21 de jun. de 2023

tentativa da poesia

 



na cadeira ao sopé da janela

os meus olhos desbravam paisagens

de nevasca e campinas desertas

sob as árvores mortas os pássaros

enrijecem as penas e morrem

tudo morre ao redor dos meus olhos

nesses campos gelados e mortos

só meus olhos que buscam a vida

só meus olhos que lutam por vida

solitário o poeta não sonha

quase morto na estranha paisagem

nesse inverno em que a vida declina

para o passo final da jornada

só lamentos das almas penadas

são ouvidos das sombras das árvores

a chamar para os últimos versos

o poeta ao sopé da janela



corta a cena – possível leitor

nada disso é verdade e o poeta

é visão de meus olhos cansados

a ficção para abrir a cortina

dos sentidos talvez embotados

pelo tempo de estrada e de vida



não tenho nenhum compromisso com versos marcados

não viajei para nenhum país estrangeiro coberto de neve

apenas escrevi algo bem maluco

para chamar sua atenção para meus versos tortos

querendo apenas lhe dizer – prezado possível leitor –

que minto tanto quanto escrevo e escrevo tanto quanto minto

porque mentir faz da arte da poesia sua essência

ao escandir de dentro de mim verdades poéticas

e esconder meus sentimentos mais profundos

em metáforas de sabores e de cores que entreteçam

todos os meus anseios e todos meus receios

medos abissais em que navego e naufrago

quando faço de minha poesia uma espécie

de nau renascida de insensatos pensamentos



então que me perdoem os poetas todos

que se confessaram ao mundo com seus versos derramados

e também que me perdoem os poetas todos

que se voltaram para as aventuras humanas e desumanas

na busca de heróis impossíveis e deuses prováveis

que me perdoem todos quando me confesso

que sou de suas ricas e estranhas tradições

apenas mais um aedo triste a tentar a lira

sabendo que as musas há muito deixaram a terra

e delas só restou a tentativa sempre frustrada

de poetas como eu a cantar canções mil vezes repetidas

cobertas de novo com um pouco mais de tinta ou de cal




25.3.2023

(Ilustração: escultura de Antonio Frilli - sweet dreams 
- nude sleeping in a hammock, ca.1890)









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