22 de jul. de 2016

gente da cidade




(Archibald John Motley, Junior- Bronzeville)







essa gente da cidade

levanta cedo, muito cedo, todos os dias,

para trabalhar,

mesmo que nem precise mais,

que há muito se perdeu

não o sono, mas o sonho



essa gente da cidade

vive pelas ruas e avenidas,

de bar em bar, de toco em toco,

o dia todo,

mesmo que a sombra convide a sentar,

que há muito se perdeu

não a vida, mas o ato de viver



essa gente da cidade

olha e não vê o espelho e a lua cheia,

passa ao largo

de pegadas e gramados,

caça dinossauros e pega onda

em rabos de cometas,

que há muito se quebrou

não o espelho, mas o olho de quem vê



essa gente da cidade

é apenas gente da cidade,

cabeça de papel, pés de borracha,

coração de placebo

e olhos de led e tela plana



essa gente da cidade

cobra a deus e ao diabo

cada passo e cada palavra

dita a esmo em i-phones e i-frascos

de aspirina e gasolina,

corre para as tocas ao fim do dia

para berrar como boi no campo

um gol chorado de seu time

que há muito se perdeu não a ilusão

mas a vontade de vencer



essa gente da cidade

come espaguete com salsicha,

vomita metadona e penicilina,

viaja como gado, vive como galinha,

cerca o padre e o pastor

e pede sempre um dia a mais

para pagar a sexagésima prestação

do carro inútil preso no congestionamento

que há muito se perdeu não a paciência

mas o gosto de conviver



essa gente da cidade

é sim uma gente meio besta,

cafona que só:

não tenho nem um pouco de dó

dessa gente da cidade

não tenho nem um pouco de dó

de mim mesmo

eu, gente da cidade


28.6.2016





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