens enganados.

23 de jan. de 2011

LOUVA-A-DEUS

(Aaron Nigel)


Como as mulheres.
Sim, como-as, sim.
E por que não as comeria,
Se para comê-las
Sou nascido?
Mas não as como, simplesmente,
Assim, sem mais nem menos.
Como-as com traquejo,
Com todo o meu jeito
De comer sem machucar,
Sem lhes fazer qualquer dano,
Gentleman que sou,
Generoso que sou.
E depois de as comer
Assim, muito bem comidas,
Dou-me inteiro para elas,
E como bom louva-a-deus,
Deixo-me devorar,
Inteiramente,
Generoso que sou:
Como todas as mulheres.


25.10.2009



21 de jan. de 2011

Despojamento



(Alfredo Volpi)






Não quero mais a poesia em roupagem de gala;
não quero mais a pretensão das proparoxítonas;
não quero mais a ditadura do terceto em rima rara;
não quero mais a linha sinuosa da riqueza lexical;
não quero mais o arrostar de metáforas portentosas;
não quero mais o ciciar inútil das aliterações;
não, não quero mais artifícios e tambores;
quero apenas a pausa sincera dos pontos e vírgulas
e, depois, quero apenas o silêncio dos pontos finais.







são paulo, 12 de outubro de 2010

19 de jan. de 2011

AZUL

(Matisse - blue nude)



Desfruto-te nua
quanto me desejas.
Do teu sexo o aroma em minha boca
à saga de romances medievais
transmuta-me em pelo;
dos teus beijos ao gozo
somam-se viagens
de delírios e sonhos;
azul o teu porte quando me reténs
entre cruzadas pernas e braços;
azul o teu gozo
quando em tua boca escorro;
azul o teu olhar
mesmo em negror de orgasmos
oferecido;
és, amada, o grito que sufocaste
em minha garganta
e o pejo de te ofereceres inteira
quando, enfim, o teu azul alcanço.




11 de jan. de 2011

O NAVIO DE MEU PASSADO



(Javier Arizabalo)





Não faço poesia como quem chora,
nem conto o passado como se fosse o agora.
Meu tempo é sempre o respiro
dos pulmões com que vivo:
de cada passo do caminho eu retiro
a batida do tambor mais primitivo
e sigo sempre para o norte ou para o sul, não importa,
sigo sempre, como se fossem companheiras
todas as pedras em que tropeço.
A onda que vem do futuro e que escoa como areia
aos meus ouvidos soa como o canto da sereia,
canto que só eu escolho ouvir, como Ulisses redivivo
que não encontra do mar entre os escolhos
de Ítaca o chamado poderoso, porque trago
eu, aqui, bem dentro de meus olhos,
- como um travo bem travado –
a esperança com que naufrago
o navio do meu passado.

9 de jan. de 2011

MEDO



(Riccardo Mantovani)



Claro que tenho medo de morrer,
assim, de repente:
- eu nunca fiquei doente! 



7 de jan. de 2011

QUANDO EU FOR A PARIS

(René Magritte - l'art de vivre)



quando um dia eu for a Paris
não irei como turista
não irei com o olhar de descoberta
nem irei com o olhar da inocência
irei apenas
sem outra ilusão que a de andar
um pouco por suas ruas
não importa quão belas
não importa quão históricas e também
não me importarão os monumentos
não me importarão os museus e igrejas
só irei andar um pouco por becos e avenidas
olhando a vida – não a vida de Paris –
mas a minha própria vida
porque se algum dia eu for a Paris
irei apenas a Paris
sem contar pra ninguém
que irei a Paris e quando voltar
não direi também nada a ninguém
que terei ido a Paris
sem tirar uma só fotografia
e Paris morrerá comigo em minhas retinas
como uma cidade só minha
porque se um dia eu for a Paris
não voltarei para contar por onde andei
nem comentarei com meus amigos
nem publicarei crônicas
ou relatos interessantes sobre seus habitantes
ou seus monumentos e museus e igrejas
não farei poses sobre as pontes
para uma fotografia ansiosa e rápida
porque eu não terei jamais uma fotografia
para dizer a quem quer que seja
que eu estive em Paris
porque meus amigos
Paris ficará apenas em minhas retinas
somente em meu pensamento
como a cidade sonho que um dia
jamais talvez eu venha a visitar

5 de jan. de 2011

QUASE HAIKAIS 25







Vento no telhado.
Chuva.
Depois, nada.






3 de jan. de 2011

QUASE HAIKAIS 24






Cores no gramado:
a roseira
despetalou.





1 de jan. de 2011

QUASE HAIKAIS 23







A lua vem,
depois a noite.
Jasmim.