(Archibald John Motley, Junior- Bronzeville)
essa gente da cidade
levanta cedo, muito cedo, todos os dias,
para trabalhar,
mesmo que nem precise mais,
que há muito se perdeu
não o sono, mas o sonho
essa gente da cidade
vive pelas ruas e avenidas,
de bar em bar, de toco em toco,
o dia todo,
mesmo que a sombra convide a sentar,
que há muito se perdeu
não a vida, mas o ato de viver
essa gente da cidade
olha e não vê o espelho e a lua cheia,
passa ao largo
de pegadas e gramados,
caça dinossauros e pega onda
em rabos de cometas,
que há muito se quebrou
não o espelho, mas o olho de quem vê
essa gente da cidade
é apenas gente da cidade,
cabeça de papel, pés de borracha,
coração de placebo
e olhos de led e tela plana
essa gente da cidade
cobra a deus e ao diabo
cada passo e cada palavra
dita a esmo em i-phones e i-frascos
de aspirina e gasolina,
corre para as tocas ao fim do dia
para berrar como boi no campo
um gol chorado de seu time
que há muito se perdeu não a ilusão
mas a vontade de vencer
essa gente da cidade
come espaguete com salsicha,
vomita metadona e penicilina,
viaja como gado, vive como galinha,
cerca o padre e o pastor
e pede sempre um dia a mais
para pagar a sexagésima prestação
do carro inútil preso no congestionamento
que há muito se perdeu não a paciência
mas o gosto de conviver
essa gente da cidade
é sim uma gente meio besta,
cafona que só:
não tenho nem um pouco de dó
dessa gente da cidade
não tenho nem um pouco de dó
de mim mesmo
eu, gente da cidade
28.6.2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário