(Fernando França)
na tarde que esfria
frio sinto o meu coração
não, não ria
por detrás de cada porção
de versos, de descaminhos
estão aqueles mesmos carinhos
que guardei para ti
assim, bem aqui,
e que, amiga, nunca mais quererás
deixa-me, te peço, te imploro,
está finalmente em paz
meu frio coração, não mais choro
os versos, os descaminhos
de nossa antiga paixão
guardo, sim, os espinhos,
todos os espinhos de nossos caminhos
como quem guarda na tarde fria
um tosco cobertor
em que um dia, somente por um dia,
agasalhamos o nosso amor
6.9.2010
(Jean Bailly)
Porque éramos jovens,
Havia uma lua torta no céu
E olhos atentos para a nave espacial
Porque éramos jovens,
Nasciam paixões avassaladoras
Por trás da mangueira em flor
Porque éramos jovens,
Riscava o céu um foguete de esperança
E o mundo caía a nossos pés
Porque éramos jovens,
Nada era apenas uma palavra
Grotesca, sem dúvida, mas uma palavra apenas
Porque éramos jovens,
Ouvíamos e cantávamos as canções
Possíveis e impossíveis
Ah, porque éramos jovens,
Lua, paixões, esperanças, canções
Nada mais eram que arados
A riscar de vida o chão de nossos corações...
Porque éramos jovens!
(Airton das Neves)
(para Eliana Iglesias)
quando bebo uma xícara de café quente,
feito na hora, com o suave aroma enchendo a casa,
eu sou feliz
quando leio um verso que fiz há muito, esquecido num arquivo
do computador e encontro nele um laivo de poesia,
eu sou feliz
quando caminho pela rua sem pensar em nada,
solitário caminheiro anônimo até de mim mesmo,
eu sou feliz
quando viajo de automóvel e o vento bate em meu rosto,
trazendo da mata o suave canto de pássaros desconhecidos,
eu sou feliz
quando vejo teus olhos nos meus, sinceros, falando
coisas comuns de nosso dia-a-dia, enquanto me calo,
eu devo lhe dizer que me calo, sim, porque naquele momento
eu sou feliz
porque, amiga, não há no mundo nada que faça
que o homem tenha felicidade, mas há sempre
em pequenos gestos, em mínimos momentos,
um sentimento firme de que se é feliz, só, ali,
naquele instante em que o mundo para e olha para ti.
(Daumier - Endymion)
Há narizes e narizes:
de todos os matizes,
negros, brancos, amarelos.
Há-os feios, há-os belos.
Narizes verdadeiros
de boa genética
e melhor ética
e há narizes falsos,
feitos em falsas curvas
mais que perfeitas.
Narizes redondos
como um caqui
e narizes arrebitados
talhados, moldados
a golpes de bisturi.
Há-os como celeiros,
ventas bravas de pêlo e pó,
máquinas espirrantes
por quaisquer cheiros.
Também há narizes
chatos de dar dó,
e narizes compridos
como eles só,
mas todos matrizes
de praças do interior:
promontório do rosto,
causam riso ou desgosto,
à vezes tristeza
mais do que dor.
Mesmo com a beleza
de fruta ou de flor,
mesmo grosso ou fino,
causam desatino
se na doce paragem
desafinam com gosto
do resto da paisagem.