26 de dez. de 2015

bem-te-vi




(Zdzisław Beksiński)



antes de vir o dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
estreia o tempo da busca o tempo de tudo
sabe-se apenas que o vento que sopra vem do mar
traz boas novas a última estrela a se apagar
navega a vida as velas abertas ao vento mudo
não chora a criança que nasce com medo da vida
cava o caminheiro a cada passo seu próprio caminho

ao meio-dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
somam-se forças e o vento que sopra vem do norte
o passo largo chuta horizontes e não deixa marcas
das pedras do caminho nascem fortalezas
não há olhos para o passado nem passos na areia
o jovem que se ergue a cada possível tombo
desafia florestas e desertos e ouve apenas o vento

ao fim do dia grita aqui o bem-te-vi no meu quintal
sobre os escombros perpassa agora um vento
que vem de longe sem que se saiba de onde veio
lobos e hienas são os convidados para o festim
há sangue nas pedras e penas no coração
o homem que caminha tem ainda o poder
de domar o rio em pororoca na mudança da maré

grita ali o bem-te-vi não mais no meu quintal
o som soturno que vem do gelo quebra o grito
em três lamentos repetidos do pássaro ferido
seu grito não tem forças para o próximo aviso
cobre a copa das árvores o branco da neblina
cobre o dorso do homem a tormenta da dúvida
faz-se da face em prantos a máscara rotunda

não chora não marcha não luta e tudo é mudo
e tudo é feio e tudo desencanta enfim
no grito triste no grito rouco do bem-te-vi






2.12.2015


(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste link de podcast:

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