(Cézanne)
Quando, pela manhã já entrada,
ressurjo de meu leito após noite insone
busco de novo a cada dia a vida
que corre cada vez mais devagar
nas minhas veias;
preciso nascer um novo homem,
de novo do ovo,
a cada batida do velho coração.
Contemplo a luz lá fora, saio do túnel trevoso
que percorri a duras penas, trêpega sombra,
e me arranjo em ossos e músculos
para transformar o lento caminhar
em algo decente ou próximo
do homem ereto.
Ainda longe da consciência,
vejo plantas, ouço pássaros,
contemplo o azul, conto as nuvens,
mas não amanheço ainda, apenas espero
que meus olhos doentes se acostumem
à clara luz de um dia que caminha para a tarde.
Sou o renascido. Pois cada dia assim é,
e cada dia precisa ser vivido e revivido,
mas devagar, bem devagar,
que o tempo se mede no lento caminhar
e se apresso o passo, apresso-o a se aproximar:
renascer é minha maneira particular
de enganá-lo, de dizer-lhe que não o temo.
E assim, cada manhã, quando já o dia
está em queda livre para a tarde,
ressurjo de novo do ovo,
algo próximo do homem ereto,
algo próximo do homo sapiens,
sabendo que toda a minha sabedoria
vai consistir em tentar o improvável
de todo ser a cada manhã redivivo:
enganar o tempo andando devagar,
vivendo devagar, pensando devagar.
Mas, é assim que sobrevivo.
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