Alguém posta um vídeo de Leny Eversong. Vou atrás de sua bela voz, nesse lugar de pesadelo e sonho que se chama Youtube. Pesadelo porque nos prende com suas garras, para novas buscas. Sonho porque encontramos lá as emoções provindas de ecos do passado. Leny me leva à Lana, Lana Bittencourt, e ouço com emoção Little Darling. E então olho as sugestões da infernal máquina de lembrar: Wilma Bentivegna. A canção, há muito esquecida, pula da tela do computador para os meus ouvidos, The Green Leaves of Summer. As folhas verdes de verão, na voz da Wilma. E eu choro.
Que saudade é essa? Uma canção tão distante, um tempo de ser criança, quase jovem, ouvindo pelas ondas de um miserável rádio Phillips, presente de meu irmão mais velho, a canção do filme The Alamo, a canção perdida que ressuscita esse menino de pés no chão, na pobreza de uma cidade perdida nas montanhas do Sul de Minas, o menino que julgava ter deixado lá, naqueles idos dos anos cinquenta, o menino está aqui, agora, no meu peito, pedindo para sair, para dizer ao adulto que a emoção que ele sente agora é a mesma que ele sentia quando ouvia, lá longe no tempo, essa mesma canção. E que a saudade que ele sente agora não é vergonhosa, não, é legítima, por tudo quanto ele viveu, por tudo quanto ele deixou para trás, por todos os amigos de infância que lá ficaram e dos quais muitos já estão mortos e enterrados ou cremados ou esquecidos os que ainda vivem, mas não na música, não na voz de Wilma Bentivegna, eles estão vivos, muito vivos, todos eles, dentro do adulto que se derrete para ser de novo menino.
Que saudade é essa? Quando tudo já parecia resolvido, quando todos os assuntos pendentes tinham sido devidamente pensados e repensados, todos os pequenos traumas resolvidos e vem esse maldito tubo de triturar emoções a fazer renascer emoções perdidas, emoções que nunca deviam voltar, porque são irracionais e emocionais, muito emocionais, e a cabeça do adulto é tão racional, tão centrada... E o velho já grisalho desaba em choro, um choro contido, claro, porque não pode chorar às bandeiras despregadas, como gostaria, porque os tempos são outros, e não porque homem não chora, não, é porque ele tem um pouco, sim, um pouco de vergonha dessa saudade que ele são sabe explicar de onde vem, que o toma, que assalta cada fibra de seu corpo, como se ele ainda estivesse subindo descalço as ruas tortas de sua cidade natal, aonde não vai há tantos anos, porque não precisa mais ir lá, ela está dentro dele, pulsando, com o mesmo sol das tardes na mangueira do quintal, com as mesmas pedras com que atirava sem acertar contra inocentes passarinhos, com a bola de meia cheia de espinhos do pé de ora-pro-nobis no campinho improvisado na frente da casa, com a praça, a velha praça onde um dia o menino conheceu um amigo diferente, o índio Justino, com as velhas árvores do quintal, as jabuticabeiras, as mangueiras, o abacateiro, as bananeiras, com o casal de patos a cuidar da ninhada amarelinha que aprende a nadar num laguinho improvisado, com o velho grupo escolar e seu cheiro de coisa que não se esquece, com os amigos, principalmente, sim, os amigos, aqueles que encheram de emoção suas lembranças, o futuro aviador que já embarcou numa viagem sem volta, o inteligente e culto que não ultrapassou a barreira de sua classe, e que também já se foi, o belo e tímido que hoje é médico e com quem fala de vez em quando, sempre com muita emoção, e mais tantos, tantos outros, um rol de rostos, de risos, de braços e abraços, e emoção é isso, é essa saudade filha da puta de ardida, que faz o peito apertar, que faz o menino olhar os olhos úmidos do adulto e perguntar, sem pejo, sem medo, que saudade é essa, companheiro? E acrescenta o menino: não precisa chorar, não, não precisa ter essa saudade, não, que eu estou sempre, sempre aqui...
Obrigado, Leny Eversong. Obrigado Lana Bittencourt. Obrigado, principalmente, Wilma Bentivegna, por vocês povoarem esse maldito tubo de triturar emoções.
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