7 de jul. de 2015

a morte do palhaço



(Paul McDevitt)



no meio do picadeiro o corpo do palhaço

estendido

estará morto?

apenas dorme fazendo palhaçada - diz um

foi pisoteado pelo elefante - diz outro

mas o circo não tem elefante

o cravo vermelho no peito - foi um tiro - diz um terceiro

e a bailarina chora no canto com medo do lobisomem

que a espera no fundo do corredor para estuprá-la



o menino tem medo do escuro e esconde a cabeça

sob o travesseiro

os monstros sob a cama se divertem



quantos anos tem o palhaço? ou tinha?



a verdade está nos detalhes - advoga o advogado

o vento assobia nos cabelos da mulher barbada

há um aparato policial para prender o assassino

que está à solta no parque de diversões



companheiros a hora é esta - o sindicalista

convoca os operários para uma greve

um risco no céu anuncia a tempestade



no chão do picadeiro chovem flores sobre

o corpo do palhaço

estará ele morto? ou apenas se diverte

com a dor de quem finge que chora sua morte?




no cinema ao lado um filme de David Linch

todos os que fazem parte dele também já estão mortos

prega-se em todos os cantos o fim dos tempos

o homem é o lobo do homem




os sonhos sonhos são - repete o poeta no viaduto

a vida passa voando sobre sua cabeça

se esborracha num dos pilares da civilização




a madrugada traz o pio da coruja

o menino que tremia de medo vestiu sua fantasia de super-herói

talvez ainda haja esperança para os que sofrem

disse alguém já à beira das lágrimas

a lua iluminou a estrada deserta por onde passa

com todas as luzes acesas uma ambulância cheia de porcos




agora você está definitivamente num filme do David Linch

a pasta de amendoim azedou e está coberta de vermes

no asfalto a pele luzidia da lontra desafia todos os argumentos




no picadeiro o palhaço parece que ri dos que choram

na verdade ninguém está chorando

a bailarina resolve enfrentar o lobisomem e pede conselhos

à mulher barbada que louca de raiva enxota as abelhas

que teimam em pousar em suas orelhas cheias de açúcar

não há mais esperança - solfeja o contorcionista

arriscando mais uma manobra no carrinho de rolimã

a anã vestida de freira cheira o cheiro

de mato da flor do peito do palhaço - o olho vidrado




a música explode da orquestra do poço do teatro

as cortinas se abrem para mais um pôr do sol

ninguém acredita que os sonhos sejam apenas sonhos

há no ar um gosto azedo de revoluções passadas




o menino que virou homem-aranha e a bailarina

que anseia pelos braços do lobisomem passam um pelo outro

e não se reconhecem - a lua vai alta no céu

a mulher barbada reclama de fome o contorcionista gargalha

a flor do peito do palhaço está murcha

o mundo está murcho

a vida está murcha

já se foi o tempo em que para tudo havia um motivo

morreu a razão

o palhaço não está morto - suspira e reza

para um deus há muito enterrado

no coração da floresta amazônica




há uma bailarina e um lobisomem - o palhaço gargalha




do fundo do poço a mulher barbada puxa o balde

dentro dele há um menino vestido de lanterna verde

os gatos miam assustados e o bode da sala é abatido com um facão

fechou-se o círculo em torno do altar

vamos todos para para copa - o jantar está servido

há vinho azedo e pão ázimo sobre a mesa




o palhaço não sabe mais se ri ou agoniza




a procissão do cristo morto adentra o picadeiro

o trapezista despenca do sonho e cai na rede de cabelo

da mulher barbada - todos choram e riem ao mesmo tempo

o médico dá a extrema-unção ao elefante que não existe

o circo paga todas as suas contas com as lágrimas do menino




vê-se que o palhaço revira os olhos para o malabarista




o passado está maduro sobre os ombros do lobisomem

a bailarina ajoelha-se em contrição - não está triste

embora chore um pouco

o menino vestido de super-herói dança uma valsa

fazendo piruetas e pintando o rosto - o olho esquerdo

já está todo branco e vermelho - e ele começa a retocar o olho direito

a mulher barbada desespera-se e joga no poço um rosário

as contas bentas que lhe dera um papa




o palhaço já não agoniza e ri - apenas observa




na estrada escura os carros do circo atolam na lama

o elefante inexistente levanta a tromba e aceita o amendoim

que o mendigo lhe oferece

não há esperança depois da curva da estrada

a tempestade aumenta o sofrimento de todos

menos do menino vestido de super-homem

que estala o chicote no lombo de cavalos etéreos




não morra palhaço - uma voz - morra palhaço - outra voz




bailarina e lobisomem atacam a mulher barbada

roubam-lhe a última moeda de prata

o menino está doente o vento suspira nas papoulas

a estrada é longa e longo o pensamento dos homens

talvez haja poemas suficientes para salvar um só

ao menos um - suspira a bailarina

vestido a caráter o menino encanta plateias

salva-se o circo e o elefante brame suspenso em duas patas

toca o tarol com precisão o chefe de cerimônias

anuncia o fim do mundo no globo da morte

o palhaço na garupa da Harley-Davidson gargalha

apagam-se as luzes do picadeiro

poetas e sindicalistas se unem pelo desprezo geral

começa a função - desfilam monstros marinhos

e deusas gregas portando ânforas de ouro

o ciclo se fecha o circo treme e freme a morte entra no globo

o globo da morte entra em convulsão




o palhaço no meio do picadeiro apenas sorri agora




a vida é sonho e os sonhos são pesadelos

os assassinos estão todos despertos e devidamente perdoados

a polícia recolhe os destroços do nada

do viaduto para o mundo grita o poeta - acabou a palhaçada

que vão todos para seus lares e aborreçam-se




cena final e abissal: o menino vestido de super-homem

pisoteia o peito do palhaço


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