na praça a fila de mortos
[muitos]
– todos aparentemente calmos –
mesma posição
de rosto para cima e mãos ao longo do corpo
mesmas roupas – todas de baixo –
[calções e cuecas coloridos]
sem camisas
[uma quase nudez de cristos nas cruzes
mas não há cruzes – apenas o asfalto negro
sob seus corpos]
e negros também são todos eles
sim – negros – e homens – todos
todos eles homens de todas as idades
e negros sobre o negrume do asfalto
ao redor deles – pessoas vivas
muita – muita gente – os curiosos de sempre
e uns poucos – muito poucos – parentes atônitos
[mas ninguém chora]
rodeia-os a procissão de mulheres – muitas
e de crianças – algumas [por que estão ali?]
e uns poucos homens – brancos e negros
atônitos todos – e não choram, não: não choram
– apenas os observam com olhos de vidro
os cadáveres – ah sim os cadáveres – eles!
eles estão calmos
aparentemente calmos – mas têm pressa
eles têm pressa de cumprir seu destino
[e não é preciso dizer qual é o destino dos cadáveres]
mas há uma outra pressa que esses mortos
[expostos na praça aos olhos de todos] têm
– a pressa de que algum juiz
[e você que me lê – conhece algum?]
deles se compadeça
e julgue quem os furou com tantas balas
– e tanto ódio!
[ainda que sejam quase todos eles – bandidos]
2.11.2025
(Ilustração: Théodore Géricault - anatomical pieces)


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