5 de mai. de 2025

reversão






houve um tempo em que se odiava o frio

e sonhava-se com as tardes quentes de verão



hoje o verão que se nos afogueia também nos mata

e viramos moscas varejeiras em túmulos podres

nas belas tardes que de belas só têm o espectro solar



o temporal que se segue ao forno ligado

traz destruição e morte

e não apaga o sentimento de que o dedo do capeta

está espetado em nossa carne



diz-se que são tempos de extremos

e não há nada que se possa fazer



dizem que o ser humano

queimou a vela do mundo

pelos dois lados

e onde havia calor o calor exacerbou todas as possiblidades

e onde havia frio o frio enregelou todas as consciências



esburacamos terras e mares em busca do que nos move e aquece

e agora não temos como nos mover e vamos ficar tão aquecidos

que não haverá máquina de gelo que nos mantenha vivos



transformamos ouro e a prata e os minérios todos

em bilhões de objetos que entulham os mares

matam os peixes e poluem as águas que bebemos

transformamos em pó as florestas que nos davam respiro

e agora o respiro que temos é o da morte lenta pelos extravasamentos do planeta

que se vinga de nós e tenta se livrar de nós e tenta não morrer em nossas mãos

e por isso nos mata

lenta e sossegadamente o planeta nos mata

para renascer um dia talvez ainda mais belo e mais poderoso que hoje

sem esta raça estúpida que o destrói e se destrói – o ser humano



ah

as tardes quentes de verão

ah

as noites frias de inverno



praias e rios e muitas águas

chocolate quente e histórias antigas



tudo isso será passado

tudo isso se consumiu no desenfreado consumismo

a que nos levou a estupidez do capitalismo



18.2.2025

(Ilustração: François Boucher: fishing in China)

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