BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

108.

Um cão sarnento

a uivar para a lua:

apenas uma chateação

no meio da noite.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

107.

A natureza não faz festas,

apenas prodigaliza espetáculos.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Erwin Blumenfeld)

106.

Cato palavras, 

a esmo, 

pelo dicionário

e concluo que poesia

aparece assim, do quase nada,

como capim.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Sesbastian Schramm)

105.

- Por que escrever aforismos

que ninguém lê?

Alguém a me perguntar. 

- Nem todo mundo é um muar

que nem você.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Jock Sturges)

104.

Os rios – sabemo-lo todos –

correm para o mar.

Já o grande rio da evolução

não sabemos onde vai dar.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Diane Arbus)

103.

Mal cabe numa folha

a minha biografia.

Mas, enquanto a roda da vida 

gira e fia,

rodo o mundo neste beco,

neste beco sem saída.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Andy Prokh)

102.

Quem sabe o que é a vida?

Um pedaço de verso roto,

deixado como trapo

à beira de um caminho torto?

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

101.

Há em cada passo que dei

a marca de todos os homens

que vieram antes de mim.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Jan Saudek)

100.

Não quero falar do fim,

deixa-o para os desesperados.

Quero falar das estrelas

e dos tantos mundos que não visitei.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Sally Mann)

99.

Não posso dizer que te amo,

quando as pedras gemem a meus pés.

Quero-te apenas, com o carinho

de quem colheu pela vida

poucas rosas e muito espinho.

BECO SEM SAÍDA

(Foto vintage de A. não identificado)

98.

Na vida, o que tu és

conserva.

Terás apenas o chão que pisas

e muitos calos nos teus pés.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

97.

Caminheiro, caminheiro,

não desperdices teu tempo

no descanso à beira do caminho, 

pois ao fim só te aguardam

o buraco e um punhado de flores.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Frantisek Drtikol)

96.

Não quero o teu sorriso, 

não quero o teu juízo:

pensa apenas que és

a última gota do deserto.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

95.

No caminho à esquerda, guerra;

no caminho à direita, fome e miséria.

No do meio, um budista, 

bem no meio do nada.

Assim é o homem, pensei, 

depois de chutar a bunda do budista.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de JR Duran - Laerte)

94.

Não brinco com deus

(tenho mais o que fazer)

mas, ele, como descansa desde o sétimo dia,

vive brincando comigo.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

93.

Escrevo sempre assim:

com um olho, aberto, na natureza;

e o outro, bem fechado,

em mim.

BECO SEM SAÍDA

(Foto da internet)

92.

Lá fora, o canto do bem-te-vi.

Doce harmonia da natureza,

pensa, romântico, o poeta.

Este lugar é meu, 

atento, o ornitólogo interpreta.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Beth Moon)

91.

Caiu a fruta da árvore.

Não, não foi vontade de um deus:

frutas maduras 

costumam cair. Só isso. Mais nada.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

90.

Ter esperança é acreditar

que vem um dia depois do outro,

sempre, sempre. 

Porque é assim o Universo.

Ou não?

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Christopher Pugliese - Dream of Youth)

89.

Viva a vida, meu amigo, 

que a morte, mesmo certa,

não merece ser vivida.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Alex Krivtsov) 

88.

Cultivam os deuses a morte.

Eu? Apenas a vida, 

a vida apenas cultivo.

E odeio todos os deuses.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Lovisa)

87.

Não gosto de guerras, não gosto de armas.

Bastam aos homens, para se destruírem, 

mais que a força dos punhos, 

o ódio nas palavras.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

86.

Há monumentos que eternizam conquistas.

Heróis, para que os queremos?

Servem suas estátuas apenas de pouso 

ao voo cansado de pombas inúteis.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de Jan Saudek)

85.

Cultuas os mortos 

que juntos morreram no grande desastre.

Veleidades, apenas:

A morte é sempre morte, não importa

quantas vidas se vão, não importa

se contadas às centenas,

ou se apenas um bebê que morre à noite,

em seu berço solitário.

BECO SEM SAÍDA

(Foto de A. não identificado)

84.

Há muita chuva na nuvem que negreja.

Há muita vida, na terra,

à espera dessa chuva.

Mas a chuva que traz vida,

também pode trazer a morte.