31 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Fernando Lessa)



24.



Se tiveres que beber do veneno,

beba-o até a última gota.

A pior coisa a acontecer ao homem

é deixar ao meio a tarefa começada.




30 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Foto de Man Ray - noire et blanche, 1926)



23.



Não preciso de ti, não precisas de mim.

Não. Não estou falando de mulheres ou amigos.

Digo isso todos os dias

para os falsos deuses a quem os homens

entregam todos os dias

o melhor de si mesmos.









29 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Marcel Marien - la priere du diable)



22.



Foda-se o deus cristão,

foda-se o deus muçulmano,

foda-se o deus judeu ou que seja.

Fodam-se todos os deuses

para salvação da humanidade.











28 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(I bellieve in miracles Andy Prokh - tatuada nas costas de uma mulher)




21.



Não há deuses que prestem

no panteão da humanidade:

discriminam todos eles

quem não lhes acende a pira.







27 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA





(Foto de Andres Serrano - Pieta - 1985)


20.



Desde o princípio, os homens

constroem templos

e pirâmides: monumentos inúteis

para coisas mortas.





26 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Foto de Renato Gagliardi; Cardoso/SP)



19.



Não basta ter olhos: é preciso 

abri-los. Não basta ter amor:

é preciso amá-lo. E depois,

falar besteiras ao luar.




25 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Baobá - foto de Isabel Osório)



18.





Não há poesia na natureza.

Espantas-te? Ora, amigo, o que eu

quero dizer é que não importa

o que acontece na natureza:

o teu sentimento, sim, a tudo

polui ou embeleza.








24 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(A. não identificado)



17.



Suspenso no ar, o beija-flor

torna-se ele mesmo a flor

que lhe dá o sustento de mel e pólen.

É isso apenas uma observação da natureza.

Nada mais.



23 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Bom Jesus do Amparo - Fazenda Rio São João -  foto de André Fossati)


16.



Há nas janelas que se abrem para o campo

uma espécie de premonição da liberdade.

Por isso, os construtores dos casarões

das velhas fazendas de Minas

projetavam primeiro as janelas e só depois,

em torno delas, erguiam

as paredes sólidas de madeira e adobe.



22 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(A. não identificado)



15.





Você não há de querer que eu lhe diga

o quanto a vida pode ser bela.

Se eu lhe dissesse isso, estaria mentindo.

E se você me acreditasse, seria um tolo.





21 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA





(Foto de Chema Madoz)


14.





Nos versos de Omar Kayyam,

o vinho se torna a personagem constante.

Se o velho poeta o aprecia tanto assim,

é porque há no vinho

a sabedoria dos sonhos inefáveis.







19 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto sem indicação de autoria)




13.





Não há sabedoria em criar

frases belas e de grande efeito.

Apenas os tolos apreciam

a rima que ornamenta

a frase colorida de palavras vazias.





18 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA





(Foto de Chema Madoz)


12.





Mesmo quem nada tem a ensinar

julga-se sempre um grande professor.

O verdadeiro sábio apenas ouve

e julga-se o mais estúpido dos homens.



17 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Autor não identificado)



11.



Pôs o homem os seus deuses

num ponto bem acima de suas vaidades.

Para quê? Para ter sempre a desculpa

de nunca conseguir alcançá-los.





16 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(A. não identificado)



10.





Há pessoas que rezam todos os dias,

e todos os dias renovam seus pecados.

Eu prefiro achar que não há pecados

que valham qualquer oração.



15 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Foto de Fátima Alves - paisagem mineira)



9.



Há lições de moral no Alcorão.

Há lições de moral na Torá.

Há lições de moral na Bíblia.

Só o livro sempre aberto

da Natureza

não tem lições de moral.



14 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Pierre Molinier - Self-portrait)



8.



O palhaço no picadeiro

repete sempre o mesmo gesto,

a mesma piada, o mesmo desalento.

Não é exemplo para a vida. A vida

é que é assim, triste como um palhaço.







13 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Robert Mapplethorpe)


7.



Se choro, envelheço. Se rio,

renovo-me. Gargalho, então,

para cada entrave que a vida

coloca em meu destino.



12 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Foto de Chema Madoz)



6.



Não há otimismo em minha filosofia.

Nem pessimismo. Apenas

o tédio de contemplar a vida.



11 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Oto Olivier Valsecchi - teste de rorschach)




5.



Gesta a planta uma flor

durante várias estações. Abre-se, depois,

por apenas uma noite.

Assim a minha vida: uma noite, só uma noite

de perfume, para mil dias de gestação

e tédio.



10 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(Lavras, MG - Cine Brasil, c. 1960 - A. não identificado)



4.



O pó da rua me faz mal às narinas.

O pó que cobre o meu passado

traz apenas a cócega de um rapé

que existira outrora na caixinha antiga e velha

da minha imaginação.





8 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Rita-Martin)



3.



Abro a janela, se há luar.

Abro os olhos, se há paisagem a contemplar.

Abro o coração, se há amigos para abraçar.



7 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA



(A. não identificado)



2.



Há no canto da sala uma sombra triste.

De vez em quando olho para ela

e me entristeço um pouco, também.

Depois, abro a janela e a sombra triste

esvai-se num átimo com o raio do sol.



6 de jan. de 2017

BECO SEM SAÍDA




(Foto de Jan Saudek)



1.



Por que falar de rouxinóis,

se nada sei de rouxinóis?

No meu quintal, apenas de sabiás e bem-te-vis

o canto encanta a tarde.

Não os rouxinóis.

No meu poema, também não há

que falar de dores, de amores.

No meu canto apenas a vida

tece e entretece a rede

onde irá dormir um dia o poeta

para sempre.

Por isso, não falo de rouxinóis

nem de dores nem de amores.


3 de jan. de 2017

cu











um cu é só um cu

não importa a bunda

em que ele esteja



quando se come um cu

come-se apenas o cu

não importa a bunda

em que ele esteja



quando se fode um cu

fode-se apenas o cu

não importa de quem

seja a bunda

em que ele esteja



assim o cu é celebrado

pelo aperto e pelo prazer

não pela bunda

em que ele possa estar



assim o cu é festejado

pelo gozo que sempre dá

não importa a bunda

nem o dono nem a dona

da bunda em que ele está



quando se está comendo

um bom cu apertado

está-se comendo apenas

um bom cu arretado



um cu é somente um cu

nada mais do que um cu

e não será nunca nada além

do que somente um cu



ainda que seja sempre

muito bem festejado


29.8.2015

1.9.2015

1 de jan. de 2017

LIÇÕES DE HIGIENE




(Valquíria Cavalcante)


  1. Lavar as mãos. Sempre. Muitas vezes ao dia. Antes de comer. Depois de comer. Após um cigarro. Ao chegar da rua. Depois de um aperto de mãos, esse de forma discreta, depois, sem que o perceba o amigo. Lavar as mãos, sempre, muitas vezes durante o dia. Sem obsessão. Antes de sentar-se ao computador. Depois de ler o jornal. Sempre manter as mãos limpas. E o rosto de vez em quando. Com água fria, de torneira. Desperta e mantém a pele saudável.

  1. Ainda a água, agora na higiene íntima. Após defecar, lavar-se sempre. Com água morna ou fria, mas lavar-se sempre. Papel higiênico só para se enxugar. E depois, com muito sabão, as mãos, mais uma vez e outra e outra mais. Não obsessivamente, mas lavar-se.

  1. Escovar os dentes, sempre após as refeições, com calma. Alguns dentistas dizem que por quinze minutos, pelo menos. Mas escovar bem. E a língua, também: escová-la cuidadosamente. E as gengivas. Com escova macia e um bom creme dental. Mais uma vez a água: em abundância para enxaguar. Se usar um desses detergentes bucais, faça-o com moderação, muita moderação, não mais que uma vez ao dia. E usar, sempre, fio dental.

  1. Roupa de cama: trocar sempre que possível. E colocar, se possível todos os dias, ao sol para matar os ácaros. Travesseiros também. Se tiver relações sexuais, mudar toda a roupa de cama. E lavar com algum tipo de germicida líquido. Na máquina ou no tanque, no molho.

  1. Roupa íntima (meias, camisetas e camisas inclusive): troca obrigatória todos os dias. Sem perdão. E lavar, também, com algum germicida líquido, no tanque ou na máquina, ao deixar no molho. E enxaguar muito.

  1. Banho: também diária é a obrigação. Com água morna, de preferência. Só no inverno, se não aguentar a morna, um pouco mais quente. Nunca quente demais, pois descama além do necessário a pele. Ao enxugar-se, friccione-se um pouco. Estimula a circulação.

  1. Unhas: mantê-las curtas e limpas. Também as dos pés. Para a do dedão do pé, use, de preferência um corte reto, abaulado para dentro, para não encravar.

  1. Fumo: fuja! Mas, se for impossível: no máximo dez cigarros por dia; não fume com estômago vazio; não fume em lugares fechados, principalmente no quarto de dormir; não fume diante de doentes e crianças; não fume ao volante.

  1. Evitar: coçar os olhos, levar a mão à boca, usar palitos de dentes, ficar em casa com sapatos de rua (é bom manter um tapete na entrada da casa ou do apartamento, para limpar os sapatos antes de entrar), andar descalço, usar roupas e sapatos apertados, usar roupas íntimas de tecido sintético, beber e comer apressadamente e pisar em cocô de cachorro, na rua.

Bem, por que todos esses conselhos agora?  Pode estar perguntando eventual leitor. Ficou louco o articulista?

Você conhece Isaac Asimov? Já leu algum de seus livros? Asimov escreve ficção científica. Da melhor qualidade. Ou escrevia, pois faleceu há poucos anos. Deixou obra memorável. Seus melhores contos e romances falam de robôs. Até criou as leis da robótica, para dirigir o comportamento dos robôs. Já ouviu falar? São elas:

·       1ª lei: um robô não pode fazer mal a um ser humano  nem, por inação, permitir que algum mal lhe aconteça.
·       2ª lei: um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando estas contrariarem a primeira lei.
·       3ª lei: um robô deve proteger a sua integridade física, desde que com isto não contrarie as duas primeiras leis.

Então, há um conto de Asimov em que nenhum computador consegue fazer os cálculos do salto quântico, que possibilitará as viagens interplanetárias. Todos entram em pane, num determinado momento. E os cientistas não sabem por quê. A última possibilidade é um supercomputador, um cérebro eletrônico de última geração, capaz de quase tudo. As fórmulas e os dados complexíssimos são, então, jogados em sua memória. Depois de algum tempo, o computador parece que enlouquece. Começa a ficar estranho, a cantar canções e dizer coisas desconexas, como se precisasse alhear-se do que acontece em seu interior. Depois de muita expectativa, os resultados aparecem e a fórmula do salto quântico é entregue aos cientistas. Que procuram, então, saber o que aconteceu com o supercérebro, que enlouquecera e se alheara, como se sonhasse ou entrasse em zonas imprecisas, enquanto realizava a tarefa. E descobrem que, para realizar o salto, a nave e a tripulação precisariam desintegrar-se (morrer) por algum tempo, para reintegrar-se (ressuscitar) depois, no infinito do espaço sideral. Os computadores não faziam o cálculo porque isso implicaria a morte de seres humanos, o que contrariava a primeira lei. O super-cérebro, no entanto, percebera que a morte era transitória, embora real, pois havia um renascer futuro. O que ele fez? Alheou-se, passou a cantar óperas, a dizer poesia, a fazer-se de louco, enfim, para iludir a rigidez da primeira lei.

Foi mais ou menos isso o que fiz: não estou, no momento, conseguindo escrever o que eu quero, ficção. Também a realidade que me cerca anda tão deprimente, tão trágica até, que preciso dar um tempo, enlouquecer um pouco, aliviar meu cérebro e tentar, quem sabe? fingir que nada acontece, que é preciso ver o futuro e voltar a uma certa lucidez mental para, então, conseguir realizar o salto que meu cérebro se recusa a dar. Por isso, essas lições de higiene, que devem servir para alguma coisa, afinal.


7.6.2006