(Guennadi Ulibin)
Salada geral em 1978
Sou poeta!
Poeta? Poeta!? Estranha palavra, esta.
Poeta... Lembra-me
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
Parnasiano até no nome - alexandrino.
Mar não sou ourives,
como posso ser poeta?
Busco apenas as palavras e brinco com elas.
Palavras em “estado de dicionário”
como já disse o Drummond.
E vou construindo versos mancos
- como a própria vida.
(É inútil não querer filosofar
através de uma comparação ou de uma metáfora
metida a besta).
Mas vou brincando com as palavras
- inúteis?
Sei lá! Talvez o sejam (mas não quero pensar nisso).
Abro a janela (bonita palavra - janela! Já
pensaram se não houvesse janelas no mundo?
Um pobre poeta não poderia olhar para fora!)
Olho os meus companheiros e estão taciturnos.
Drummond também já disse isso.
Só não disse por que estão taciturnos:
as esperanças que eles nutrem são também inúteis.
Voltemos à janela: abro-a ou já estava aberta?
Não importa!
Olho o mundo, ou melhor, o Brasil!
Vejo a ilha de paz e tranquilidade.
Vejo a felicidade (para não dizerem que não rimei)
de uns poucos burgueses - burgueses: palavra fora de moda
(desde que Oswald escreveu sua ODE AO BURGUÊS).
Melhor dizendo: uns poucos executivos e tecnocratas
- FELIZES - sob a batuta do presidente.
Melhor fechar a janela
para não ver a miséria de salário-mínimo
as favelas do BNH
os trombadinhas
os motoristas de táxi
os professores
os médicos
o jovem estudante cheio de ideais
o contista mineiro
e a orquestra sinfônica...
Se sou poeta, como fazer poesia
na desesperança?
Para que brincar com as palavras?
Ver o tempo presente?
Ou ser um fingidor?
Contestar? Protestar?
Gritar? Berrar?
Escrever versos que ninguém lerá?
Pichar as paredes e os muros?
Virar monge tibetano? Tomar LSD
e vender a alma numa feira hippie?Talvez ao Poeta baste
o sorriso de uma criança
-desdentada - desnutrida - maltrapilha -
para ver o futuro da Grande Nação.
Com suas usinas atômicas
e as águas de Itaipu.
Com reus rios e matas.
Rios - São Francisco, Pirassununga, Verde, Grande -
IPANEMA.
Matas - da Cantareira, do Cipó, Atlântica -
cartões postais dos saudosistas.
Riquezas do meu Brasil
transformadas em dólares e ienes.
O ar puro vendido ao peso de ouro
da especulação imobiliária.
Fechemos, rápido, fechemos
todas as janelas!
Vedemos todas as frestas!
Cerremos todas as cortinas!
Alguém já disse que a Poesia morreu: NÃO ASSISTAMOS AOS SEUS FUNERAIS!
BH 5/11/78
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