1 de jan. de 2017

LIÇÕES DE HIGIENE




(Valquíria Cavalcante)


  1. Lavar as mãos. Sempre. Muitas vezes ao dia. Antes de comer. Depois de comer. Após um cigarro. Ao chegar da rua. Depois de um aperto de mãos, esse de forma discreta, depois, sem que o perceba o amigo. Lavar as mãos, sempre, muitas vezes durante o dia. Sem obsessão. Antes de sentar-se ao computador. Depois de ler o jornal. Sempre manter as mãos limpas. E o rosto de vez em quando. Com água fria, de torneira. Desperta e mantém a pele saudável.

  1. Ainda a água, agora na higiene íntima. Após defecar, lavar-se sempre. Com água morna ou fria, mas lavar-se sempre. Papel higiênico só para se enxugar. E depois, com muito sabão, as mãos, mais uma vez e outra e outra mais. Não obsessivamente, mas lavar-se.

  1. Escovar os dentes, sempre após as refeições, com calma. Alguns dentistas dizem que por quinze minutos, pelo menos. Mas escovar bem. E a língua, também: escová-la cuidadosamente. E as gengivas. Com escova macia e um bom creme dental. Mais uma vez a água: em abundância para enxaguar. Se usar um desses detergentes bucais, faça-o com moderação, muita moderação, não mais que uma vez ao dia. E usar, sempre, fio dental.

  1. Roupa de cama: trocar sempre que possível. E colocar, se possível todos os dias, ao sol para matar os ácaros. Travesseiros também. Se tiver relações sexuais, mudar toda a roupa de cama. E lavar com algum tipo de germicida líquido. Na máquina ou no tanque, no molho.

  1. Roupa íntima (meias, camisetas e camisas inclusive): troca obrigatória todos os dias. Sem perdão. E lavar, também, com algum germicida líquido, no tanque ou na máquina, ao deixar no molho. E enxaguar muito.

  1. Banho: também diária é a obrigação. Com água morna, de preferência. Só no inverno, se não aguentar a morna, um pouco mais quente. Nunca quente demais, pois descama além do necessário a pele. Ao enxugar-se, friccione-se um pouco. Estimula a circulação.

  1. Unhas: mantê-las curtas e limpas. Também as dos pés. Para a do dedão do pé, use, de preferência um corte reto, abaulado para dentro, para não encravar.

  1. Fumo: fuja! Mas, se for impossível: no máximo dez cigarros por dia; não fume com estômago vazio; não fume em lugares fechados, principalmente no quarto de dormir; não fume diante de doentes e crianças; não fume ao volante.

  1. Evitar: coçar os olhos, levar a mão à boca, usar palitos de dentes, ficar em casa com sapatos de rua (é bom manter um tapete na entrada da casa ou do apartamento, para limpar os sapatos antes de entrar), andar descalço, usar roupas e sapatos apertados, usar roupas íntimas de tecido sintético, beber e comer apressadamente e pisar em cocô de cachorro, na rua.

Bem, por que todos esses conselhos agora?  Pode estar perguntando eventual leitor. Ficou louco o articulista?

Você conhece Isaac Asimov? Já leu algum de seus livros? Asimov escreve ficção científica. Da melhor qualidade. Ou escrevia, pois faleceu há poucos anos. Deixou obra memorável. Seus melhores contos e romances falam de robôs. Até criou as leis da robótica, para dirigir o comportamento dos robôs. Já ouviu falar? São elas:

·       1ª lei: um robô não pode fazer mal a um ser humano  nem, por inação, permitir que algum mal lhe aconteça.
·       2ª lei: um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando estas contrariarem a primeira lei.
·       3ª lei: um robô deve proteger a sua integridade física, desde que com isto não contrarie as duas primeiras leis.

Então, há um conto de Asimov em que nenhum computador consegue fazer os cálculos do salto quântico, que possibilitará as viagens interplanetárias. Todos entram em pane, num determinado momento. E os cientistas não sabem por quê. A última possibilidade é um supercomputador, um cérebro eletrônico de última geração, capaz de quase tudo. As fórmulas e os dados complexíssimos são, então, jogados em sua memória. Depois de algum tempo, o computador parece que enlouquece. Começa a ficar estranho, a cantar canções e dizer coisas desconexas, como se precisasse alhear-se do que acontece em seu interior. Depois de muita expectativa, os resultados aparecem e a fórmula do salto quântico é entregue aos cientistas. Que procuram, então, saber o que aconteceu com o supercérebro, que enlouquecera e se alheara, como se sonhasse ou entrasse em zonas imprecisas, enquanto realizava a tarefa. E descobrem que, para realizar o salto, a nave e a tripulação precisariam desintegrar-se (morrer) por algum tempo, para reintegrar-se (ressuscitar) depois, no infinito do espaço sideral. Os computadores não faziam o cálculo porque isso implicaria a morte de seres humanos, o que contrariava a primeira lei. O super-cérebro, no entanto, percebera que a morte era transitória, embora real, pois havia um renascer futuro. O que ele fez? Alheou-se, passou a cantar óperas, a dizer poesia, a fazer-se de louco, enfim, para iludir a rigidez da primeira lei.

Foi mais ou menos isso o que fiz: não estou, no momento, conseguindo escrever o que eu quero, ficção. Também a realidade que me cerca anda tão deprimente, tão trágica até, que preciso dar um tempo, enlouquecer um pouco, aliviar meu cérebro e tentar, quem sabe? fingir que nada acontece, que é preciso ver o futuro e voltar a uma certa lucidez mental para, então, conseguir realizar o salto que meu cérebro se recusa a dar. Por isso, essas lições de higiene, que devem servir para alguma coisa, afinal.


7.6.2006


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