30 de jul. de 2023
OUVINDO CHOPIN
27 de jul. de 2023
último beijo
a noite de fantasmas e tormento
desconsolou meu desespero
e colocou ainda mais tempero
no prato do meu sofrimento
afogo-me num mar de lama
para o abismo que me chama
tudo me traz desejo de morte
não há nada que me conforte
sinto-me totalmente exangue
e tudo quanto agora desejo
é regar com lágrimas de sangue
a flor oculta do teu último beijo
24 de jul. de 2023
última taça
quando a última sombra vier toldar seus olhos
ofereça-lhe ainda uma taça de vinho
brindarão ambos à vida sem pensar no luto
e abraçados e felizes irão depois pelo caminho
que leva ao absoluto nada ou ao nada absoluto
21 de jul. de 2023
tudo é poesia
tudo é poesia
desde o pôr do sol
até o nascer do dia
e segue de novo o poeta à poesia
por todo o dia até o arrebol
- quando se tem alegria
18 de jul. de 2023
tua nudez de longilíneas formas
ofereces-me tua nudez de longilíneas formas
colho através delas o meu encanto de extremos
na busca de mim mesmo pelas tuas curvas
ao encontro das águas profundas de minha paz não desejada
o teu repouso em carne e opróbrio abre meus sentidos para
a poesia
és musa de versos que talvez não te mereçam
evoco nas tuas formas os passos perdidos por caminhos
penosos de areia e pedra
quanto te abres aos meus desejos
o grito da vida ecoa como num quadro de edvard munch
e agoniza em pranto nas asas do pássaro de ontem
quando a flor tesa ainda buscava o céu orvalhada de
beijos e espasmos
tu eras o pólen no bico do beija-flor
oh! como ouso ainda contemplar com meus olhos baços
essa nudez de longilíneas formas que me ofereces?
25.12.2021
(Ilustração: Edvard Munch - Hands, 1894
15 de jul. de 2023
tristeza
a tristeza que me abala
vem de um lugar tão profundo
que eu não sabia que existia
dentro de mim
esse lugar contém tantas mágoas
e tantas esperanças mortas
que eu não sabia que existiam
dentro de mim
essas mágoas e esperanças mortas
provocam tanta solidão e tantas lágrimas
que eu não sabia que existiam
dentro de mim
concluo portanto que dentro de mim
há tantos sentimentos e lamentos
que me tornam um poço de provas
que me fazem chorar esse espanto
que cresce e floresce sem eu saber
dentro de mim
12 de jul. de 2023
trio
um violino lino lino lino
um violoncelo celo celo celo
um piano
e o trio se faz som na minha cabeça
talvez um sonho
talvez um solo
um solo de violino
um solo de violoncelo
um solo de piano
e o silêncio entre minha vida
e a vida de sonho que sonho
talvez assim talvez assim
passado presente futuro
talvez assim o som mais puro
o trio o triângulo e o tríplice arbítrio
de soar o som ao trio
hino e céu pianíssimos
pianíssimos
violino e acorde
que me acorde
violoncelo e o paralelo
longe
responde de onde vem o bonde
para onde vai o bonde
no bonde o piano no trilho no trio
os três a vez a voz do vento o vento o vento
o dia esfria a fria neblina do dia
vi o violino e suas cordas finas finas finas
vi o violoncelo e seus acordes
ouvi o piano pianíssimo
pianíssimo puro acorde de frio
no fim do dia
ouvi e vi o bem-te-vi e a vida
fez enfim
todo o sentido de ser
e viver
6.6.2021
(Ilustração: Michel Calvet - trio)
9 de jul. de 2023
E TUDO NÃO PASSOU DE MAIS UMA VERDADE
6 de jul. de 2023
trepar numa árvore
não tem asas o menino
mas é passarinho no galho mais alto
da jabuticabeira
da mangueira
[não do abacateiro que tem galhos frágeis]
olha o mundo lá de cima o menino-colibri
olha o mundo cá de baixo o homem-jabuti
a carapaça dos anos cobriu seus sonhos
e trepar numa árvore
sentir o cheiro do vento
cutucar com o dedo a manga amarela
olhar de perto o azul do infinito
espoucar na boca o sumo da jabuticaba
o menino não voava
só o pensamento flutuava
e a vida corria
a vida escorria
na seiva do verde das folhas
no joelho ralado na rudeza dos galhos
nada disso agora quando pesam as costas
nada disso agora quando pesam os sonhos
[quisera – e quanto pudera – trepar numa árvore]
3 de jul. de 2023
teus mistérios
teus mistérios permanecem mistérios
guardados pelo toque sensível
do sino sagrado que encima a entrada
da tua caverna nas furnas escondida
longe do alcance de piratas perdidos
e náufragos de noites tempestuosas
mesmo que ainda haja tesouros escondidos
no fundo escuro de teus labirintos
cobrem-te os mantos da desesperança
não importa quanto se cruzem bandeiras de navios piratas
nas batalhas que levam a afundamentos intempestivos
acusando-se uns aos outros de esconder em seus porões
os mapas dos caminhos que levam aos teus delírios
estão fechados os teus umbrais até mesmo
para os fantasmas enlouquecidos
pobres miasmas de desejos que outrora cultivaste
porque não há salvação para os espantos e mistérios
quando se aguçam desejos inconfessáveis
de aventuras recém-nascidas e já desesperançadas