os poemas que existem presos dentro de mim
não os solto senão depois de verificar muito bem suas
intenções
que não tenham a doce malícia de traficantes
que não tenham a vergonha escarnecedora de melífluas
virgens
sejam principalmente sinceros em seus poéticos
fingimentos
sejam pouco arrogantes em propagar suas verdades
saibam tocar as teclas de minha sensibilidade
com mãos de mulher que nos acolhe com tesão
solto-os - aos meus poemas - como aves
em busca de ninhos entocados dentro de nuvens de chuva
que suas penas voem com o vento
que seu canto se perca nos mares
não importa
que sejam eles o meu guia no nevoeiro da vida
ainda que suas metáforas desafiem meu gosto
posso entendê-los como filhos que correm o mundo
e mandam de vez em quando uma mensagem numa garrafa
uma mensagem que talvez nunca chegue a seu destino
porque anseia por marés de plenilúnio em portos ignotos
aves de canto breve ou de longos trinados
meus poemas marcam como pegadas de suçuarana
a minha caminhada sobre as areias movediças desse mundo
se os solto sem que tenham bem claras suas intenções
pesarão sobre mim suas asas malformadas
e como Orfeu na barca de Creonte
não poderei jamais ouvir de novo o canto de minha Eurídice
nem sonhar com desencontros inusitados nos jardins de
outrora
11.7.2023
(Ilustração: Claude Monet)