Desceu do ônibus no Jabaquara, sem um puto no bolso. Puto da vida, sonhava com uma puta vida, mas até agora só a putaria do cais de Santos. Ficou sem os últimos tostões. Só a quantia certa para o ônibus. Olhou para todos os lados, ainda tonto da subida da serra. Do outro lado da rua, vários bares. Tentou negociar com alguns fregueses o dinheirinho do metrô. Escorraçado, desceu a Rua dos Jequitibás e virou à esquerda na Avenida George Corbisier. No escritório do deputado, também não conseguiu nada. Com aquelas roupas e aquelas olheiras... Viu um fantasma no vidro da loja. Sentou em frente à igreja dos crentes e tentou esmolar. O sol a pino turvava-lhe o olho faminto. Nada. Precisava ir embora do Jabaquara, mas sem dinheiro... Desespera-se. Tenta descolar uma coxinha na padaria. Nada. O sol desce pelo seu estômago e provoca ânsias de anoitecer. Quase. Um sopro na tarde e só. Senta. Levanta. Pede. Povo filho-da-puta. Refaz o caminho. Torce a esquina e vê. Acha que pirou. Não. Está lá. Uma carteira no canto do muro. Dentro, uma nota de cinco e um bilhete do metrô. Entra na pastelaria e torra a nota em pastel e caldo de cana. O bilhete, uma preciosidade fechada na mão. Na descida para o metrô, para. Vira-se. De punho cerrado, uma banana pro Jabaquara, povo pão-duro e filho-da-puta, vão se foder. Enfia o bilhete na catraca, que não se abre e ainda apita. Bilhete inválido. Solta um palavrão. Na bilheteria, a moça, autoritária: falso. Não pode trocar, não. Dá escândalo e quase vai preso. Uma semana depois, na porta da igreja dos crentes, música e muitas aleluias. Fim do culto. Todos saem apressados, sem se dar conta do corpo encostado no muro.
sexta-feira, 7 de março de 2003
(Ilustração: Rua dos Jequitibás, Jabaquara, São Paulo/SP
- foto da internet sem indicação de autoria)
(Você pode ouvir esse texto, na voz do autor, neste endereço de podcast:
https://open.spotify.com/episode/6IHWW8jOPpnLxUGWv1hL5T?si=va_8lajXRampbe4aPIUlXA)