24 de fev. de 2011

POEMA QUEBRADO

(Alma Tadema - among the ruins)


Circuitos curtos
extrapolam os limites
do meu cérebro.
De ligações
e conexões
nascem versos
nascem poemas.
Penso o que sinto
não sinto o que penso.
Pessoa, sim, como pessoa
e poeta
foi cantor e esteta.
Camões, sim, com as mãos
nadava e escrevia
e não se afogava
naquilo que sentia.
Do Alves eu castro
o vasto, vastíssimo
sentimento.
Do Dias os dias
de comedimento
em ritmos ternários.
Do Carlos do mundo
seu vasto re-canto
retiro o espanto.
E tu, Bandeira, despregadas
estão tuas ruas tão nuas
tão nuas em fogueiras.
E eu curto o circuito de gosto de gozo
ao som plangente de violões e vozes
em “plenilúnios de maio em montanhas de Minas”.
Na “pedra polida” parte-se o poema.
Ouço:
lá bem no fundo do poço do meu coração
“uivam molossos na escuridão”.
Num círculo em curto
de ondas sonoras,
lúdico poema em verso tortos,
angélico canto de doce pranto
talvez vertido, talvez ferido - punhal de prata? -
em gotas no cântaro goteja.

E o cântaro, tantos cantos,
quebrado.

22 de fev. de 2011

E A SOLIDÃO, MISS DICKINSON?

(Alia E. El-Bermani)


cacos de espelho refletem

pedaços de vida:

não sei se cada caco contém

uma vida inteira em pedaços

ou pedaços inteiros

de uma vida partida;


sei que apenas os contemple

mudam-se em calidoscópicas cores,

tornam-se vidas em sombras convertidas,

tornam-se sombras as vidas repartidas

e como tenazes agarram-se às dores

todos os amores que não vivi,

no centro da espiral em movimentos loucos

a solidão metamorfoseia-se neste verso:

“a drop fell on the apple tree”

e chamo miss Dickinson em gritos roucos,

que há tempos prendo no meu coração,

para juntar os cacos dessa profunda solidão.




20 de fev. de 2011

IMPOSSÍVEL

(A. Andrew Gonzalez - The summorning of the muse)


Estranhas as lendas que falam
de caminhos paralelos.
Estranhos os caminhos que seguem
para um encontro nunca realizado.
Veredas retas ou curvas,
em suaves meandros como os rios.
Ladeiras, íngremes ladeiras,
passando por inóspitas montanhas.
Vão-se assim os caminhos
lado a lado, gêmeos univitelinos,
parelhos, paralelos, para o páramo
onde, quem sabe? - enfim, no vazio,
se entrelacem num abraço de morte.

18 de fev. de 2011

APOIO INCONSÚTIL



(Theodore Gericault - o beijo)


Não quero o apoio inconsútil
de mãos angelicais. O apelo
ao mar inútil, a quebrar o selo
de todos os meus ais. Vem

ao encontro de mim, como louca
e beija também minha
pele e minha boca, assim
como o desejo caminha para

o anseio de teus beijos, num
passeio em busca de teu
sexo... Oh! louca, escancara
teu riso, teus olhos, para o nexo

infinito, afinal, num zoom
total de amor, dor, promissor
de mundos e mãos, na paz
que em mim, inconsútil, se desfaz.

16 de fev. de 2011

ESCUTA OS TEUS DEMÔNIOS

(A. Andrew Gonzalez - Pandora)


Escuta os teus demônios - diz-me
a voz que trago em mim - não são
luminares, mas escuta-os.

Negrejam os caminhos quando,
distraído, não os ouves. Deixa
que dissipem o teu pranto
e sufoquem com suas vozes a tua queixa.

Naufraga o teu sonho, se
teimoso, não ousas
seguir-lhes os conselhos.
As vozes (de teus demônios) escondem
a sabedoria dos que se foram
e a experiência dos mais velhos.

Para, para a tua vida por um instante,
antes que do distante
visitante
recebas a admoestação mais vil.
Urge o tempo. Do fundo das fundas eras
o tropel dos séculos transforma em cinza
todas, todas as tuas primaveras.