houve um tempo em que se odiava o frio
e sonhava-se com as tardes quentes de verão
hoje o verão que se nos afogueia também nos mata
e viramos moscas varejeiras em túmulos podres
nas belas tardes que de belas só têm o espectro solar
o temporal que se segue ao forno ligado
traz destruição e morte
e não apaga o sentimento de que o dedo do capeta
está espetado em nossa carne
diz-se que são tempos de extremos
e não há nada que se possa fazer
dizem que o ser humano
queimou a vela do mundo
pelos dois lados
e onde havia calor o calor exacerbou todas as possiblidades
e onde havia frio o frio enregelou todas as consciências
esburacamos terras e mares em busca do que nos move e aquece
e agora não temos como nos mover e vamos ficar tão aquecidos
que não haverá máquina de gelo que nos mantenha vivos
transformamos ouro e a prata e os minérios todos
em bilhões de objetos que entulham os mares
matam os peixes e poluem as águas que bebemos
transformamos em pó as florestas que nos davam respiro
e agora o respiro que temos é o da morte lenta pelos extravasamentos do planeta
que se vinga de nós e tenta se livrar de nós e tenta não morrer em nossas mãos
e por isso nos mata
lenta e sossegadamente o planeta nos mata
para renascer um dia talvez ainda mais belo e mais poderoso que hoje
sem esta raça estúpida que o destrói e se destrói – o ser humano
ah
as tardes quentes de verão
ah
as noites frias de inverno
praias e rios e muitas águas
chocolate quente e histórias antigas
tudo isso será passado
tudo isso se consumiu no desenfreado consumismo
a que nos levou a estupidez do capitalismo
18.2.2025
(Ilustração: François Boucher: fishing in China)
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