16 de jun. de 2025

voo noturno





espero o sono vir

espero e vou dormir



mas o sono não vem

e o tédio me retém



rolo na cama

a cama é chama



então estremeço

enfim adormeço



no meu sonho

vou tristonho

pela madrugada

em busca do nada



será mesmo sonho?

ou só desencanto

ou só esse espanto

de poder voar?

(mal posso esperar)



26.1.2024

(Ilustração: Cícero Dias, 1933)

10 de jun. de 2025

volta ao tempo



onde ficou o meu passado

é o que às vezes me pergunto

ah! ficou lá atrás dependurado

no galho de uma jabuticabeira



como está o meu presente

é o que às vezes me pergunto

ah! não estou nada contente

neste lugar chamado pindaíba



como será o meu futuro

é o que às vezes me pergunto

ah! não, nesta canoa tem um furo

nela entra a maré que me afoga



com isso volto ao tempo que me maltrata

e tento dar um pé na bunda desta vida ingrata





16.10.2024

(Ilustração: Simona Mereu - in my mind)

7 de jun. de 2025

vida que resta





é sempre pouco o tempo

para se pensar nas estrelas



as noites de lua nova são como o vento

- pisca-se o olho e já vamos perdê-las

para alvoreceres de prenúncios

de dias tumultuados e muito desassossego



se as estrelas perdidas são anúncios

de portas que se abrem sem segredos

a vida que resta talvez seja a dança

que o tempo armou para nosso degredo

sem qualquer expectativa de esperança





12.10.2022

(Ilustração: Marina Abramovic - carrying the skeleton, 2008)

4 de jun. de 2025

viagem no tempo





talvez eu queira viajar no tempo

e então eu penso: para onde vou?

retorno ao passado ou salto para o futuro?



no passado o espaço ocupado

por seres que mantiveram

suas posições engessadas

nos muros de ideologias

não há lugar para mim



no futuro que vou eu lá fazer?

se as minhas ideologias

estão também presas à mentalidade

do que é hoje este meu mundo

cimentadas todas elas – as ideologias –

nos pensamentos que são tijolos

ou pedras que vieram do passado

cinzeladas para as pirâmides do Egito



viajo sim no tempo

neste meu tempo de momento

sou o que fui ontem

sou o que sou agora

sou o que serei amanhã

sonhador amarrado e amordaçado

a cada segundo vivido

[e sofrido]

o que talvez seja isto apenas

minha viagem no tempo:

viver cada instante como se fosse

passado e presente entrelaçados



o futuro...

bem, o futuro tece para os tolos a sua trama

[e não há nada mais a fazer ou dizer]




29.7.2024

(Ilustração: James Ensor)

1 de jun. de 2025

viagem ao tempo adolescente

 





acompanho minha memória

que voa por sobre montanhas

e segue o vento que espalha perfumes

pelas terras férteis de cafeeiros



o espanto de lembrar é meu guia

nessa viagem ao tempo adolescente

quando as águas que ainda correm

molhava os pés rachados que pisavam

as pedras brancas dos riachos

e marcava a areia dos caminhos solitários



talvez naquele tempo houvesse

apenas um leve sentimento de felicidade

marcada – a felicidade – pela folha caída

da mangueira ainda sem frutos



a esperança nascia no galho da jabuticabeira

e o bico do bem-te-vi pousava-a gentilmente

no ninho dos meus olhos

ao cair da luz de um dia sem sustos



assim ainda sonha minha memória

levada pelo vento para um tempo sem consciência

de que o mundo – esse triste e velho mundo –

mastiga sem dó cada sonho

que nasce nas águas do riacho que desce

do alto da montanha e rola as pedras brancas

até fiquem redondas



e então o jovem que sonhava descobre

que os sonhos não se arredondam nunca

e deixam na carne o sinal de suas arestas

– e agora quando enfim desperto

sinto apenas as escaras das cicatrizes indeléveis



26.2.2025

(Ilustração: Yoran Cazac)