17 de nov. de 2025

a pressa dos mortos

 




na praça a fila de mortos

[muitos]

– todos aparentemente calmos –

mesma posição

de rosto para cima e mãos ao longo do corpo

mesmas roupas – todas de baixo –

[calções e cuecas coloridos]

sem camisas

[uma quase nudez de cristos nas cruzes

mas não há cruzes – apenas o asfalto negro

sob seus corpos]

e negros também são todos eles

sim – negros – e homens – todos

todos eles homens de todas as idades

e negros sobre o negrume do asfalto



ao redor deles – pessoas vivas

muita – muita gente – os curiosos de sempre

e uns poucos – muito poucos – parentes atônitos

[mas ninguém chora]

rodeia-os a procissão de mulheres – muitas

e de crianças – algumas [por que estão ali?]

e uns poucos homens – brancos e negros

atônitos todos – e não choram, não: não choram

– apenas os observam com olhos de vidro



os cadáveres – ah sim os cadáveres – eles!

eles estão calmos

aparentemente calmos – mas têm pressa

eles têm pressa de cumprir seu destino

[e não é preciso dizer qual é o destino dos cadáveres]

mas há uma outra pressa que esses mortos

[expostos na praça aos olhos de todos] têm

– a pressa de que algum juiz

[e você que me lê – conhece algum?]

deles se compadeça

e julgue quem os furou com tantas balas

– e tanto ódio!

[ainda que sejam quase todos eles – bandidos]



2.11.2025

(Ilustração: Théodore Géricault - anatomical pieces)

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